Num tão importante dia 10
de dezembro, para mim...
Enquanto, recuperando, retomo a escrita e busco inspiração para andamento na redação de uma conclusão de projeto, recorro novamente, às páginas de Rainer Maria Rilke em "Cartas de um poeta sobre a vida", acrescentando algumas outras referências entre as que tenho lido com regularidade, sobre "Filosofia clássica alemã", "Estoicismo", grandes autores da Literatura e BCT. Sobre esse tema, em certa medida, a visão estoica aparece, ainda que nas entrelinhas, ao lado da Weltanschauung adotada há algumas décadas:
“Que
idade alguém deveria atingir para realmente admirar o bastante, para em nenhuma
parte ficar aquém do mundo; mas quantas coisas ainda subestimamos, desprezamos,
desconhecemos. Deus, quantas oportunidades e exemplos para nos tornarmos alguma
coisa – e, em contrapartida, quanta indolência, dispersão e meia-vontade de
nossa parte.
[…]
Num mundo que tenta dissolver o divino numa espécie de anonimato, teve de tomar vulto aquela sobrestimação humanitária que espera da ajuda humana o que ela não pode dar. E a bondade divina está atada à firmeza divina de forma tão indescritível que uma época que, antecipando-se à providência, propõe-se a distribuí-la, desencadeia ao mesmo tempo as mais antigas reservas de crueldade entre os homens.” (RILKE, 2007.
Então, ir para longe...? Definitivamente
NÃO...
Aventurar-se mesmo
sabendo que causa ansiedade. Ouvi dizer que assim já dizia o Søren Aabye Kierkegaard.
Ora, pois, que se há de
ser assim, que seja uma aventura interior...
Como "uma longa
viagem noite adentro”
...
E, ademais,
"[…]
Como é significativo que certas pessoas tenham definido o humano como o geral,
como o lugar em que todos se encontram e se reconhecem. É preciso aprender a
perceber que é justo o humano que nos faz sozinhos.
Quanto
mais humanos nos tornamos, tanto mais diferentes ficamos. É como se de repente
os seres se multiplicassem por mil; um nome coletivo, que antes abarcava
milhares, logo se tornará muito estreito para dez pessoas, e seremos obrigados
a considerar cada indivíduo inteiro. Pense: quando um dia teremos seres
humanos, em vez de povos, nações, famílias e sociedades; quando não será mais
possível agrupar nem mesmo três pessoas num só nome! O mundo então não deverá
se tornar maior?” (RILKE, 2007).
Mas, Rilke ainda diz que “em nenhuma parte existe o permanecer”:
"Sollen
nicht endlich uns diese ältesten Schmerzen fruchtbarer werden? Ist es nicht
Zeit, dass wir liebend uns vom Geliebeten befrein und es bebend bestehn: wie
der Pfeil die Sehne besteht, um gesammelt im Abspung mehr zu sein als er
selbst. Denn Bleiben ist nirgends.”
“Não devem, por fim,
essas antiquíssimas dores tornarem-se mais fecundas para nós? Não é tempo de
que, amando, nos libertemos do ser amado e, trêmulos, suportemos isso como a
flecha suporta a corda tensionada para, recolhida no ímpeto, ser mais do que ela
mesma. Pois em nenhuma parte existe o permanecer” (RILKE, Rainer Maria. In: “Duineser Elegien. Die Erste
Elegie”)
E, para terminar:
[…]
No fundo, não creio que importa ser feliz no sentido em que as pessoas
esperam ser felizes. Mas consigo entender plenamente essa felicidade árdua que
consiste em despertarmos forças com um trabalho resoluto, as quais começam a
trabalhar, elas mesmas, em nós." (RILKE, 2007)
Num tão crucial momento da vida damo-nos conta de que o que realmente agrada as multidões são discursos absurdos. E, por não nos alinharmos optamos por razoabilidades; o primeiro passo: o silêncio; o segundo: aplicar-se na busca de si mesmo, corrigir-se, aperfeiçoar-se e seguir em frente; e bem à frente, onde está o ponto de chegada, não circunscrito a limitadas fronteiras ou vagos pontos de vista.
Dito como foi dito acima, conjugando leituras muito diversas, numa pausa sem escrever reli alguns trechos de obras das referências que indico na Bibliografia abaixo. Entre elas, num texto de Eça de Queirós, que ele chamou de "Máximo de tédio no máximo de civilização” identifico várias passagens com as quais concordo e ainda servem para os dias atuais:
"Na Terra tudo vive - e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo de civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear.
Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso - e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência! Dixit! " (In: "Civilização", 1902)
E, por outro lado, o recurso do "regresso"... pensando para prosseguir, levou-me, como de costume, a Sócrates e a verdadeiros filósofos.
No Fédon, por exemplo, Sócrates expõe a Símias porque se deve estar atento e priorizar, nesta vida, a virtude (ἀξεηῆο) e a prudência (θξνλήζεσο): diz ele que a recompensa é bela (θαιὸλ γὰξ ηὸ ἆζινλ), e é grande a esperança (ἡ ἐιπὶο κεγάιε)! (Fédon, 114c). Pois...
“Os homens que de alguma forma, cuidam de sua alma (κέιεη ηῆο ἑαπηῶλ ςπρῆο) e não vivem com o pensamento fito no corpo (ζώκαηη πιάηηνληεο δῶζη), quando dizem adeus a todo este tipo de prazeres (εἰδόζηλ) é para seguir um trilho bem diverso daqueles que não sabem aonde vão dar: pois, convictos como estão de que nada devem fazer, que seja contrário à filosofia (θηινζνθίᾳ πξάηηεηλ) e à libertação purificadora (ηῇ ἐθείλεο ιύζεη) que neles opera, é na sua direção que se voltam, seguindo espontaneamente na via por onde ela os conduz (ὑθεγεῖηαη) – (Fédon, 82d).”
