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À medida que prossigo com a leitura dos textos produzidos pelos estoicos percebo uma abordagem mais
focada na reflexão com fins práticos, para aplicação na vida cotidiana dos
resultados a que se chegou refletindo.
Inegável a profundidade
dos estoicos em temas mais voltados à
ação do que à teoria do conhecimento e outros assuntos
Mais evidente ainda é que
a atividade teórica dos estoicos está
sempre situada numa abordagem que diverge profundamente da maneira com que se
tem defendido o que seja a Filosofia
atualmente, por exemplo.
Ora, desde Sócrates, portanto, levar a cabo uma
atividade filosófica exige do seu praticante uma opção por um determinado “modo
de viver” que está situado desde o início da atividade filosófica,
sem foco inicial num objetivo a ser alcançado, pelo contrário, uma visão
de mundo já deve estar na base da escolha deste determinado “modo
de viver” em oposição a outras formas de agir e viver e, é esta
que determina e dá os contornos daquilo que se pretende ensinar e como vai
ensinar e, acima de tudo aprender.
Tomada a decisão,
escolhido o caminho, tendo como ponto de
partida uma tal "visão de mundo" a orientar cada
passo; com "eustatheia" (tranquilidade)
e "euthymia" (crença em si) deve-se, segundo os
estoicos, prosseguir.
Vejamos, neste
caso, Epicteto:
"Pergunte-se
o seguinte no início da manhã:
O
que está faltando para que eu me liberte da paixão?
E
para alcançar a tranquilidade?
O
que sou eu?
Um
corpo, um dono de propriedades ou uma reputação?
Nenhuma
dessas coisas.
O
que, então?
Um
ser racional.
O
que, então, é exigido de mim?
Meditar
sobre as minhas ações.
Como
eu me afastei da serenidade?
O
que eu fiz de hostil, indiferente e não-social?
O
que eu falhei em fazer em todos esses momentos?”
...
Ademais, ainda numa recomendação
"estoica", da manhã para a noite, e sobre isso, já encontrei proposta
semelhante em autores como Agostinho de Hipona e outros, por exemplo.
E, nos “Versos dourados”,
enquanto lia Hadot (1999) e EPICTÈTE (2002), recolhi
esse preceito:
“Não deixe teu sono cair sobre seus olhos lassos
Antes
de ter pesado todos os atos do dia:
Em
que falhei? Que fiz, qual dever omiti?
Começa
por aí e prossegue o exame: após o que
Condena o malfeito, alegra-te pelo Bem.”[1]
E, mais: lendo, também, nessa mesma perspectiva, numa outra abordagem para uma “visão de mundo”, temos as seguintes questões:
“Qual o meio prático mais
eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do
mal?[2]
“Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
a) - Conhecemos toda a
sabedoria desta máxima; porém a dificuldade está precisamente em cada um
conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?
“Fazei
o que eu fazia quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha
consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não
faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi
assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma.
Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticou durante o dia
e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que fez, rogando a Deus e ao seu anjo
guardião que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar,
porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas,
interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal
ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem,
censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar.
Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que
temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada
pode ser ocultado?” Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois
contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos
darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que
precise ser curado.
“O
conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas,
direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do
amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se
considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há
dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode
iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações,
inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais
noutrem, não a podereis ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que
Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber
o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos
inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade, e Deus
muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais
advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute,
conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo
sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu
jardim arranca as ervas daninhas. Faça o balanço de seu dia moral, como o
comerciante faz o de suas perdas e seus lucros; e eu vos asseguro que a
primeira operação será mais proveitosa do que a segunda. Se puder dizer que foi
bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra
vida.
“Formulai,
pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais
multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma
felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres
que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de
todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações
temporárias? Ora, que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades
do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro
a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e
incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de
eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro,
de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro
chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos
e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de
espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”
SANTO AGOSTINHO
Muitas
faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o
conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência,
veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não
perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.
A
forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que as máximas, que
muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas
categóricas, por um sim ou um não, que não abrem lugar para qualquer
alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem
as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.”
Portanto, ainda mais do
mesmo, o que se pretende como objetivo a partir da filosofia, e nisso está
o foco principal, aqui, está bem sintetizado na obra de Epicteto, no capítulo
LII, do seu Encheirídion como:
“O
primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos
princípios [...]”
Repitamos sempre a cada
passo e a cada dia, os nossos esforços.
E, jamais nos rendamos às
dificuldades.
Para
estudar os temas pensados nessa “meditação retrospectiva noturna””,
algumas indicações, abaixo, embasadas em tradições diversas:
______.
AGOSTINHO. Confissões. São
Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2017.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra:
Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad.
Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin.
Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci;
Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci;
Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by
Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb,
1928. https://www.loebclassics.com/
FRANKL, Viktor. O sofrimento humano: Fundamentos
antropológicos da psicoterapia. Trad. Bocarro, Karleno e Bittencourt, Renato.
Prefácio, Marino, Heloísa Reis. São Paulo: É Realizações, 2019.
______. Em busca de sentido. 25. ed. - São
Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
______. Yes to Life: In spite of
everything. Beacon Press, 2020.
______. Um sentido para a vida: psicoterapia
e humanismo. Aparecida, SP: Ideias e letras, 2005.
______. The doctor and the soul: from
psycotherapy to logotherapy. New york: Bantam Books, 1955.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of
Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
______. O que é filosofia antiga.
São Paulo: Edições Loyola, 1999.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris,
Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad.
Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1.
reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 903-919)
PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglésias. Rio
de Janeiro: Ed. PUC-RIO; São Paulo: Ed. Loyola, 2001.
________. República de Platão. Trad. J.
Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2012.
________. Teeteto. Trad. Adriana Manuela
Nogueira e Marcelo Boeri. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
________. Timeu. Trad. Maria José Figueredo.
Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
SCHLEIERMACHER, F. D.
E. Introdução aos Diálogos de
Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.
Que belo texto! Reflexão com fins práticos, isso é muito importante na minha opinião!
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