“A
razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular
destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são
impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por
ultrapassarem completamente as suas possibilidades. Não é por culpa sua que cai
nessa perplexidade. Parte de princípios, cujo uso é inevitável no decorrer da
experiência e, ao mesmo tempo, suficientemente garantido por esta. Ajudada por
estes princípios eleva-se cada vez mais alto (como de resto lho consente a
natureza) para condições mais remotas. Porém, logo se apercebe de que, desta
maneira, a sua tarefa há-de ficar sempre inacabada, porque as questões nunca se
esgotam; vê-se obrigada, por conseguinte, a refugiar-se em princípios, que
ultrapassam todo o uso possível da experiência e, não obstante, estão ao abrigo
de qualquer suspeita, pois o senso comum está de acordo com eles. Assim, a
razão humana cai em obscuridades e contradições, que a autorizam a concluir
dever ter-se apoiado em erros, ocultos algures, sem contudo os poder descobrir.
Na verdade, os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites
de toda a experiência, já não reconhecem nesta qualquer pedra de toque. O
teatro destas disputas infindáveis chama-se Metafísica”.
(KANT,
Immanuel. Crítica da razão pura. Trad.
de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão - Introdução e notas
de Alexandre Fradique Morujão. 3. ed. - A VII - Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1994, p. 3).
Nenhum comentário:
Postar um comentário