sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

REFLEXÃO MATINAL CIII: SOBRE "WELTASCHAUUNHG" E "EUDAIMONIA"

 

(IMAGEM: "Pinterest")

Num tão importante dia 10 de dezembro, para mim...

Enquanto, recuperando, retomo a escrita e busco inspiração para andamento na redação de uma conclusão de projeto, recorro novamente, às páginas de Rainer Maria Rilke em "Cartas de um poeta sobre a vida", acrescentando algumas outras referências entre as que tenho lido com regularidade, sobre "Filosofia clássica alemã", "Estoicismo", grandes autores da Literatura e BCT. Sobre esse tema, em certa medida, a visão estoica aparece, ainda que nas entrelinhas, ao lado da Weltanschauung adotada há algumas décadas:

“Que idade alguém deveria atingir para realmente admirar o bastante, para em nenhuma parte ficar aquém do mundo; mas quantas coisas ainda subestimamos, desprezamos, desconhecemos. Deus, quantas oportunidades e exemplos para nos tornarmos alguma coisa – e, em contrapartida, quanta indolência, dispersão e meia-vontade de nossa parte.

[…]

Num mundo que tenta dissolver o divino numa espécie de anonimato, teve de tomar vulto aquela sobrestimação humanitária que espera da ajuda humana o que ela não pode dar. E a bondade divina está atada à firmeza divina de forma tão indescritível que uma época que, antecipando-se à providência, propõe-se a distribuí-la, desencadeia ao mesmo tempo as mais antigas reservas de crueldade entre os homens.” (RILKE, 2007. 

Então, ir para longe...? Definitivamente NÃO...

Aventurar-se mesmo sabendo que causa ansiedade. Ouvi dizer que assim já dizia o Søren Aabye Kierkegaard.

Ora, pois, que se há de ser assim, que seja uma aventura interior...

Como "uma longa viagem noite adentro

...

E, ademais,

"[…] Como é significativo que certas pessoas tenham definido o humano como o geral, como o lugar em que todos se encontram e se reconhecem. É preciso aprender a perceber que é justo o humano que nos faz sozinhos.

Quanto mais humanos nos tornamos, tanto mais diferentes ficamos. É como se de repente os seres se multiplicassem por mil; um nome coletivo, que antes abarcava milhares, logo se tornará muito estreito para dez pessoas, e seremos obrigados a considerar cada indivíduo inteiro. Pense: quando um dia teremos seres humanos, em vez de povos, nações, famílias e sociedades; quando não será mais possível agrupar nem mesmo três pessoas num só nome! O mundo então não deverá se tornar maior?” (RILKE, 2007).

Mas, Rilke ainda diz que “em nenhuma parte existe o permanecer”:

"Sollen nicht endlich uns diese ältesten Schmerzen fruchtbarer werden? Ist es nicht Zeit, dass wir liebend uns vom Geliebeten befrein und es bebend bestehn: wie der Pfeil die Sehne besteht, um gesammelt im Abspung mehr zu sein als er selbst. Denn Bleiben ist nirgends.”

“Não devem, por fim, essas antiquíssimas dores tornarem-se mais fecundas para nós? Não é tempo de que, amando, nos libertemos do ser amado e, trêmulos, suportemos isso como a flecha suporta a corda tensionada para, recolhida no ímpeto, ser mais do que ela mesma. Pois em nenhuma parte existe o permanecer” (RILKE, Rainer Maria. In:Duineser Elegien. Die Erste Elegie”)

E, para terminar:

[…] 

No fundo, não creio que importa ser feliz no sentido em que as pessoas esperam ser felizes. Mas consigo entender plenamente essa felicidade árdua que consiste em despertarmos forças com um trabalho resoluto, as quais começam a trabalhar, elas mesmas, em nós." (RILKE, 2007)

Num tão crucial momento da vida damo-nos conta de que o que realmente agrada as multidões são discursos absurdos. E, por não nos alinharmos optamos por razoabilidades; o primeiro passo: o silêncio; o segundo: aplicar-se na busca de si mesmo, corrigir-se, aperfeiçoar-se e seguir em frente; e bem à frente, onde está o ponto de chegada, não circunscrito a limitadas fronteiras ou vagos pontos de vista.

Dito como foi dito acima, conjugando leituras muito diversas, numa pausa sem escrever reli alguns trechos de obras das referências que indico na Bibliografia abaixo. Entre elas, num texto de Eça de Queirós, que ele chamou de "Máximo de tédio no máximo de civilização identifico várias passagens com as quais concordo e ainda servem para os dias atuais:

"Na Terra tudo vive - e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo de civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear. 

Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso - e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência! Dixit! "  (In: "Civilização", 1902)

E, por outro lado, o recurso do "regresso"... pensando para prosseguir, levou-me, como de costume, a Sócrates e a verdadeiros filósofos.

No Fédon, por exemplo, Sócrates expõe a Símias porque se deve estar atento e priorizar, nesta vida, a virtude (ἀξεηῆο) e a prudência (θξνλήζεσο): diz ele que a recompensa é bela (θαιὸλ γὰξ ηὸ ἆζινλ), e é grande a esperança (ἡ ἐιπὶο κεγάιε)! (Fédon, 114c). Pois...

