domingo, 21 de julho de 2019

REFLEXÃO MATINAL XLIV: FUGINDO DE CONTUMÉLIAS


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Para longe da turba!
"A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar." (Comte-Sponville)

"Nada farei por causa da opinião alheia, mas tudo por força da consciência." (SÊNECA, Lucio Aneu. "Da vida feliz". XX, 4)

Das obras de grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e seus seguidores e críticos ao longo da história da filosofia, algumas passaram a fazer parte do cotidiano, num aspecto bem existencial. Principalmente no sentido de fuga dos absurdos que dizem e divulgam em nome da Filosofia.

A essas leituras dos gigantes da área, de maneira o mais prudente possível - característica exigida a um  prokopton (προκόπτονavancei para outros textos, sem nunca, no que mais me interessa nessas buscas, desnecessariamente ultrapassar o séc. XIX.

Tais outros textos a que me refiro são, alguns deles: “O Encheirídion” de Epicteto, as “Meditações” do imperador Marco Aurélio e as “Cartas a Lucílio”, de Sêneca, autores que tenho estudado a partir da maneira de se conceber a filosofia como “exercício”, como fim a ser buscado para mudança interior de quem se aplique em aprofundar-se nas reflexões filosóficas nessa chave de interpretação.

A essas obras citadas, acrescentei ainda: “The inner citadel”, de Pierre Hadot, “Meditação andando”, de Thich Nhat Hanh, “Pequeno tratado das grandes virtudes”, de André Comte-Sponville; essas últimas, entre as honrosas exceções da literatura hodierna; todas já mencionadas aqui, neste blog em que me exercito na escrita, após ter me convencido de que é necessário ser o mínimo se queremos ser mais. E, a chave é o “progresso moral”, a aquisição das grandes Virtudes. 

Assim, sempre desviando o foco; por manutenção da Serenidade [εὐροίας], e da Paz [Ἀταραξία] (EPICTETO. D. II.XVIII.28-29)”, 
postei há algum tempo atrás este que hoje estou relendo entre outros, um "fragmento" traduzido pelo professor Aldo Dinucci a quem escrevi à época e agradeci.

"E, caso escolheres ater-te sobretudo ao que é útil, não sintas aborrecimento diante das dificuldades, ponderando quantas coisas na vida já te ocorreram não como desejavas, mas como era útil." (Fragmento 27 - "ESTOBEU" 3.7.22 - Capítulo 7: "Sobre a Coragem").

Portanto, foi assim, após a meditação da manhã, estudando e escrevendo um capítulo de livro e revisando dois outros textos para submissão; aproveitando uma pausa com a pesquisa principal, anotei o trecho que segue abaixo, em que se nota um convite a estarmos atentos ao que realmente está ao nosso alcance e o que não é de nossa alçada, separando pacientemente uma coisa da outra e prossigamos. O convite é sempre reiterado, nessa linha de interpretação em que estamos desenvolvendo esse texto.  Podemos observar que a prática visada concernente à filosofia moral, numa perspectiva estoica, por exemplo, tem sempre como motivação a busca individual pela Virtude. 

"Para que suportemos mais facilmente e com mais zelo as penas que devemos enfrentar em vista da virtude e da perfeita honestidade, eis os raciocínios úteis que foram feitos. “A quantas penas alguns se submetem por causa dos seus maus desejos, como aqueles que amam sem freio, quantas penas outros suportam tendo em vista o ganho de dinheiro, quantos males alguns sofrem para conquistar reputação! E, no entanto, é voluntariamente que todas estas gentes suportam toda espécie de fadiga. Não é, pois, monstruoso que eles suportem tantos males por nada daquilo que é bom, e que nós não suportemos com solicitude e prontidão toda a fadiga pela perfeita honestidade, para evitar o vício que prejudica nossa vida, para adquirir a virtude que nos proporciona todos os bens?” (TÈLÈS et MUSONIUS, 1978). 

Nesse sentido acrescento ainda: o que seria, aqui, agora, um projeto pelo que valha ter vivido? Dou voz ao texto abaixo, de André Comte-Sponville, como resposta “de mim para mim”

"A SIMPLICIDADE:


À humildade às vezes falta simplicidade, por causa dessa duplicação de si para si que ela supõe. Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência -, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às vezes; o silêncio, mais freqüentemente; a vida, sempre. O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. É a vida insignificante, a verdadeira vida. A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade, da pretensão. Por isso é tão difícil. Não é sempre dupla a consciência, que só é consciência de alguma coisa? Não é sempre complexo o real, que só é real pelo entrelaçamento em si das causas e das funções? Não é sempre pretensioso todo homem, assim que se esforça para pensar? Que outra simplicidade além da tolice? Da inconsciência? Do nada?” (COMTE-SPONVILLE, pp. 163-164)

(grifos meus)

Foram essas as meditações (projetos) da manhã, portanto!



______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 

EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

KING, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.

LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.

LONG, A. A. How to be free. Princeton, New Jersey:  Princeton University Press, 2018.

______. Epictetus: a stoic and socratic guide to life. New York: Oxford University Press. 2007.

LUTZ, C. Musonius Rufus: the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.

PRITCHARD, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

TÈLÈS et MUSONIUS. Prédications. Trad. A. J. Festugière, Paris, Vrin, 1978.


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