Anotações (em construção e, relendo, atualizando e acrescentando hoje, numa pausa rápida aqui, a bibliografia)
O que é virtude?
Tem sido comum as
discussões sobre a virtude; não
somente entre os estoicos, mas em meio à sociedade, em geral. E, não é raro que
se ouçam dizer que o mundo atual tem se tornado tão vazio de sentido por não
haver uma preocupação com essa questão. Nesse sentido, diria Sêneca:
“A
razão é igual à razão, tal como a rectidão é igual a si mesma; por conseguinte
toda a virtude é igual à virtude, pois a virtude outra coisa não é senão a
razão recta. Todas as virtudes são formas da razão; são formas da razão se
forem todas rectas e se forem rectas são todas iguais. ”
(LXVI.32)
Ou seja: “a virtude é a razão reta.”
Tenho
estudado bastante e publicado aqui, alguns temas de teor filosófico diverso,
nos quais me exercito. São diversos entre si, mas preservam uma linha tênue de
relação: “ética”, “bioética”, “filosofia da
religião”, o “problema mente-corpo” e o “estoicismo”.
Na verdade, publico-os aqui somente para manter salvos os textos e retomá-los
num futuro com fins de correção e sistematização. E, entre estes temas está o
da Virtude.
Um dia
desses, no entanto, sem sair da temática já apontada e que tem sido constante,
publiquei aqui uma frase, como tenho feito, exercitando como já disse, a
redação. Ainda que fosse só um exercício despretensioso na direção do
aperfeiçoamento da escrita, a frase, bem curta e sem muito
"ineditismo" reforçava uma postura contrária que mantenho em relação
aos nocivos “modismos contemporâneos”,
e quem me conhece sabe do que digo. A frase, a que me refiro e sustento
serenamente, não com argumentos complexos, que aliás me agradam; mas por mera
posição pessoal foi essa: "A essência não só precede à existência
como ainda sobreviverá a ela." (MARQUINHOS, 2017)
A ela
acrescento uma frase de Epictetus e avanço numa breve
reflexão:
"Proteja
o bem que existe em você em tudo o que você fizer, e no que diz respeito a todo
o resto, receba o que lhe for dado enquanto puder fazer uso sensato. Se não
puder, não terá sorte, estará propenso a falhar, perturbado e limitado." (Epictetus)
Para a
típica forma de pensar e filosofar dos estoicos
haveria, em nós, algo que se
preserva em certa medida na execução do pensamento lógico universal, e dessa
forma estaria garantida uma coerência e um equilíbrio que auxiliariam na tarefa
de cada ser humano no exercício prático e constante de tornar-se a cada dia uma
pessoa melhor; uma boa pessoa que segundo o que diz Epictetus, por haver uma
essência esta deve ser preservada em nós como uma centelha interior que não
pode se extinguir.
As nossas
ações, no entanto, devem ser pensadas e direcionadas de certa forma ao bem
comum sob pena de ela, para nós perder força e nos enfraquecer nos juízos que
nos sejam pedidos acerca de decisões e sobre uma ou outra necessidade de tomar
como certo ou verdadeiros atos do nosso cotidiano. Não havendo tal
possibilidade de se estabelecer limites, haveria sim se os que, ultrapassando
essas barreiras avançassem na ação que prejudicasse a outrem ou a si mesmos.
Enfim, Epictetus, recomenda que não percamos essa nossa essência; que
façamos o que é certo, o nosso dever.
E, também
o imperador e filósofo Marco Aurélio teria escrito em suas Meditações: “Se
não é certo, não faça. Se não é verdade, não diga”.
Interessa
ressaltar aqui que mesmo sendo um imperador ele fazia esse tipo de ponderação;
preservando-se distante do comum dos homens de seu tempo e assegurando a
proteção da sua própria essência, similar ao pensamento de Epictetus, ressalte-se; nunca agindo
sem estar certo nem faltando com a verdade.
É certo
que ao ler este brevíssimo texto, alguém irá esbravejar sobre a questão da
liberdade e da possibilidade de podermos fazer o que quisermos das nossas ações
e vivermos cada um a sua própria vida do jeito e forma que achar melhor. O
problema é atingirmos ou prejudicarmos alguém. Também alertando para o fato de
que ao preservarmos aquela essência estaremos mantendo a nossa própria
individualidade de forma que não se apague. Reafirma Marco Aurélio: "Meu
único medo é fazer algo contrário à natureza humana ; a coisa errada, do jeito
errado, ou no momento errado." (Meditações. 7.20)
Uma reflexão que, com certeza, vou retomar, corrigir e aprofundar e que, recentemente, me levou mais diretamente a partir da Ética das virtudes, a alguns livros de Philippa Foot, que acabei de ler. Seu pensamento, de herança aristotélica, tem me ajudado a refletir sobre alguns tópicos em relação às Virtudes, um dos temas centrais nesta página. Acrescentei abaixo três dos livros dela que li recentemente e, com o tempo vou publicando aqui breves “resenhas” sobre alguns trechos que me interessaram mais de perto e pretendo retomar. A isso somarei mais tarde, obras mais recentes sobre os desdobramentos de suas pesquisas e seu pensamento nos dias atuais.
Ainda, tudo a ser feito!
______.
Livros de Philippa Foot:
FOOT, Philippa. Natural goodness. Clarendon Press, 2003.
______. Moral dilemmas: and other topics in moral philosophy. Oxford University Press, 2003)
______. Virtues
and Vices: and other essays in moral philosophy. OUP Oxford; Reprint, 2003).
Informações sobre a a autora: https://pt.wikipedia.org/wiki/Philippa_Foot
_______.
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