Bastante conhecido que Sócrates caminhou pelas ruas de Atenas tentando persuadir outros cidadãos e até mesmo estrangeiros de que o fundamental é sempre o esforço em se melhorarem as almas. Pois, para ele, a alma é a parte mais preciosa (ηηκηώηεξνλ) – (Críton, 48a); e tinha como principal objetivo defender a importância da alma e que esta, vale mais do que o corpo. Fica evidente que a busca da virtude, para Sócrates, está amplamente relacionada com a felicidade. Alcançar virtude é ser feliz.
Atento às sutis diferenças de abordagens em cada um deles: Rilke, Eça de Queirós e Sócrates – Platão, fica anotado para maior reflexão, aprofundamento e o mais necessário: a devida correção dessas diferenças e redefinição de percurso rumo a uma vida mais equilibrada, com ataraxia – Ἀταραξία.
(grifos e destaques
meus)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição
Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos
e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de
Sergipe, 2012).
BORGES, Maria. Borges. Razão
e emoção em Kant. Pelotas, RS: Editora e Gráfica Universitária, 2012.
______. Emotion, Reason, and
Action in Kant. Bloomsbury Academic, 2019.
CÍCERO. On ends (The
Finibus). Tradução de H. Rackham. Harvard: https://www.loebclassics.com, 1914.
CUNHA, Bruno. A gênese da
ética em Kant. São Paulo: Editora LiberArs, 2017.
DESCARTES, R. Oeuvres. Org.
C. Adam e P. Tannery. Paris: Vrin, 1996. 11v. [indicadas no texto como Ad &
Tan]
_______. Oeuvres et lettres. Org.
André Bidoux. Paris: Gallimard, 1953. (Pléiade).
______. Discursos do
Método; Meditações metafísicas; Objeções e Respostas; As Paixões
da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e
notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado J. 3. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).
EPICTÉTE. Entretiens. Livres I,
II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Trad.
Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
______. Testemunhos e
Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS,
2008.
______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp,
2010.
______. On the passions and errors of the soul. Translated
by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese.
Ohio State University Press, 1963.
GAZOLLA, Rachel. O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Discurso editoria: Barcarola, 2009.
______. Observações sobre o
sentimento do Belo e do Sublime. Ensaio sobre as doenças
mentais. (Trad. Vinícius Figueiredo). Campinas, SP: Ed. Papirus,
19993.
______. Lições de ética. Trad.
Bruno Cunha e Charles Fedhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
______. Lições sobre a doutrina
filosófica da religião. Trad. Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes,
2019.
______. Anthropology from a
pragmatic point of view. Carbondale, III: Southern Illinois University
Press. 1996. eBook., Base de dados: eBook Collection (EBSCOhost).
______. Antropologia de um
ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. São Paulo:
Iluminuras, 2006.
______. Crítica da razão
prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
______. A metafísica dos
costumes. Trad., apresentação e notas de José Lamego. 2. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
KARDEC, A. Le Livre des
Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro
dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos
Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF:
Feb, 2013. ("As virtudes e os vícios": Q. 893-906; Q. 920-933 "Felicidade e infelicidade relativas").
KIRK, Russel. The conservative
mind: from Burke to Eliot. São Paulo: É Realaizaçõea, 2020.)
KRAUT, Richard. The quality of
life: Aristotle revised. Oxford University Press, USA, 2018.
______. Aristóteles: a
ética a Nicômaco: explorando grandes obras. Porto Alegre, RS: Editora Penso,
2009.
LEBRUN, Gérard. O conceito de
paixão. In: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da
paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São
Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1).
NUSSBAUM, Martha C. A
fragilidade da bondade: fortuna e ética na tragédia e na filosofia
grega. São Paulo, Martins Fontes, 2009. 486 páginas.
______. Therapy of desire: theory
and practice in hellenistic ethics. Princeton University Press, 2013.
PLATÂO. Fédon. “Diálogos
platônicos”. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2011. (edição bilíngue)
______. Carta VII. In: Diálogos VII (Dudosos, Apócrifos, Cartas). Madrid: Gredos, 1992.
QUEIRÓS, EÇA. Civilização e Outros Contos. São Paulo. Ed. Moderna, 2004.
______. As cidades e as serras. Porto Alegre, RS: L&PM, 1998.
RICOUER, Paul. Ser, essência e
substância em Platão e Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
RILKE, Rainer Maria. “Cartas do Poeta sobre a vida".
São Paulo: Martins Fontes - selo Martins, 2007.
ROBERTSON, Donald. The philosophy of cognitive behavioural therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres :Karnac Books, 2010.
SELLARS, J. The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a
Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014. (Carta
LXXV).
______. Edificar-se
para a morte: das cartas morais a Lucílio. Petrópolis, RJ: Vozes,
2016.
____. Sobre a
clemência. Introdução, tradução e notas de Ingeborg Braren. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2013.
____. Sobre a ira. Sobre
a tranquilidade da alma. Tradução, introdução e notas de José Eduardo S.
Lohner. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.
_____. Sobre a brevidade da vida. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2007.
SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução
aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.
TEIXEIRA, L. Ensaio sobre a
Moral de Descartes. Tese (Cátedra) – Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras. São Paulo, 1955.
ZINGANO, Marco. Aristóteles: tratado da virtude moral. I.13 - III.8. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário