Aproveitando essa nova
tradução da obra, realizada pelo professor Aldo Dinucci (UFS).
Foi essa a reflexão da
manhã de hoje. Um texto que também serviu para rememorar um dia ... "inefável":
Sobre a brevidade
da vida – Sêneca
“Não temos exatamente uma
vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida se bem empregada, é
suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização
de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença,
se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não
realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai.
Perscruta a tua
memória:
- Quando atingiste um objetivo?
- Quantas vezes o dia transcorreu conforme o planejado?
- Quando usaste seu tempo contigo mesmo?
- Quanto mantiveste uma boa aparência, o espírito tranquilo?
- Quantas obras fizeste para ti com um tempo tão longo?
- Quantos não esbanjaram a tua vida sem que notasses o que estavas perdendo?
- O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis, e quão pouco te restou do que era teu?
Compreenderás que morres
cedo.
Se pudéssemos apresentar
a cada um a conta dos anos futuros, da mesma forma que se faz com os que já
passaram, como tremeriam aqueles que vissem restar-lhe poucos anos e como os
economizariam! Pois, se é fácil administrar o que, embora pouco, é certo,
deve-se conservar com muito cuidado o que não se pode saber quando acabará.
A expectativa é o maior
impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o
presente. Daquilo que depende do destino, abres mão; do que depende de ti,
deixas fugir. Para onde voltas, para o que te dedicas? Todas as coisas que
virão jazem na incerteza: vive daqui para diante.
Muito breve e agitada é a
vida daqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro.
Quando chegam ao fim, os coitados entendem, muito tarde, que estiveram ocupados
fazendo nada.
De fato, tudo aquilo que
vem por acaso é instável, e o mais alto se eleva, mais facilmente cai. Ora, a
ninguém as coisas decaídas causam deleite, É, portanto, evidente que seja não
apenas muito curta, mas também muito infeliz a vida daqueles que a preparam com
grande trabalho e que só podem conservar com esforços maiores ainda. Adquirem
pessoalmente aquilo que desejam, possuem com apreensão o que adquiriram.
Enquanto isso, não se dão conta do tempo que não voltará, novas preocupações
substituem as antigas, uma esperança realizada faz nascer outra esperança, a
ambição provoca a ambição.
Nunca faltarão motivos,
felizes ou infelizes, para a preocupação. A vida ocorrerá através das
ocupações; nunca o ócio será obtido, sempre desejado.”
...
Nascido em 4 a.C., Sêneca
foi um dos mais célebres filósofos e advogados do Império Romano, e ainda hoje
é simultaneamente um expoente do estoicismo e da dramaturgia. Em seu diálogo Sobre
a brevidade da vida, escrito por volta de 49 d.C., Sêneca tece uma
série de reflexões sobre o paradoxo do tempo em nossas vidas, na
tentativa de convencer Paulino, supostamente seu sogro, a abandonar as funções
públicas e se dedicar inteiramente ao estudo da filosofia. Apesar de sua
aparente brevidade, a vida humana é, como nos ensina o autor, longa o bastante
para quem sabe empregar o próprio tempo com sabedoria. Diante dessa massa
de “ocupados” e “assediados” pelas próprias atividades, Sêneca propõe um
método humano para restabelecer o equilíbrio moral e a saúde do
espírito: a filosofia como busca da virtude e prática da liberdade. É
preciso que assumamos maior consciência e, portanto, controle de nossa vida e
de nosso tempo, evitando toda dispersão fútil e enganosa da vida, cuidando do
tempo presente e vivendo o agora, pois é possível “existir” por muito tempo sem
todavia “viver” efetivamente. Em nova tradução do latim, acompanhada de
introdução, notas e uma seleta do autor sobre o tempo, o leitor poderá travar
contato com essa obra universal de extrema atualidade, especialmente em uma
época como a nossa, na qual o tempo é um valor ainda mais precioso.
..
Quanto à nova tradução, “está
disponível em formato físico (Auster) pela Amazon e em formato Kindle [...]"
