quarta-feira, 31 de julho de 2019

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XIII: AUTOCONTROLE E SERENIDADE


A walk in autumn beside Lake Bled (Slovenia) | by Jakob Noc
(IMAGEM: Pinterest)



"Le domaine de la philosophie est de l'ordre de biens interieurs" 
(Épictète. D. I, XV : 1)

"Relativamente à dor: intolerável, mata; duradoura, suporta-se. O pensamento, se retoma firmeza, conserva a serenidade, e o raciocínio não sofre alteração. Quanto aos órgãos afetados pela dor, que se queixem, se puderem."

O enunciado me sugere lembranças conceituais:

O hêgemonikon;  por exemplo, que gosto de interpretar como “local of control” da alma (psuchê); o centro da consciência, a sede de todos os estados mentais, encontrado nas obras dos estóicos, em Epicteto por exemplo, e se manifestaria nos quatro “poderes mentais”:

  • capacidade de receber impressões,
  • de assentimento com elas,
  • de formar intenções e agir em resposta a elas,
  • e por fim, de agir respondendo racionalmente.

Portanto, acima de tudo:

"A filosofia não visa a assegurar qualquer coisa externa ao homem. Isso seria admitir algo que está além de seu próprio objeto. Pois assim como o material do carpinteiro é a madeira, e o do estatuário é o bronze, a matéria-prima da arte de viver é a própria vida de cada pessoa." (Epiteto. D. I, XV : 2)

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

ÉPICTÈTE. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro VII: 33)

II SEMINÁRIO DE FILOSOFIA CLÁSSICA ALEMÃ



Programação completa

14/08/2019
Noite: Museu Rondon 

19:00 - 19:30 Abertura 
Conferências - Mediação Prof. Dr. Adriano Kurle (UFMT)
19:30 - 20:30 Dr. Eduardo Luft (PUCRS): Idealismo Evolutivo
20:30 - 21:30 Dr. Wendell Lopes (UFMT): Kant e a questão antropológica

15/08/2019

Manhã: Auditório do ICHS
09:00 - 12:00: Comunicações -  Mediação: Andressa Damasceno (UFMT) e Antonio Amaral (UFMT)

09:00 - 09:30 - Julia Stephanie Abrão Seidl do Nascimento (UFMT) - A Autonomia da Vontade na Fundamentação da Metafísica dos Costumes 
09:30 - 10:00 - Dr. João Barros (UNILA - PR) - Sobre a paz - Kant e os decoloniais
10:00 - 10:30 - Ms. Eric Ewans Mendes (UFMT) - A Definição Kantiana de Tempo é um Conceito Vulgar? Uma breve análise da interpretação heideggeriana de Kant 
10:30 - 11:00 - Dr. Danilo Persch (UNEMAT - MT) - Esclarecimento e antissemitismo: reflexões sobre o significado do judaísmo para Berthold Auerbach
11:00 - 11:30 - Ana Luiza Moro de Castro (UFMT) - Direitos Humanos e Sociais em Kant
11:30 - 12:00 - Pablo Giorgio Costa de Sousa Lima (UFJF) - A dedução metafísica das categorias tendo a dedução transcendental como ponto de partida
Tarde: Museu Rondon, Mesa Lógica e Metafísica - Mediação Ana Luiza Moro (UFMT), Dr. Mario Spezzapria (UFMT) e Dr. Adriano Kurle (UFMT)

14:00 - 14:45 Ms. Arif Yildiz (Université Bordeaux-Montaigne, França): Coincidentia oppositorum: Hegel’s reading of Logos-doctrine of Heraclitus (videoconferência) - Haverá tradução do texto em português
14:45 - 15:30 Dr. Leonardo Mattana (UAM, Espanha): El tiempo de la Lógica. La teleología en la Ciencia de la Lógica. (videoconferência) - Haverá tradução do texto em português
15:30 - 16:30: Coffee Break e Lançamento de livros: tradução de “"Lições sobre a Doutrina Filosófica da Religião" de Immanuel Kant (tradução de Prof. Dr. Bruno Cunha, UFSJ) e tradução de “A educação do Gênero Humano”, de G. E. Lessing (tradução de Prof. Dr. Humberto Schubert Coelho, UFJF). Mesa de apresentação e discussão com Dr. Mario Spezzapria, Dr. Bruno Cunha e Dr. Humberto Schubert Coelho 
16:30 - 17:15 Dr. Luis Henrique Dreher (UFJF): A subjetividade e os limites do saber: nuances no idealismo pós-kantiano
17:15 - 18:00 Dr. Luciano Utteich (UNIOESTE-PR): Refutação da antropomorfização em Sobre o fundamento de nossa fé em um governo do mundo, de Fichte 
Noite: Auditório do ICHS Mesa Antropologia, ética e filosofia transcendental - Mediação Dr. Mario Spezzapria (UFMT)

