sábado, 25 de maio de 2019

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XI: DISCIPLINA DO ASSENTIMENTO


Earth Laughs in Flowers
(Imagem: Pinterest)


Torna-te semelhante ao promontório contra o qual as ondas vêm quebrar-se: ergue-se impávido e, à sua volta, apazigua-se o furor das águas. (Marco Aurélio, IV : 49)

Quanto à necessidade disciplina do assentimento, orienta Epicteto:

“[1.1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos1; outras não. São encargos nossos o juízo2, o impulso3, o desejo4, a repulsa5 – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa. [1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres6, desobstruídas7, sem entraves8. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem.

[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ'  ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ  τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα, παραπόδιστα,  τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ, δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια.”

O homem diligente deve lutar para evitar as oscilações das paixões.

“Que desgraça! Aconteceu-me tal coisa!”. É preferível dizeres: “Que felicidade! Aconteceu-me tal coisa e estou contente; o presente não me fere nem o futuro me assusta”. Com efeito, semelhante coisa poderia suceder a toda a gente, mas bem poucos a suportariam sem aflição. Por que motivo será tal acontecimento considerado desgraça e tal outro fortuna? Chamarás desgraça ao que não tolhe a um homem a sua própria natureza? E o que não estorva a sua natureza poderá ser contrário à vontade dessa natureza? No entanto, conheces bem essa vontade: o tal acidente que sofreste impede-te porventura de seres justo, magnânimo, sensato, circunspecto, verídico, modesto, capaz, enfim, de possuíres essas virtudes cuja reunião constitui o característico da natureza do homem? De resto, sempre que um acontecimento provoque a tua tristeza, recorre a esta verdade: não é uma desgraça, mas suportá-lo corajosamente é uma felicidade.” (Marco Aurélio, IV : 49)

E, Boécio e em seu “A consolação da filosofia” (Liivro IV), reflete sobre a infelicidade do homem. Defende que a injustiça que atinge o homem é ilusória e se entende  dessa forma devido à sua limitada capacidade para um olhar mais ampliado sobre a existência. A entrega aos prazeres efêmeros faz com que o homem opte pelo vício e fuja da virtude que, ao contrário do que crê, lança-o num processo destrutivo que o aprisiona a uma perspectiva limitada da existência. A única rota possível para ampliar a concepção existencial capaz de desviá-lo de equívocos é o caminho de bisca das Virtudes, única via na direção da verdadeira liberdade. As virtudes elevam o homem acima do nível rasteiro do comum da humanidade, afasta-o da animalidade. Reconhecer a própria natureza que o homem torna o homem, efetivamente humano, em “essência”.



______.
AGOSTINHO de HIPONA (354 - 430). "Confissões". Livro X...

BOÉCIO. A consolação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na Idade Média. São Paulo: Herder, 1966.

KING, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.

LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.

LONG, A. A. How to be free. Princeton, New Jersey:  Princeton University Press, 2018.

______. Epictetus: a stoic and socratic guide to life. New York: Oxford University Press. 2007.

LUTZ, C. Musonius Rufus: the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.

PRITCHARD, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .

MARCO AURÉLIO. Meditações, IV : 3, 12, 13 e 17. (tradução de Virgínia de Castro e Almeida)

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...