quarta-feira, 27 de março de 2019

REFLEXÃO MATINAL XXXI: EXERCÍCIOS DA ATENÇÃO

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Os chamados “exercícios” estão ligados ao que encontramos, em certa medida, com cuidado, na obra dos estoicos e de Epicteto: “exercício da consciência de si", como um “exercício da atenção” a si mesmo. Em “Diatribes. Livro IV. XII), o capítulo inteiro é sobre a atenção (prosoché- περί προσοχῆς).

O que um sábio, no sentido estoico busca fundamentalmente é: treinar sua habilidade até que se torne capaz de transformar, no dia a dia, cada acontecimento em alguma forma de Bem, obtendo proveito na própria formação.

Por princípio, em qualquer situação alcançar um nível de “prosoché” que o torne capaz de aprender a controlar os próprios desejos, evitando o que lhe causa desconforto.

Nesse sentido, sua ação estará sempre ligada a uma concepção de justiça e de Bem que o torna capaz de julgar os acontecimentos segundo uma noção de Verdade.

Tal sábio, com muito treino compreende que as coisas na vida acontecem como devem acontecer, e, sem revoltas, estará atento sempre a combater os próprios erros, exercitando sempre maneiras de evita-los. Ao agir, sempre o fará segundo a perspectiva de uma ordem na natureza universal.

Enfim, estará com exercício, treinos e muita atenção, aprendendo a orientar suas escolhas seguindo a natureza e os princípios, conforme podemos ler no Encheirídion 52.1,2.

Exercícios de atenção, para os estoicos, são as melhores ferramentas na tarefa transformação do ser e, necessário se se pretende viver seguindo algum dos ensinamentos de Epicteto.

“[52.1] Ὁ πρῶτος καὶ ἀναγκαιότατος τόπος ἐστὶν ἐν φιλοσοφίᾳ ὁ τῆς χρήσεως τῶν δογμάτων, οἷον τὸ μὴ ψεύδεσθαι· ὁ δεύτερος ὁ τῶν ἀποδείξεων, οἷον πόθεν ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι· τρίτος ὁ αὐτῶν τούτων βεβαιωτικὸς καὶ διαρθρωτικός, οἷον πόθεν ὅτι τοῦτο ἀπόδειξις; τί γάρ ἐστιν ἀπόδειξις, τί ἀκολουθία, τί μάχη, τί ἀληθές, τί ψεῦδος; [52.2] οὐκοῦν ὁ μὲν τρίτος τόπος ἀναγκαῖος διὰ τὸν δεύτερον, ὁ δὲ δεύτερος διὰ τὸν πρῶτον· ὁ δὲ ἀναγκαιότατος καὶ ὅπου ἀναπαύεσθαι δεῖ, ὁ πρῶτος. ἡμεῖς δὲ ἔμπαλιν ποιοῦμεν· ἐν γὰρ τῷ τρίτῳ τόπῳ διατρίβομεν καὶ περὶ ἐκεῖνόν ἐστιν ἡμῖν ἡ πᾶσα σπουδή· τοῦ δὲ πρώτου παντελῶς ἀμελοῦμεν. τοιγαροῦν ψευδόμεθα μέν, πῶς δὲ ἀποδείκνυται ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι, πρόχειρον ἔχομεν.”

“[52.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [52.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades.”[1]

Ora, pois, a atenção é o elemento para evitar que a razão se desvie no caminho das representações brutas. Ela servirá, se o indivíduo mantiver isso em mente, para ajudar a razão a reordena-las e redicioná-las na direção da autotransformação. E, principalmente nessa difícil caminhada, na consecução da aplicação dos princípios (Theoremata).

______.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford:
Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016

______. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

Para saber mais:
https://www.youtube.com/watch?v=QrT3vYlU7Rg



[1] Sempre utilizo as traduções de Epicteto, as que são feitas pelo prof. Aldo Dinucci.

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