19:00 - 19:45 Dr. Bruno Cunha (UFSJ): Kant e Crusius: sobre a constituição da doutrina do imperativo categórico 
19:45 - 20:30 Dr. Leonardo Rennó (UNICAMP): A questão Rousseau e Kant reconsiderada a propósito da origem e formulação inicial da antropologia kantiana
20:30 - 21:15  Dr. Oliver Tolle (USP): Imaginação na psicologia empírica alemã
16/08/2018

Manhã: Auditório do ICHS
09:00 - 12:00 Comunicações - Mediação Ana Luiza Moro (UFMT) e Mariana Neves (UFMT)

09:00 - 09:30 -Pedro Henrique Almeida Cortat de Paula (UFJF) - Formação da arquitetônica dos conceitos na Dialética de 1811
09:30 - 10:00 - Ms. Luiz Filipe da Silva Oliveira (UFRGS) - A construção ienense do monismo hegeliano
10:00 - 10:30 - Dr. Paulo Sérgio de Jesus Costa (UFSM) - A Ciência da Lógica de Hegel: sobre uma hipótese categorial
10:30 - 11:00 - Ms. Bruno Gonçalves da Paixão (UNIOESTE - PR) - A categoria “trabalho” em Hegel e Lukács: notas introdutórias
11:00 - 11:30 - Pedro Damasceno Uchôas (UFJF) - O problema da inadequação entre forma e conteúdo nos sistemas de Fichte e de Schopenhauer
11:30 - 12:00 - Dr. Ney Arruda (UFMT) - A estética em Hegel sobre a arte dos sons: interpretação e performance artística


Tarde: Museu Rondon - Mesa Educação e Filosofia Alemã - Mediação Julia Nascimento (UFMT) e Antonio Amaral (UFMT)

14:00 - 14:45 Dr. Humberto Schubert Coelho (UFJF) - Lessing e a educação do gênero humano
14:45 - 15:30 Dr. Roberto Freire (UFMT): A formação cosmopolita de Kant
15:30 - 16:00 Coffee Break 
16:00 - 16:45 Ms. Rodrigo de Jesus (UFMT): O Ensino da filosofia em Hegel: características e influências  

Noite: Auditório do ICHS Mediação Dr. Adriano Kurle (UFMT)

19:00 - 20:00 Dra. Michela Bordignon (UFABC): A noção de processo. Hegel e a metafísica contemporânea
20:00 - 21:00 Dr. Fernando Huesca Ramón (BUAP, México): Herbert Marcuse lector de Hegel: dialéctica y revolución - Haverá tradução do texto em português
21:00-21:15 - Fechamento 

Link: https://seminariodefilosof9.wixsite.com/filosofiaalema


terça-feira, 30 de julho de 2019

SOBRE O TEMA: MEMÓRIA


“O programa Globo Repórter, da TV Globo, discutirá na edição desta sexta-feira, dia 02 de agosto, o tema “Memória”. Em destaque, os avanços científicos sobre a compreensão da memória e como a alimentação contribui para seu fortalecimento. Além disso, a edição aborda avanços em técnicas e treinamentos sendo realizados aqui no Brasil e que já ajudam pessoas com problemas de esquecimento.”

Coloquei esse tema entre as minhas leituras, há muito tempo, e aqui publico esse evento sobre o tema a ser apresentado num programa de TV.
Tendo acompanhado bem de perto o que se publica na área, incluí mais esse, com os links a respeito de recentes pesquisas sobre "memória".
Minhas primeiras incursões no tema foram motivadas por pesquisas do neurocientista Iván Izquierdo.
Apesar do foco, vejamos...

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Link (entrevista na TV)

Link (artigo):

quinta-feira, 25 de julho de 2019

REFLEXÃO MATINAL XLV: CUIDADO E EQUILÍLBRIO


Cambridge, Inglaterra. O que visitar? King’s College Chapel, River Cam e Centre for Mathematical Sciences.
(IMAGEM: Pinterest)


Passeia sozinho, conversa contigo mesmo”
(EPICTETUS, Diatribes, III, 14, 1)


Estar atento e preparado para situações difíceis, talvez, uma das nossas maiores dificuldades. 