Traduzida “do latim esta
obra de Sêneca, cujo título em latim é AD PAVLINVM, DE BREVITATE
VITAE, foi, como dissemos acima, composta em 49 EC, mesmo ano no qual
Sêneca retorna do exílio. O diálogo é endereçado a um certo Paulino,
provavelmente Pompeio Paulino, à época prefeito das provisões em Roma (praefectus
annonae) e muito provavelmente o pai de sua mulher Pompeia Paulina.
Podemos resumir a
argumentação de Sêneca nesta obra em quatro premissas:
- A maioria dos mortais reclama da Natureza por ela supostamente nos ter dado uma vida breve. Entretanto, a vida humana só é breve se o tempo dado não for bem empregado.
- Muitos clamam por ócio, mas não dão essa oportunidade a si próprios, pois vivem sobrecarregados em suas ocupações diárias. Sêneca oferece vários exemplos de homens célebres que ilustram esse fato, como César Augusto e Cícero.
- Muitos dos que se dedicam ao ócio também tornam sua vida pior e mais curta por causa dele. Sêneca esclarece que ócio não é, como muitos pensavam e muitos mais pensam hoje, se dedicar aos prazeres excessivos, como embebedar-se em banquetes (uma preferência nacional romana, que corresponde de certa forma aos nossos churrascos) e consagrar sua vida ao sexo.
- O ócio também não consiste em se consagrar a estudos estéreis, erudições vazias e pedantes. O verdadeiro ócio, consagrado ao estudo da filosofia, deve tornar melhor o humano e abrir-lhe as portas para o conhecimento das coisas do mundo e da Divindade que as governa.
Sêneca, portanto, nos
ensina a administrar e bem empregar nosso tempo. Ele nota que não temos ciência
da importância de nosso tempo por ele, embora seja necessariamente limitado,
nos parecer infinito, razão pela qual o desperdiçamos e deixamos que nos seja
tomado por ocupações e preocupações inúteis e por pessoas que nada nos
acrescentam.”
...
"Vtique animus ab
omnibus externis in se reuocandus est: sibi confidat, se gaudeat, sua
suspiciat, recedat quantum potest ab alienis et se sibi adplicet, damna non
sentiat, etiam aduersa benigne interpretetur".
Enquanto ainda não
adquiri a nova tradução citada acima, reli, agora pela manhã, antes de dar
início às atividades normais e, claro, durante o café: o texto de
Sêneca: “Sobre a tranquilidade da alma”.
Escrito como um meio de
orientação aos que aspiram dedicar-se ao aperfeiçoamento moral pessoal;
dirigido ao seu amigo Aneu Sereno, a quem antes já tinha escrito o
texto que é conhecido como “Sobre a constância do sábio”. Foi
um grande amigo de Sêneca, pertencente à ordem equestre, formada pelos
cidadãos mais abastados.
Sêneca escreve o texto
com o objetivo de apresentar a doutrina estóica, sabendo que Sereno
era adepto do epicurismo. Faz uma apresentação detalhada do que se pode
obter do estudo de tal doutrina para a vida prática.
O que resulta dessa
apresentação de Sêneca, para mim, que a publico aqui, é ter constatado
elementos que tem a força de nos auxiliarem nos empreendimentos de superação
dos “tormentos” e dificuldades que possam nos atingir: os temores; os desejos
humanos e, acima de tudo, como nos exercitarmos na direção da tranquilidade da
alma, esse estado ideal de serenidade proposto e buscado pelos estoicos; que
precisa vivenciá-lo de forma integral.
Um dos passos indicados
na obra:
"Seja como for, a
alma deve recolher‐se em si mesma, deixando todas as coisas externas: que ela
confie em si, se alegre consigo, estime o que é seu, se aparte o quanto pode do
que é alheio, e se dedique a si mesma; que ela não sinta as perdas e interprete
com benevolência até mesmo as coisas adversas".
E, também, diante das
dificuldades, nas ocasiões em que a tranquilidade da alma esteja
ameaçada, ou como nas Cartas a Lucílio:
"Sempre que queiras
saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo,
pelo objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem conformar-se com
o bem supremo: somente é capaz de determinar as ações individuais o homem
que possui a noção do objetivo supremo da vida". (SÉNECA,
Livro VIII - "Carta 71";(2)
E, no texto sobre o qual
refleti, pela manhã, Sereno, diz a Sêneca alguns dos problemas
com os quais tem dificuldade em lidar:
- hesitação diante do desejo de bens e de prazeres corporais.