“Os homens que de alguma forma, cuidam de sua alma (κέιεη ηῆο ἑαπηῶλ ςπρῆο) e não vivem com o pensamento fito no corpo (ζώκαηη πιάηηνληεο δῶζη), quando dizem adeus a todo este tipo de prazeres (εἰδόζηλ) é para seguir um trilho bem diverso daqueles que não sabem aonde vão dar: pois, convictos como estão de que nada devem fazer, que seja contrário à filosofia (θηινζνθίᾳ πξάηηεηλ) e à libertação purificadora (ηῇ ἐθείλεο ιύζεη) que neles opera, é na sua direção que se voltam, seguindo espontaneamente na via por onde ela os conduz (ὑθεγεῖηαη– (Fédon, 82d).” 

Bastante conhecido que Sócrates caminhou pelas ruas de Atenas tentando persuadir outros cidadãos e até mesmo estrangeiros de que o fundamental é sempre o esforço em se melhorarem as almas. Pois, para ele, a alma é a parte mais preciosa (ηηκηώηεξνλ) – (Críton, 48a); e tinha como principal objetivo defender a importância da alma e que esta, vale mais do que o corpo. Fica evidente que a busca da virtude, para Sócrates, está amplamente relacionada com a felicidade. Alcançar virtude é ser feliz.

Atento às sutis diferenças de abordagens em cada um deles: Rilke, Eça de Queirós e SócratesPlatão, fica anotado para maior reflexão, aprofundamento e o mais necessário: a devida correção dessas diferenças e redefinição de percurso rumo a uma vida mais equilibrada, com ataraxiaἈταραξία.

(grifos e destaques meus)

 

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

BORGES, Maria. Borges. Razão e emoção em Kant. Pelotas, RS: Editora e Gráfica Universitária, 2012.

______. Emotion, Reason, and Action in Kant. Bloomsbury Academic, 2019.

CÍCERO. On ends (The Finibus). Tradução de H. Rackham. Harvard: https://www.loebclassics.com, 1914.

CUNHA, Bruno. A gênese da ética em Kant. São Paulo: Editora LiberArs, 2017.

DESCARTES, R. Oeuvres. Org. C. Adam e P. Tannery. Paris: Vrin, 1996. 11v. [indicadas no texto como Ad & Tan]

_______. Oeuvres et lettres. Org. André Bidoux. Paris: Gallimard, 1953. (Pléiade).

______. Discursos do Método; Meditações metafísicas; Objeções e Respostas; As Paixões da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado J. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).

EPICTÉTE. Entretiens. Livres I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

______. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Discurso editoria: Barcarola, 2009.

______. Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime. Ensaio sobre as doenças mentais. (Trad. Vinícius Figueiredo). Campinas, SP: Ed. Papirus, 19993.

______. Lições de ética. Trad. Bruno Cunha e Charles Fedhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

______. Lições sobre a doutrina filosófica da religião. Trad. Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

______. Anthropology from a pragmatic point of view. Carbondale, III: Southern Illinois University Press. 1996. eBook., Base de dados: eBook Collection (EBSCOhost).

______. Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.

______. Crítica da razão prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

______. A metafísica dos costumes. Trad., apresentação e notas de José Lamego. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. ("As virtudes e os vícios": Q. 893-906; Q. 920-933 "Felicidade e infelicidade relativas").

KIRK, Russel. The conservative mind: from Burke to Eliot. São Paulo: É Realaizaçõea, 2020.)

KRAUT, Richard. The quality of life: Aristotle revised. Oxford University Press, USA, 2018.

______. Aristóteles: a ética a Nicômaco: explorando grandes obras. Porto Alegre, RS: Editora Penso, 2009. 

LEBRUN, Gérard. O conceito de paixão. In: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1).

NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade: fortuna e ética na tragédia e na filosofia grega. São Paulo, Martins Fontes, 2009. 486 páginas. 

______. Therapy of desire: theory and practice in hellenistic ethics. Princeton University Press, 2013.

PLATÂO. Fédon. “Diálogos platônicos”. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2011. (edição bilíngue)

______. Carta VII. In: Diálogos VII (Dudosos, Apócrifos, Cartas). Madrid: Gredos, 1992.

QUEIRÓS, EÇA. Civilização e Outros Contos. São Paulo. Ed. Moderna, 2004.

______. As cidades e as serras. Porto Alegre, RS: L&PM, 1998.

RICOUER, Paul. Ser, essência e substância em Platão e Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

RILKE, Rainer Maria. “Cartas do Poeta sobre a vida". São Paulo: Martins Fontes - selo Martins, 2007.

ROBERTSON, Donald. The philosophy of cognitive behavioural therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

SELLARS, J. The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014. (Carta LXXV).

______. Edificar-se para a morte: das cartas morais a Lucílio. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

____. Sobre a clemência. Introdução, tradução e notas de Ingeborg Braren. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

____. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma. Tradução, introdução e notas de José Eduardo S. Lohner. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.

_____. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.

TEIXEIRA, L. Ensaio sobre a Moral de Descartes. Tese (Cátedra) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. São Paulo, 1955.

ZINGANO, Marco. Aristóteles: tratado da virtude moral. I.13 - III.8. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...