quarta-feira, 30 de outubro de 2019

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XXI: PENSAMENTO SERENO


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(IMAGEM: στοά Stoa de Átalo)

Nas poucas vezes em que paro para conversar e aprender a ouvir, ocorrem-me experiências como as que anoto aqui. Numa dessas recentes conversas, inspirei-me a retornar a estrada há pouco percorrida, numa fase de bastante entusiasmo sobre o tema.

Hoje, como em tudo, o exercício por moderação cresce, se intensifica e fazço esforços para que sejam rotineiros.

Um jeito mais sereno de encarar a vida, influenciado pela leitura e releitura de clássicos que antes lia sem uma atenção mais sistemática; sem desviar o foco, claro. Uma rejeição a um otimismo ou pessimismo ingênuos é necessária aqui. Por meio termo.

No entanto, o que se pretende é evitar os “novos métodos ‘vale-tudo’” de reflexão tomada como avanço. Não são! 

São mesmo proliferação de simplificações e relativismos! 

Sempre, mantidas as leituras fundamentais, os grandes textos clássicos sobre Ética, Física e Lógica, e aqui, revisitando um texto de Fernando pessoa bem interessante, uma referência à filosofia estoica.

“NO JARDIM DE EPÍCTETO

O aprazível de ver estes frutos, e a frescura que sai d'estas árvores frondosas, são — disse o Mestre, — outras tantas solicitações da natureza para que nos entreguemos às melhores delícias de um pensamento sereno. Não há melhor hora para a meditação da vida, ainda que seja inútil, do que esta em que, sem que o sol esteja no ocaso, já a tarde perde o calor do dia e parece que sobe vento do arrefecimento dos campos.

São muitas as questões em que nos ocupamos, e grande é o tempo que perdemos em descobrir que nada podemos nelas. Pô-las de parte, como quem passa sem querer ver, fora muito para homem e pouco para deus; entregarmo-nos a elas, como a um senhor, fora vender o que não temos.

Sossegai comigo à sombra das árvores verdes, em que não pesa mais pensamento que o secarem-lhes as folhas quando vem o outono, ou esticarem múltiplos dedos hirtos para o céu frio do inverno passageiro. Sossegai comigo e meditai quanto o esforço é inútil, a vontade estranha; e a própria meditação, que fazemos, nem mais útil que o esforço, nem mais nossa que a vontade. Meditai também que uma vida que não quer nada não pode pesar no decurso das coisas, mas uma vida que quer tudo também não pode pesar no decurso das coisas, porque não pode obter tudo. E o obter menos que tudo não é digno das almas que solicitam a verdade.

Mais vale, filhos, a sombra de uma árvore do que o conhecimento da verdade, porque a sombra da árvore é verdadeira enquanto dura, e o conhecimento da verdade é falso no próprio conhecimento. 

Mais vale, para um justo entendimento, o verdor das folhas que um grande pensamento, pois o verdor das folhas, podeis mostrá-lo aos outros, e nunca podereis mostrar aos outros um grande pensamento. 

Nascemos sem saber falar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o silêncio de quem está calado e o silêncio de quem não foi entendido, e em torno d'isto, como uma abelha em torno de onde não há flores, paira incógnito um inútil destino."
(s.d.)

De constância, vida se faz!
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).
DESCARTES, René.  As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS,
2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001. 
PESSOA, Fernando. Poema Inédito. - Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes -. Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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