- alternância entre desejo de atuação social e de recolhimento aos estudos.
- dilema ético e estético relativo a busca pela fama.
- Daí, em seguida pede que lhe seja dado um diagnóstico e um “remédio”:
“Rogo, então, se tem
algum remédio que possa deter esta minha vacilação e me faça digno de lhe dever
a paz de espírito”.
Ao que Sêneca, ao
longo do texto, compreende que ele esteja buscando, na verdade, o que se pode
tomar como uma das mais importantes conquistas do homem, para a Vida, um estado
de tranquilidade (tranquillitas); que entre os gregos era chamada de
de euthymía (II,3). Como vemos no texto, segue o que dá início
aos conselhos de Sêneca, definindo antes, a tranquilidade da alma:
“O que buscamos, então, é
como a alma pode sempre seguir um rumo firme, sem percalços, pode estar
satisfeita consigo mesma e olhar com prazer para o que a rodeia, e não
experimentar nenhuma interrupção dessa alegria, mas permanecer em uma condição
pacífica, sem nunca estar eufórica ou deprimida: isso será ‘tranquilidade’.”
(II,4)
Disso parte para as
recomendações:
A de que a maioria dos
homens sofrem de inconstância, mudam insistentemente de objetivos e vivem a
reclamar do que desistiram. Isso gera, de certa forma: “ansiedade”. Noutros
casos, não se trata de inconstância, mas de um certo “comodismo” em permanecer
em situação que lhes causa infelicidade, mas “continuam a viver não da maneira
que desejam, mas da maneira que começaram a viver.” (II,6). E,
mais: há caso, também dos que creem que a maneira de vencer a modorrenta vida
de marasmo é “viajar”, o que mais tarde se constata que se viajou levando os
problemas e se retorna com eles: “Assim, cada um sempre foge de si
mesmo” (II,14).
Conclusão de Sêneca: os
nossos problemas não estão no lugar em que vivemos, na condição em que vivemos;
eles estão em nós.
E, desafia: “Por
quanto tempo vamos continuar fazendo a mesma coisa? (II,15)".
Então, a partir
do cap. III, começa uma lista de conselhos para busca da
tranquilidade da alma.
De Atenodoro,
teria vindo o primeiro, que diz: “O melhor é ocupar-se dos negócios, da
gestão dos assuntos do Estado e dos deveres de um cidadão”. Ou seja, bom é
exercitar-se em algum tipo atividade e fazer sempre o Bem. Recomenda
ainda a filosofia, isso trará ao interessado uma certa dose satisfação
e, resultará em tranquilidade da alma. E, no mínimo fará com que iniciemos uma
vida diferente da maioria. Um bom começo!
Encerrando, por hoje,
no capítulo IX, Sêneca faz uma crítica bem interessante, mas, que
só retomarei num outro momento como este, desta manhã; ele critica os homens
que compram livros e não os estudam. Assim, acrescento, meditar, exercitar-se e
não adotar isso como processo de transformação das nossas vidas, de nada vale.
Fundamental que utilizemos isso tudo em nos tornarmos melhores, apesar dos
pesares!
Ou seja, tudo por realizar ainda...
______.
SÊNECA, Lúcio Aneu. Sobre
a brevidade da vida. Trad. Aldo Dinucci. Campinas, SP: Editora Auster,
2022.
______. Cartas a
Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
______. Da tranquilidade
da alma. (precedido de "Da vida retirada", seguido
de "Da felicidade". Porto Alegre, RS: L&PM,
2009.
______. Sobre a
tranqüilidade da alma (a). Sobre o ócio. (b). São
Paulo: Nova Alexandria, 1994.
______. A
tranqüilidade da alma (a). A vida retirada (b). São
Paulo: Escala, 2000.
Para saber mais
ARRIANO FLÁVIO. O
Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien.
São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).
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