quarta-feira, 17 de abril de 2019

REFLEXÃO MATINAL XXXIII: SE QUERES PROGREDIR

renamonkalou: “The Crossing | Rob Blair ”
(Imagem: Pinterest)


“...se queres progredir, conforma-te em parecer insensato e tolo quanto às coisas exteriores. Não pretendas saber coisa alguma.” (EPICTETO. Encheiridion. XIII).

Seguindo a leitura da obra dos estóicos, firmou-se há algum tempo por aqui como busca: a serenidade. Esforço e prática constantes na intenção de cada vez mais internalizar a convicção que a nossa real felicidade depende de uma escolha nossa, jamais de coisas externas. Nos acontecimentos externos, algo há que não está sob nosso controle, foge a esse. Portanto, nas adversidades, por termos nos afastado da lei natural adotamos julgamentos bastante equivocados sobre os eventos à nossa volta. Treino e esforço na retomada da direção, de retorno à Lei, nos darão bases mais sólidas para reformulação do nosso comportamento e, como consequência, qualificaremos nossos hábitos (ethos).

No entanto,

“Nem toda dificuldade e perigo é adequada para o treino, mas apenas aquela que é conducente ao sucesso em atingir o objeto de nosso esforço. E qual é o objeto de nosso esforço? Agir sem impedimento na escolha e na aversão. E o que isso significa? Nem falhar em conseguir o que desejamos, nem cair naquilo que queremos evitar” (EPICTETO. Diatribes. III.XII.3-4).

O que, tanto Epicteto quanto os estóicos, em geral, propõem, é que sejamos gratos por qualquer pequena coisa que tenhamos e lembrarmos que há situações em que poderíamos estar piores do que a que estamos hoje. Sempre estejamos ocupados em transformar cada dia que tenhamos, numa oportunidade de trabalho pessoal na busca por virtudes. O único dano real que, poderá nos acontecer é de que teremos de enfrentar as consequências das escolhas que fizermos, para o Bem ou para o mal, ou seja, quando a nossa opção for por algo distante das nossas possibilidades, que nos afaste da Lei e, acima de tudo, perdemos tempo com coisas que fujam ao nosso controle. A estratégia, portanto, segue sendo a de procurar compreensão sobre o que realmente são as coisas externas, fora da nossa alçada e focarmos na construção nosso caráter, modificando nossos velhos hábitos.

Este, como propuseram os estóicos, e tenho refletido aqui e anotado para escritos e práticas em andamento, é o único caminho verdadeiro; todo o resto são apenas apetrechos e decorações; grandes ilusões que não podem, definitivamente, enganar o mais importante juiz: nós mesmos. E, cada dia, entendido como oportunidade de progresso cobra de nós pequenas atitudes.

Se realmente quisermos progredir...

 “Ao amanhecer, diga a si mesmo: hoje me depararei com um indiscreto, um ingrato, um insolente, um desleal, um invejoso, um antissocial. Tudo isso lhes sucede por sua ignorância do bem e do mal. Mas eu, que vi a natureza do bem, que é o certo, e a do mal, que é o errado, e a da pessoa que comete a falta, que é afim à minha, partícipe não do mesmo sangue ou semente, mas da mesma mente e da mesma partícula divina, não posso sofrer danos de nenhum deles porque nenhum me infectará com seu erro. Nem posso indispor-me com um semelhante ou odiá-lo, porque nascemos para uma tarefa comum, como os pés, como as mãos, como as pálpebras, como os maxilares superior e inferior. De modo que agir uns contra os outros vai contra a natureza: e oposição são a ira e a rejeição.  (MARCO AURÉLIO. Meditações, II, 1)”


É, portanto, tarefa pessoal e intransferível.

______.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1)

PRITCHARD, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016;
Fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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