quarta-feira, 20 de outubro de 2021

REFLEXÃO MATINAL XCV: AINDA SOBRE "VIRTUDES E VÍCIOS" E "MUDANÇA DE HÁBITOS"

(IMAGEM: "Pinterest")

De acordo com o estoicismo, não controlamos o mundo ao nosso redor. A busca, ao contrário, deve ser por vivermos uma vida boa, com sabedoria, justiça, coragem e moderação.

Nesse caminho pretendo aprofundar a compreensão de que a felicidade depende de escolhas nossas, jamais de coisas externas (nisso, é fundamental aderir à atenção) como nas Diatribes. Livro IV. XII, capítulo inteiro sobre a atenção (prosochéπερί προσοχῆς), que nos deve orientar na direção correta e nos faz estarmos atentos à “dicotomia do controle”.

Sempre haverá o que nos foge ao controle, como diz Epicteto, no Encherídion, I, 1. Mas isso é o que a vida exige de cada um:  o esforço, prática e “exercício” no que está sob seu controle: o interior. O que é exterior sempre está para além do nosso controle.

Os acontecimentos externos, não estão sob nosso controle, fogem-nos totalmente. Portanto, nas adversidades, por termos nos afastado da lei natural adotamos julgamentos bastante equivocados sobre os eventos à nossa volta. Treino e esforço na retomada da direção, de retorno à Lei, nos darão bases mais sólidas para reformulação do nosso comportamento e, como consequência, qualificaremos nossos hábitos (ethos).

Ademais, para tais “exercícios” e “metodologia”, necessário se faz uma disciplina que tem por meta equilibrar as emoções que, para Epicteto, por exemplo, é fundamentalmente essencial para a “formação da alma”.

“[...] Grande é a luta, divina é a tarefa; o prêmio é um reino, liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας], paz [ataraxia - ἀταραξία].” se

É tarefa principal de quem pretenda reformular os hábitos, por exemplo, reeducar-se na busca do Bem (vida boa) que está ao alcance de cada um, para que, daí descubra que tudo o que lhe sucede durante a vida não é necessariamente um mal a paralisá-lo.

“...se queres progredir, conforma-te em parecer insensato e tolo quanto às coisas exteriores. Não pretendas saber coisa alguma.” (EPICTETO. Encheiridion. XIII).

Sendo assim, prosseguimos, das últimas reflexões matinais sobre esse tema, o retorno a uma abordagem estoica sobre (“princípios filosóficos", em (51.1) e "principios" e (52.1), no Encheirídion): concentrando no que podemos controlar e aceitarmos o que não podemos!

"[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ'  ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ  τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα, παραπόδιστα,  τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ, δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια."

"[1.1] Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa.  [1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem. (EPICTETO. Encheirídion. I, 1-2, 2012)"

Dessa citação do Encheirídion de Epicteto, o fundamental para reflexão matinal de hoje a partir da filosofia estoica é pensar na "dicotomia estoica do controle".

Tal princípio orienta-nos na direção da distinção clara entre o que é "nosso encargo", que está sob nosso controle e o que escapa-nos totalmente do domínio.

Nossas escolhas, já escrevi aqui mais de uma vez, sobre isso, são encargo nosso”. As escolhas que fazemos, ações e juízos estão sob nosso controle; o que não está incluso aqui, não está sob nosso controle.

Exemplo simples? O próprio corpo não depende das nossas escolhas voluntárias. Podemos até cuidar deste, mas até um determinado limite fixado pela natureza. 

Ainda sobre o corpo, notemos o quanto em nós acontece que não está sob nosso controle: nossa genética e tudo que daí decorra; por exemplo: as doenças, as lesões.

Por se tratar de uma dicotomia incortornável, o que devemos fazer, segundo os estoicos, é continuarmos fazendo o nosso melhor e aceitar o resultado, se fizemos esse nosso melhor.

Mesmo os obstáculos servem de exercício para aquisição de Virtudes, aplicarmos a razão nas escolhas, exercitamos a coragem na ação, desenvolvermos um senso de justiça e viver praticando a moderação.

Também, como diria Epicteto:

“Faça uma prática dizer a todas as impressões fortes: ‘Uma impressão é tudo o que você é’. Em seguida, teste e avalie com seus critérios, mas um principalmente: pergunte: ‘Isso é algo que está ou não está sob meu controle?’ E se não é uma das coisas que você controla, diga: ‘Então não é minha preocupação’. (EPICTETO. D. II, 18)

Portanto, cabe-nos concentrarmos nossa atenção no que está sob nosso controle, a Natureza cuida do que está longe do nosso poder.

É, tarefa pessoal e intransferível nos qualificarmos para mudança dos nossos hábitos.

E, para começarmos, um retorno às "virtudes estoicas":

 “The Four Virtues of the Classical world. Very little is needed in order to raise good human communities. But this 'very little' is indispensable.

As Quatro Virtudes do mundo clássico. Muito pouco é preciso para criar boas comunidades humanas. Mas este 'muito pouco' é indispensável.

Четыре добродетели классического мира. Совсем немного требуется, чтобы воспитать хорошие общества. Но без этого «немного» не обойтись.”

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Credit: 
Michel Daw for the image.

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Comentando:

phronêsis (prudência / sabedoria prática): O conhecimento de saber o que é bom e o que é mau. Tomar decisões lógicas sobre o que devemos ou não fazer com base em nosso conhecimento e experiência.

sôphrosunê (temperança / moderação): Refere-se à moderação em todos os aspectos da vida. Não levando uma vida de excessos, tendo controle sobre nossos impulsos, emoções (boas e más), e favorecendo uma meta de felicidade e contentamento de longo prazo em vez de prazeres de curto prazo.

andreia (fortaleza / coragem): Coragem é decidir como agir em tempos de provação. Apesar do que muitos pensam, não é a ausência de ansiedades e medos, mas sim a forma como alguém age apesar da ansiedade e do medo. A resiliência diante da adversidade.

dikaiosunê (justiça / moralidade): O ato de fazer o que é certo e justo - e mantê-lo sempre, principalmente nos momentos difíceis. Essa ideia de justiça é fazer o que é certo em sua comunidade e como agimos em relação aos outros de acordo com a lei. Do ponto de vista estóico, a justiça é um dever para com os outros ao nosso redor e deve orientar as decisões, especialmente em tempos tumultuados.

(grifos e destaques meus)

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

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HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

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IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.

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SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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