terça-feira, 24 de março de 2020

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XXXI: "TEREFA DO 'FILÓSOFO' "

Khao Luang Caves, Tailândia.
(IMAGEM: "Pinterest")


“Torna meu pensamento capaz de se adaptar seja ao que for que venha a acontecer” 
(EPICTETO, Diatribes, II, 2, 21)

“Eis como nós representamos a tarefa do filósofo. Falta ainda procurar realizá-la. 
(EPICTETO, Diatribes, II, 14).”


O “coração” do homem, segundo o Epicteto, pode ser posto nas coisas que não dependem de nós, e é disso que resulta a visão de que o mundo é um horror, um “inferno” (segundo alguns que andam a fazer sucesso pelo mundo, de quem rejeitamos a má influência). Ora, sendo um estoico Epicteto orienta sobre a maneira de nos posicionarmos em relação ao mundo, à natureza. Se está chovendo, faz calor, faz frio mas eu desejava outra coisa, não a que está acontecendo, não devo me perturbar; fazendo disso oportunidade de exercitarmo-nos na busca pela  “imperturbável paz de espírito” (ataraxia -  Ἀταραξία).

Quanto a isso, tenho estudado e anotado aqui, quando desvio um pouquinho da pesquisa acadêmica principal, sem, no entanto, abandonar as reflexões existenciais pessoais. E, certa vez li, não me lembro onde, algo sobre a Filosofia estoica ser uma doutrina da coerência consigo mesmo. A Razão perfeita individual que eles buscam ou defendem, é a mesma para pensar a comunidade dos humanos. 

Seria a Razão, a que rege o “mundo dos homens”, da mesma maneira, a que rege o homem considerado individualmente.

E, em outros livros, autores e correntes filosóficas e na psicologia, acabei encontrando várias belíssimas referências adotadas ao longo da Vida. Termino sempre revendo uma maneira de ver as coisas, no sentido de entender o homem como alguém que está teimosamente procurando local of control, sua “inner citadel, onde está o cerne da razão mesma, e onde se dará, se houver empenho e condições favoráveis, o encontro consigo mesmo, a autocompreensão.

Necessário foi se tornando, na caminhada, compreender e aceitar que todo o homem tem um conhecimento natural de realidade essencial, sente a aspiração pelo Bem, felicidade e a paz de espírito; que muitos ensinam a "negar" peremptoriamente (e tem reunido muitos adeptos em torno de seus "discursos" inflamados e vazios); e dos quais, se porventura, erroneamente me aproximei, já vi, há muito, que me afastei por medida de profilaxia.

Então, numa das pausas que faço, antes dos rápidos descansos, reli esse trecho de Epicteto sobre o conceito de epiméleia (cuidado de si) e o conceito de oikeíosis (apropriação de si). Uma imersão interior, proposta por Epicteto, nas (Diatribes, I, 22, 9-15):

“Que é, então, a educação filosófica? É aprender a aplicar nossas prenoções naturais aos casos particulares de uma maneira conforme com a natureza; é em seguida, discernir, em meio aos seres, aquilo que depende de nós e aquilo que não depende. Depende de nós: a pessoa e todos os seus atos; não depende de nós: o corpo, as partes do corpo, aquilo que nós possuímos, os parentes, os irmãos, as crianças, a pátria, em uma palavra aqueles com quem nós vivemos. Em que então devemos colocar nosso bem?  A que tipo de realidade aplicaremos este nome? Àquelas que dependem de nós. - “Quê! Então não é um bem a saúde, a integridade do corpo, a vida? Não? Nem mesmo as crianças, os parentes ou a pátria? Quem poderia crer?” – Transportemos então para esses últimos objetos a denominação de bens. Então é possível ser feliz se injuriado e privado dos bens? – “Isso não é possível”. – E, ter com aqueles que vivem perto de vós as relações que devem existir? E como isso seria possível? Porque eu sou levado pela natureza a considerar meu interesse. Se for meu interesse ter um campo; é também meu interesse pegar aquele do vizinho; se for meu interesse ter uma veste, é também meu interesse roubá-lo de uma casa de banhos. Daí, as guerras, as dissensões, as tiranias, os complôs.”

Nisso reflito sobre se não é fundamental, ainda na perspectiva da educação filosófica estoica, colocarmos nosso “coração” nas coisas que dependem mesmo de nós. Desenvolvermos, e insistirmos que, apesar de não ser fácil, é possível uma adaptação, com o tempo, às circunstâncias. Mudamos o que nós podemos.

"Mantenha-se forte; mantenha-se Bem" (Sêneca)

(Grifos e destaques meus) 
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.

CÍCERO. On Duties. Trad. W. Miller. Harvard: Loeb Classical Library, 1913.

______. On the Nature of the Gods. Academics.Trad. H. Rackham. Harvard: Loeb Classical Library, 1933.

______. De Finibus. Bonorum Et Malorum. Trad. H. Rackham. Harvard: Loeb Classical Library, 1914.

______. Letters to Friends. Volume I: Letters 1-113. Trad. B. Shackleton. Harvard: Loeb, 2001

DESCARTES, René.  As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

DIÓGENES LAÉRCIO. Lives of Eminent Philosophers. vol. I, II.Trad. R. D. Hicks. Harvard: Loeb Classical Library, 1925.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014. 

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.


SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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