quarta-feira, 14 de abril de 2021

REFLEXÃO MATINAL LXXX: "PROAIRESIS" E "EUROIA"

 


(IMAGEM: "Pinterest")

ESCOLHAS E SERENIDADE

 "À medida que o espírito progride, sente cada vez mais a sua condicionalidade, sente que, ao ganhar, tem de perder.” (GOETHE, Johann Wolfgang. In: "Materielen sur Geschichte der Farbenlehre")

Impressionei-me, há algum tempo, quando li a obra de Martin Buber pelo fato de que, jamais se deixou iludir com a esperança de que sua maneira de compreender a "política", sua "visão de mundo", fossem atingir maioria significativa; no entanto, ele manteve-se fiel a seus ideais e sempre tentou relacionar a verdade moral do próprio ponto de vista a tudo o que fazia; jamais escondeu suas opiniões e crenças. Tal maneira "autêntica" de viver, assim como para ele, não rende "bons amigos" nem reconhecimento.

Ainda mais nesse mundinho em que predominam os pequeninos e arrogantes! A opção, como aqui vou refletir sobre “escolhas”, é "estar no mundo sem ser do mundo"

A isso acrescento aqui algumas questões, de Epicteto, anotados por Arriano: 

  • o que nos é “permitido desejar”?
  • o que “não nos é permitido desejar”?

Ora, "Aquele que progride é quem aprendeu dos filósofos que o desejo é pelas coisas boas e que a repulsa é pelas coisas más; é o que aprendeu também que a serenidade e a privação de sofrimento (tó euroyn kaí apathés) não advêm de outro modo ao homem senão assegurando o desejo e evitando o repulsa [...] Como, portanto, concordamos ser a virtude algo tal e buscamos e exibimos progresso em outras coisas? Qual a obra da virtude? A serenidade (euróia)." (Epicteto. D. I, IV.)

Um modo de levar em frente tal projeto é, em meio a tudo isso, acrescentar a leitura que Hadot fez dessa filosofia. O que ele denominou “exercícios espirituais” possibilita uma série de reflexões e uma “metodologia” para busca de uma verdadeira transformação de si mesmo que muitos estoicos e o próprio Epicteto viam como “conversão” por ser uma ética profundamente vinculada a proairesis (προαίρεσις): escolhas.: 

E, neste sentido, que prossigo esse estudo em meio ao restante:

  • aperfeiçoar a proairesis: aperfeiçoar a capacidade de escolha e como devemos bem viver.
  • para bem vivermos faz-se urgente, portanto, uma disciplina centrada na atenção de si e o cultivo da razão.

Portanto, a meta é, com essas máximas tomadas como maneira de caminhar em busca da aquisição das virtudes, alcançar a eudaimonia, chegar à euroia [εὐροίας]: serenidade, com a recomendação de Epicteto, alcançando por fim:

  • apátheia (ἀπάθεια): ausência de paixões e,
  • ataraxía (ἀταραξία): imperturbabilidade da alma.

E, como escrevi em 2016,

"Mais um dia se inicia... Cada vez que isso acontece fico mais convencido de que mudar o mundo é sempre o projeto mais fácil e de que o mais importante não é isso. Pelo contrário: conhecimento de si, paz interior e elevação moral é sim o essencial! De nada serve projetar-se no mundo, perder-se em meio a busca de acessórios, vãos, e desprezar o essencial. Praticar abnegação, enfrentar minhas batalhas interiores definem mesmo o meu projeto de vida e não há corrupção externa que me incomode a ponto de desviar-me do foco" (Marquinhos, 2016)

De tais recomendações, é necessário, seguindo Epicteto, reter:

  • disciplina e a adoção desses “exercícios” na busca de euroia,
  • a mudança dos hábitos a ponto de reformular a teoria em prática,
  • reconhecer que é processo lento e exige persistência (perseverança).

Por isso:

“Primeiro digira seus princípios, e então você terá certeza de não vomitá-los. [...] Mas depois que você tenha digerido estes princípios, mostre-nos alguma mudança em seu princípio governante [razão] que é devido a eles.” (D. III.XXII.3)

A proposta, portanto, é de alcançarmos o controle sobre nossos próprios julgamentos, nossas escolhas (προαίρεσις) e assentimentos. Esforço válido e imprescindível!

E, diz Epicteto:

"Você vê, então, que é necessário para você vir a ser um frequentador das escolas, se você realmente deseja fazer um exame das decisões de sua própria vontade. E que este não é um trabalho para uma simples hora ou dia você sabe tão bem quanto eu.”

Assim, enquanto “medito andando”, tenho postado aqui, para mero registro pessoal, que depois desenvolvo e, talvez, um dia publique.

______.

SUGESTÃO DE LEITURAS

APHRODISIAS, Alexander. On the Soul: Part I: Soul as form of the body, Parts of the Soul, Nourishment and perception. Bristol Classical Press, 16 agosto 2012.

______. Supplement to On the Soul. Bloomsbury Academic; Supplement edição, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001. 

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

IRVINE, William B. A guide to the good life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.

KING, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.

LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.

LUTZ, C. Musonius Rufus, the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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