E, enquanto faço mais uma das necessárias pausas no texto principal a ser entregue, vou terminando esse excelente livro de John Sellaers!
No que acrescento aqui, hoje, como “reflexão matinal”, à maneira dos estoicos, tomo como ponto de partida, um trecho de outro texto de John Sellars (SELLARS, 2016)[1]. A este, acrescento um comentário feito há algum tempo e uma série de sugestões de leituras das que tenho feito e indicado aqui.
“Muitos dos que estão interessados ou se
têm envolvido no renascimento do estoicismo dirão que ele pode ajudar-nos a ter
uma vida melhor e mais feliz. À primeira vista, é possível que isso nos leve a
considerar a ressurgência do interesse pelo estoicismo como parte da “indústria
da felicidade”. Aos insatisfeitos, desiludidos e deprimidos que procuraram em
vão algo para alegrá-los, talvez o estoicismo seja a próxima coisa a ser
tentada para ajudá-los a superar a tristeza e a recuperar a joie de vivre. Se falarmos do estoicismo como
forma de terapia ou como dotado de elementos terapêuticos, decerto tal
impressão pode ser transmitida: o estoicismo oferece uma terapia, mas uma
terapia para tratar o quê? Parece natural supor que a resposta seja: “uma
terapia para tratar a infelicidade”. Com efeito, os estoicos antigos visavam
à eudaimonía, o que
normalmente se traduz por “felicidade”.
O que desejo é pôr em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna. Não se trata de pensar de uma dada maneira a fim de garantir dentro de si um sentimento cálido, vago.”
Mais uma vez, meditava, há pouco, sobre se o Estoicismo NÃO é mera "autoajuda"- daquelas que muitos pagam horrores por ouvir o que se quer ouvir; do autor que foi pago exatamente para isso: para salvar as “egoidades”.
Desde que me percebi,
interessado na temática, embora já tenha adotado, bem antes, um
outro referencial principal, há muito tempo; passei a pensar nas
referências todas, tidas como “autoajuda” (que, aliás, só ajudam quem
recebe fortunas para dizê-las). Portanto, elas tem sempre um mesmo “padrão”.
Há entre essas
obras as que ensinam que a todos, tudo é
possível de realizar-se; basta que se “empreenda”. E, numa outra
direção (que bem compreendida, aceito): as que
recomendam resignação perante os insucessos e desditas.
Notório que, por vivermos
numa sociedade imediatista que defende, valoriza e divulga os
que “fazem sucesso”, hajam até administradores para contas de
redes sociais para mediar o alcance dessa influência ou tornar um determinado
sujeito ou instituição aceito e popular: os "influencer".
Voltei a pensar nessa
questão; já escrevi isto aqui. Não me ocupo, é evidente, em “mudar o mundo”, o
que seria uma “contradição”, tendo em vista o estilo adotado para esta página,
este blog. Sempre, como “pano de fundo” está a necessidade de uma
guinada, no ponto de vista pessoal, na compreensão de que a vida deve ser
operada, numa outra chave de interpretação. Foi na esteira dessa reflexão que
iniciei, há alguns anos, a leitura dos estoicos e, no que tenho estudado e
escrito por aqui: os ensinamentos são aplicáveis “de mim para mim”.
Compartilho-os, se houver alguém mais a ler comigo, sempre há um ou outro! Mas,
o objetivo fundamental é o da própria “cura das paixões”.
Dessas leituras todas,
tenho extraído, entre outras a seguinte recomendação: primeiro, um exercício
de distanciamento, para longe de propostas “mercadológicas” de sucesso rápido,
é o passo inicial. Segundo, a dedicação e atenção (prosoché - προσοχῆς) ao
tempo e disposição para uma reviravolta e “olharmos para dentro”,
para um autoconhecimento.
É aqui, juntando às
reflexões de uma “filosofia de vida” adotada ainda na adolescência, que passei
a estudar a obra dos estoicos, apresentada a mim, como
mera autoajuda, equívoco que com o tempo vou corrigindo. Ora, se for
“mera “autoajuda”, temos uma autoajuda de uma
qualidade imprescindível, exatamente por apresentar uma proposta de “olhar
para dentro, de autoconhecimento” e que necessariamente, não pagamos para
alcançá-la.
Assim, diz Musônio Rufo a alguém que se sentia cansado e derrotado:
“Por
que estás parado? Pelo que esperas? Que o próprio Deus, estando ao teu lado,
dirija-te a palavra? Corta a parte morta da tua alma, e conhecerás
Deus”.
A consequência deste
"despertar", lido em Epicteto, é aquele primeiro
passo dito acima.
Portanto:
Ser
estoico, afinal, o que é? Do mesmo modo que chamamos “fidíaca” a estátua
modelada segundo a arte de Fídias, mostrai-me igualmente um ser humano enfermo
e feliz, em perigo e feliz, desprestigiado e feliz. Mostrai-me. Pelos deuses!
Desejo ver um estoico. (EPICTETO. D. 2.19.23-27).
Talvez, não seja um estoico, sabido que já tenho uma “filosofia de vida” bem definida a
orientar-me, como também disse acima, mas revisitar as obras clássicas, é
o desafio posto e mantido. Não dá para aceitar nem cogitar
minimamente, as estapafúrdias propostas hodiernas.
Ademais, escolho encerrar
com dois pequenos
textos; um de Sêneca e outro de Aristóteles:
“Queres
saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão! Ainda não
estás em estado de frequentá-la em segurança. Eu confesso-te sem rodeios a
minha própria fraqueza: nunca regresso com o mesmo caráter com que saí de casa;
algo que já pusera em ordem é alterado, algo do que já conseguira eliminar,
regressa!” (SÉNECA. 2014).
"A
multidão mais grosseira considera que o bem e a felicidade é o prazer, e
consequentemente adoram uma vida de gratificação […] Assim, parecem
completamente escravizados, dado escolherem uma vida que pertence aos
ruminantes. Mas têm realmente um argumento em sua defensa, dado que muitos dos poderosos
[…] têm a mesma convicção. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1095 b; 16-23)"
São
"exercícios" pessoais de reflexão. Abaixo, algumas indicações de
leituras por onde tenho caminhado.
(Grifos e Destaques são
meus)
Link: (09.01.2022) - https://platosacademy.org/living-a-good-life/
______.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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[1]
Texto
traduzido por Donato Ferrara. John Sellars é
pesquisador no Departamento de Filosofia do King’s College de Londres e
autor de obras como The art of living (2003)
e Stoicism (2006), além
de diversos artigos sobre filosofia antiga e renascentista. Mantém o blog “Miscellanea
Stoica“, voltado para um público não
exclusivamente acadêmico, e um site oficial. P
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