E, embora prosseguindo com as pesquisas, há sempre um momento de pausa para ler ou fazer outras coisas. Num desses intervalos, costumeiros aliás, me deparei com esse trecho das Diatribes de Epicteto, em que ele trata do tema da harmonia entre cuidado e equilíbrio. 
Tendo partido de suas anteriores considerações sobre a definição do que seja material (D. 2:5.1), o texto tem por finalidade expor a sua compreensão sobre significado das coisas, em geral, e que não estão sob nosso encargo, portanto, não são possíveis de se escolher; bem em conformidade com o que ele diz no Encheirídion (I : 1-3).

Pois, vejamos:

“É difícil conciliar e combinar estas coisas: o cuidado de quem se devota aos materiais e o equilíbrio de quem é indiferente a eles, mas não é impossível. (Epicteto, D. II. 5. 9-10).

Embora a dificuldade apareça com relativa freqüência, podemos escolher o que fazer quando ela se apresenta a nós. Na busca por harmonia, cabe antes a distinção entre o que são e o que não são "encargos nossos" (Encheirídion. I : 1-3), nisso residirá o segredo da tranquilidade e da felicidade.

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ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/


quarta-feira, 24 de julho de 2019

FONTES KANTIANAS: LIÇÕES SOBRE FILOSOFIA E RELIGIÃO

Nenhuma descrição de foto disponível.


Um "manuscrito estudantil": "As lições sobre a doutrina filosófica da religião" (Vorlesungen über die philosophische Religionslehre), ministradas muito provavelmente no segundo semestre de inverno de 1783/1784, foi publicado pela primeira vez em 1817 por Karl Heinrich Ludwig Pölitz".  
Ainda segundo o professor Heiner Klemme, a base desses escritos são os escritos metafísicos e teológicos que Kant leu à sua época: Baumgarten, Eberhard, Meiners. 
E, no manuscrito temos um desenvolvimento dessas reflexões kantianas à medida que tinha contato com as diversas obras publicadas por seus contemporâneos.
Uma obra que, com certeza, já é "uma importante fonte para a nossa compreensão da filosofia crítica de Kant" (KLEMME, Heiner. Martin Luther Universität - Halle - Wittenberg)

“A razão humana necessita de uma ideia de perfeição suprema, que lhe sirva como critério de acordo com o qual possa fazer determinações. Na filantropia, por exemplo, pensa-se a ideia da amizade suprema com o propósito de determinar em qual extensão este ou aquele grau de amizade se aproxima da ideia suprema ou se afasta dela. Podemos ser prestativos a alguém por amizade, levando em consideração, no entanto, nosso próprio bem-estar. Mas, sem levar em conta a nossa própria vantagem, podemos igualmente sacrificar tudo pelo amigo. No último caso nos aproximamos da ideia de amizade mais perfeita. Um conceito desse tipo, que é necessário como medida do menor ou do maior grau nesse e naquele caso, subtraído de sua realidade, é uma ideia. Ora, não seria uma tal ideia uma mera ficção, como, por exemplo, a República de Platão? De modo algum. Ao contrário, estabeleço este ou aquele caso de acordo com a ideia. Dessa forma, um soberano pode, por exemplo, organizar seu Estado de acordo com a ideia da república mais perfeita com o propósito de, dessa forma, aproximá-lo da perfeição. Para uma ideia, três aspectos são necessários.”


(grifos meus)
______.
KANT, Immanuel. "As lições sobre a doutrina filosófica da religião". Rio de Janeiro, RJ: Vozes, 2019.


domingo, 21 de julho de 2019

REFLEXÃO MATINAL XLIV: FUGINDO DE CONTUMÉLIAS


Resultado de imagem para perdão

Para longe da turba!
"A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar." (Comte-Sponville)

"Nada farei por causa da opinião alheia, mas tudo por força da consciência." (SÊNECA, Lucio Aneu. "Da vida feliz". XX, 4)

Das obras de grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e seus seguidores e críticos ao longo da história da filosofia, algumas passaram a fazer parte do cotidiano, num aspecto bem existencial. Principalmente no sentido de fuga dos absurdos que dizem e divulgam em nome da Filosofia.

A essas leituras dos gigantes da área, de maneira o mais prudente possível - característica exigida a um  prokopton (προκόπτονavancei para outros textos, sem nunca, no que mais me interessa nessas buscas, desnecessariamente ultrapassar o séc. XIX.

