Para longe da turba!
"A
prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário
evitar." (Comte-Sponville)
"Nada farei por causa da opinião alheia, mas tudo
por força da consciência." (SÊNECA, Lucio Aneu. "Da vida feliz".
XX, 4)
Das obras de grandes filósofos
gregos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e seus seguidores e críticos ao longo
da história da filosofia, algumas passaram a fazer parte do cotidiano, num
aspecto bem existencial. Principalmente no sentido de fuga dos absurdos que
dizem e divulgam em nome da Filosofia.
A essas leituras dos gigantes da
área, de maneira o mais prudente possível - característica exigida a um prokopton (προκόπτον) avancei para outros textos,
sem nunca, no que mais me interessa nessas buscas, desnecessariamente
ultrapassar o séc. XIX.
Tais outros textos a que me refiro
são, alguns deles: “O Encheirídion” de Epicteto, as “Meditações” do
imperador Marco Aurélio e as “Cartas a Lucílio”, de Sêneca, autores que tenho
estudado a partir da maneira de se conceber a filosofia como
“exercício”, como fim a ser buscado para mudança interior de quem se aplique
em aprofundar-se nas reflexões filosóficas nessa chave de interpretação.
A essas obras citadas, acrescentei
ainda: “The inner citadel”, de Pierre Hadot, “Meditação andando”, de Thich Nhat
Hanh, “Pequeno tratado das grandes virtudes”, de André Comte-Sponville; essas últimas, entre as honrosas exceções da literatura hodierna; todas
já mencionadas aqui, neste blog em que me exercito na escrita, após ter me
convencido de que é necessário ser o mínimo se queremos ser mais. E, a chave é
o “progresso moral”, a aquisição das grandes Virtudes.
Assim, sempre desviando o foco; por
manutenção da Serenidade [εὐροίας], e da Paz [Ἀταραξία] (EPICTETO. D. II.XVIII.28-29)”,
postei há algum tempo atrás este
que hoje estou relendo entre outros, um "fragmento" traduzido
pelo professor Aldo Dinucci a quem escrevi à época e agradeci.
"E, caso escolheres ater-te sobretudo
ao que é útil, não sintas aborrecimento diante das dificuldades, ponderando
quantas coisas na vida já te ocorreram não como desejavas, mas como era
útil." (Fragmento 27 - "ESTOBEU" 3.7.22 - Capítulo 7: "Sobre
a Coragem").
Portanto, foi assim, após
a meditação da manhã, estudando e escrevendo um capítulo de livro e
revisando dois outros textos para submissão; aproveitando uma pausa com a
pesquisa principal, anotei o trecho que segue abaixo, em que se nota um convite
a estarmos atentos ao que realmente está ao nosso alcance e o que não é de
nossa alçada, separando pacientemente uma coisa da outra e prossigamos. O convite
é sempre reiterado, nessa linha de interpretação em que estamos desenvolvendo
esse texto. Podemos observar que a prática visada concernente
à filosofia moral, numa perspectiva estoica, por exemplo, tem sempre como motivação a busca
individual pela Virtude.
"Para
que suportemos mais facilmente e com mais zelo as penas que devemos enfrentar
em vista da virtude e da perfeita honestidade, eis os raciocínios úteis que
foram feitos. “A quantas penas alguns se submetem por causa dos seus maus
desejos, como aqueles que amam sem freio, quantas penas outros suportam tendo
em vista o ganho de dinheiro, quantos males alguns sofrem para conquistar
reputação! E, no entanto, é voluntariamente que todas estas gentes suportam
toda espécie de fadiga. Não é, pois, monstruoso que eles suportem tantos males
por nada daquilo que é bom, e que nós não suportemos com solicitude e prontidão
toda a fadiga pela perfeita honestidade, para evitar o vício que prejudica
nossa vida, para adquirir a virtude que nos proporciona todos os bens?” (TÈLÈS
et MUSONIUS, 1978).
Nesse sentido acrescento ainda: o
que seria, aqui, agora, um projeto pelo que valha ter vivido? Dou voz ao texto
abaixo, de André Comte-Sponville, como resposta “de mim para mim”
"A SIMPLICIDADE:
À humildade às vezes falta
simplicidade, por causa dessa duplicação de si para si que ela supõe. Julgar-se
é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si
mesmo. Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se
recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem
se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes –
pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência -,
faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para
comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas
florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O
real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um
indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às
vezes; o silêncio, mais freqüentemente; a vida, sempre. O simples vive como
respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A
simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência,
enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais
transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e
sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. É a vida insignificante, a
verdadeira vida. A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade,
da pretensão. Por isso é tão difícil. Não é sempre dupla a consciência, que só
é consciência de alguma coisa? Não é sempre complexo o real, que só é real pelo
entrelaçamento em si das causas e das funções? Não é sempre pretensioso todo
homem, assim que se esforça para pensar? Que outra simplicidade além da tolice?
Da inconsciência? Do nada?” (COMTE-SPONVILLE, pp. 163-164)
(grifos meus)
Foram essas as meditações (projetos) da manhã,
portanto!
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição
Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos
e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de
Sergipe, 2012).
COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes
virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph
Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad.
Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo
Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
______. The Discourses of Epictetus as
reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather.
Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
GAZOLLA, Rachel. O ofício do filósofo
estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius.
London: Harvard University Press, 2001.
HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia
para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
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Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
TÈLÈS et MUSONIUS. Prédications. Trad. A. J.
Festugière, Paris, Vrin, 1978.