(IMAGEM: Pinterest)
A inúmera quantidade e crescente diversificação das vãs competições revelam nossas fraquezas; dão forças e servem para inflar o ego. Definitivamente, nossos inimigos somos nós mesmos. Sem o esforço da busca, interior, é impossível a alegria do encontro consigo mesmo.
Ou, se vai ao interior, ou se investe em exterior; impossível trilhar dois caminhos ao mesmo tempo. (MARQUINHOS, 2018). E, como disse, Epicteto:
"Quem se concentra na busca das coisas exteriores mostra que as valoriza mais que os bens interiores (que são adquiridos através de reflexão e uma prática que esteja em conformidade com essa reflexão). Sendo assim, necessariamente deixará em segundo plano a busca pelos bens interiores.” (EPICTETO. trad. Aldo Dinucci)
É bastante significativo que a
natureza, para poetas e pensadores em geral, muitas vezes seja reconhecida como lugar do “divino”. Para os estóicos, por
exemplo, “viver de acordo com a natureza” deveria ser o maior objetivo a ser
alcançado pelos seres humanos através do uso e disciplina da razão.
“E o que é que a razão
exige dele? A coisa mais fácil do mundo, – viver de acordo com sua própria natureza.
Mas isso é transformado em uma tarefa difícil pela loucura geral da humanidade;
nós impulsionamos um ao outro ao vício. E como pode um homem ser lembrado para
a redenção, quando não tem ninguém para refreá-lo, e toda a humanidade para
instigá-lo?” (Sêneca. XLI, 9)
Há quem ainda insista em defender um "conflito" entre "religião e filosofia". De tal forma que "religião" freqüentemente é
mostrada como “fé cega”, até mesmo fanatismo. No entanto, o estoicismo de
Sêneca e Epicteto alinhava reflexões nos dois campos, da “religião” e da “filosofia”, a partir
do cerne da discussão daí advinda: a razão em harmonia com as leis naturais!
“Deus está perto de você,
ele está com você, ele está dentro de você. É isso que quero dizer, Lucílio: um
espírito santo mora dentro de nós, aquele que anota nossas boas e más ações e é
nosso guardião. À medida que tratamos esse espírito, também somos tratados por
ele. De fato, nenhum homem pode ser bom sem a ajuda de Deus.” (Sêneca. XLI, 1-2)
Na mesma carta, Sêneca, reforça isso no sentido de que basta que estejamos alinhados com a simplicidade da natureza, esta mesmo, nos fará perceber na natureza um certo ar de reverência "religiosa" na presença de um local em que é notado algo de "numinoso" e, comenta que
a presença em lugares como bosques, cavernas, nascente de rios, fontes, entre outros, inspiram-nos essa tal “reverência religiosa”.
“Se alguma vez você se
deparou com um bosque cheio de árvores antigas que cresceram a uma altura
incomum, fechando a visão do céu por um véu de ramos cheios e entrelaçados,
então a imponência da floresta, a reclusão do lugar, e sua admiração com a
espessa sombra ininterrupta no meio dos espaços abertos, irá provar-lhe a
presença da deidade. Ou se uma caverna, feita pelo profundo desmoronamento das
rochas, sustenta uma montanha em seu arco, um lugar não construído com as mãos,
mas esvaziado em tais espaços por causas naturais, sua alma será profundamente
comovida por uma certa intimação da existência de Deus.” (Sêneca. XLI, 3-4)
As recomendações de
Sêneca, portanto, sugerem que o homem deve estar atento à natureza, viver
segundo suas regras, simplicidade e ordem. Considerar esse tipo de vida como a
mais verdadeira, desprendida do desejo de posses e desejos infundados. Ou seja, o melhor
para seu próprio bem é seguir a natureza e não desejar bens materiais, exteriores, que
possam ser perdidos ou antes afastá-lo de uma vida simples.
Como também diria Epicteto:
“Lembra então que, se
pensares livres as coisas escravas por natureza e tuas as de outrem, tu te
farás entraves, tu te afligirás, tu te inquietarás, censurarás tanto os deuses
como os homens. Mas se pensares teu unicamente o que é teu, e o que é de
outrem, como o é, de outrem, ninguém jamais te constrangerá, ninguém te fará
obstáculos, não censurarás ninguém, nem acusarás quem quer que seja, de modo
algum agirás constrangido, ninguém te causará dano, não terás inimigos, pois
não serás persuadido em relação a nada nocivo. Então, almejando coisas de
tamanha importância, lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido,
mas que abandones completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para
depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez
não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e
absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais unicamente resultam
a liberdade e a felicidade” (Epicteto. I, 1-4)
E, assim como dito acima por Epicteto, o próprio Sêneca, numa descrição
da razão, diria que é próprio da razão exigir de nós uma vida plena, simples e
disciplinada, de acordo com a “leis naturais”, com a natureza, resultando em liberdade e felicidade.
Segundo eles, se a razão não segue
estas leis, ela se envereda por trilhas viciosas que, com a desculpa de que
viver é tarefa complexa, o homem, ao decidir-se por não segui-las torna, aí
sim, a vida difícil. Quase que criando uma “segunda natureza” viciosa e indisciplinada.
Enfim, tanto em Epicteto quanto em Sêneca, uma vida simples e sem apegos infundados ao que nos seja exterior, é fundamental.
Enfim, tanto em Epicteto quanto em Sêneca, uma vida simples e sem apegos infundados ao que nos seja exterior, é fundamental.
DINUCCI, A.; JULIEN,
A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra,
2014.
EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci;
Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas
a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
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