Tais outros textos a que me refiro são, alguns deles: “O Encheirídion” de Epicteto, as “Meditações” do imperador Marco Aurélio e as “Cartas a Lucílio”, de Sêneca, autores que tenho estudado a partir da maneira de se conceber a filosofia como “exercício”, como fim a ser buscado para mudança interior de quem se aplique em aprofundar-se nas reflexões filosóficas nessa chave de interpretação.

A essas obras citadas, acrescentei ainda: “The inner citadel”, de Pierre Hadot, “Meditação andando”, de Thich Nhat Hanh, “Pequeno tratado das grandes virtudes”, de André Comte-Sponville; essas últimas, entre as honrosas exceções da literatura hodierna; todas já mencionadas aqui, neste blog em que me exercito na escrita, após ter me convencido de que é necessário ser o mínimo se queremos ser mais. E, a chave é o “progresso moral”, a aquisição das grandes Virtudes. 

Assim, sempre desviando o foco; por manutenção da Serenidade [εὐροίας], e da Paz [Ἀταραξία] (EPICTETO. D. II.XVIII.28-29)”, 
postei há algum tempo atrás este que hoje estou relendo entre outros, um "fragmento" traduzido pelo professor Aldo Dinucci a quem escrevi à época e agradeci.

"E, caso escolheres ater-te sobretudo ao que é útil, não sintas aborrecimento diante das dificuldades, ponderando quantas coisas na vida já te ocorreram não como desejavas, mas como era útil." (Fragmento 27 - "ESTOBEU" 3.7.22 - Capítulo 7: "Sobre a Coragem").

Portanto, foi assim, após a meditação da manhã, estudando e escrevendo um capítulo de livro e revisando dois outros textos para submissão; aproveitando uma pausa com a pesquisa principal, anotei o trecho que segue abaixo, em que se nota um convite a estarmos atentos ao que realmente está ao nosso alcance e o que não é de nossa alçada, separando pacientemente uma coisa da outra e prossigamos. O convite é sempre reiterado, nessa linha de interpretação em que estamos desenvolvendo esse texto.  Podemos observar que a prática visada concernente à filosofia moral, numa perspectiva estoica, por exemplo, tem sempre como motivação a busca individual pela Virtude. 

"Para que suportemos mais facilmente e com mais zelo as penas que devemos enfrentar em vista da virtude e da perfeita honestidade, eis os raciocínios úteis que foram feitos. “A quantas penas alguns se submetem por causa dos seus maus desejos, como aqueles que amam sem freio, quantas penas outros suportam tendo em vista o ganho de dinheiro, quantos males alguns sofrem para conquistar reputação! E, no entanto, é voluntariamente que todas estas gentes suportam toda espécie de fadiga. Não é, pois, monstruoso que eles suportem tantos males por nada daquilo que é bom, e que nós não suportemos com solicitude e prontidão toda a fadiga pela perfeita honestidade, para evitar o vício que prejudica nossa vida, para adquirir a virtude que nos proporciona todos os bens?” (TÈLÈS et MUSONIUS, 1978). 

Nesse sentido acrescento ainda: o que seria, aqui, agora, um projeto pelo que valha ter vivido? Dou voz ao texto abaixo, de André Comte-Sponville, como resposta “de mim para mim”

"A SIMPLICIDADE:


À humildade às vezes falta simplicidade, por causa dessa duplicação de si para si que ela supõe. Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência -, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às vezes; o silêncio, mais freqüentemente; a vida, sempre. O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. É a vida insignificante, a verdadeira vida. A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade, da pretensão. Por isso é tão difícil. Não é sempre dupla a consciência, que só é consciência de alguma coisa? Não é sempre complexo o real, que só é real pelo entrelaçamento em si das causas e das funções? Não é sempre pretensioso todo homem, assim que se esforça para pensar? Que outra simplicidade além da tolice? Da inconsciência? Do nada?” (COMTE-SPONVILLE, pp. 163-164)

(grifos meus)

Foram essas as meditações (projetos) da manhã, portanto!



______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 

EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

KING, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.

LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.

LONG, A. A. How to be free. Princeton, New Jersey:  Princeton University Press, 2018.

______. Epictetus: a stoic and socratic guide to life. New York: Oxford University Press. 2007.

LUTZ, C. Musonius Rufus: the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.

PRITCHARD, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

TÈLÈS et MUSONIUS. Prédications. Trad. A. J. Festugière, Paris, Vrin, 1978.


O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...