terça-feira, 20 de agosto de 2019

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XIV: AINDA A "CIDADELA INTERIOR"

Thompson Park in Upper Arlington, Ohio.  I have photographed this scene the past three years.  This is the 2013 version.































Passeia sozinho, conversa contigo mesmo”
(EPICTETUS, Diatribes, III, 14, 1)


Há momentos que, na vida, passamos em revista todo o nosso esforço em fazer a coisa certa, a escolha certa; a melhor tomada de decisão. Tudo em função do presente caótico que se nos afigura catastroficamente. Mas, nada de desânimo, portanto, se por outro lado, é o momento de recomeços, já em andamento.

As más notícias, as más surpresas nos dão força e nos colocam na direção da tão almejada “tranquilidade” (apatheia), e a mais "imperturbável paz de espírito” (ataraxia)

Antes, portanto, é mais um momento de refletirmos estoicamente... ou, no mínimo, sermos coerentes na caminhada, digna e solitária caminhada. 

Pois:

“[1.1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa. [1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem. [1.3] Lembra então que, se pensares livres as coisas escravas por natureza e tuas as de outrem, tu te farás entraves, tu te afligirás, tu te inquietarás, censurarás tanto os deuses como os homens. Mas se pensares teu unicamente o que é teu, e o que é de outrem, como o é, de outrem, ninguém jamais te constrangerá, ninguém te fará obstáculos, não censurarás ninguém, nem acusarás quem quer que seja, de modo algum agirás constrangido, ninguém te causará dano, não terás inimigos, pois não serás persuadido em relação a nada nocivo. [1.4] Então, almejando coisas de tamanha importância, lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido, mas que abandones completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais unicamente resultam a liberdade e a felicidade. [1.5] Então pratica dizer prontamente a toda representação bruta: ‘És representação e de modo algum <és> o que se afigura’. Em seguida, examina-a e testa-a com essas mesmas regras que possuis, em primeiro lugar e principalmente se é sobre coisas que são encargos nossos ou não. E caso esteja entre as coisas que não sejam encargos nossos, tem à mão que: ‘Nada é para mim’ ”. 

É nesse sentido que já diziam os estoicos que não devemos deixar que a nossa felicidade dependa de coisas externas. 

Acontecimentos externos não estão sob nosso controle. 

A maneira como reagimos à adversidade é uma escolha nossa, e depende do nosso julgamento em relação aos eventos. Exercício e esforço nesta direção dão-nos uma poderosa base para o nosso comportamento, para qualificarmos nossos hábitos (ethos).

“Pois quando uma vez você concebe um desejo por dinheiro, se a razão for aplicada para trazer a você para a concepção de um mal, tanto as paixões se acalmam quanto o princípio governante [razão] é restaurado à sua autoridade original.” (EPICTETO. Diatribes. Livro II. XVIII.8)

Só se é prejudicado, na verdade, por acontecimentos externos se se acredita que estes possam nos atingir. 

Devemos nos lembrar sempre do que é realmente um bem ou um mal para nós; sermos o próprio personagem das nossas ações.

“Muito bem, então, se o julgamento do homem determina todas as coisas [no campo da ação], e se um homem tem maus julgamentos, qualquer que seja a causa será também a consequência.” (EPICTETO. Diatribes. Livro II. XVIII.8)

O que Epicteto e os estóicos propõem, então, é que sejamos gratos por qualquer pequena coisa que tenhamos e lembrarmos que há situações em que poderíamos estar piores do que a que estamos hoje. 

Devemos nos ocupar, no entanto, em transformar nossos dias em oportunidade de trabalho pessoal na busca por virtudes. O único dano real que podemos enfrentar será consequência de escolhermos mal, optarmos por algo que não esteja sob nosso controle. 

Portanto, em definitivo, a estratégia é compreendermos as coisas pelo que elas realmente são, construirmos nosso caráter nessa direção; único caminho verdadeiro, todo o resto são apenas apetrechos e decorações; grandes ilusões que não podem, definitivamente, enganar o mais importante juiz: nós mesmos.



______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/.






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