Ao longo do texto de
“O último dia de um condenado”, por exemplo, Victor Hugo
apresenta o momento derradeiro de um indivíduo condenado à “morte”.
Interessante o detalhe
que me fez reler a obra: o crime não é revelado, de início, e Hugo
conduz o leitor pela narrativa, culminando numa fase em que o condenado é
apresentado como alguém que não se arrepende de seu crime, que aparece, em
certa medida, nas outras duas obras que reli e menciono abaixo. Lamenta sim o
que fez, por resultar em outro crime, do Estado, não por tê-lo condenado, mas
por condenar sua filha, que será órfã de pai e estigmatizada, doravante.
O livro de Victor Hugo,
com este tema, me levou à leitura de Dostoiévsky, que em “O Idiota”
retoma o assunto, influenciado pela obra de Hugo.
Ora, dado esse tema, por
ter aparecido nestes autores acima, acabei relendo “O estrangeiro”, de Camus,
que de certa forma, trata na sua vertente, existencialista, o que Hugo e
Dostoiévsky discutem em suas obras, mencionadas acima.
Meu interesse principal:
a "última reflexão" que fazem os indivíduos diante da "sentença
capital".
A estes, como disse
acima, acrescentei “A consolação da filosofia”, de Boécio.
“Se esses soberbos se
virem despojados de seu esplendor vazio deixarão aparecer, esses senhores, as
correntes que os prendem e que eles trazem dentro de si…”
“[...] à Filosofia não é
lícito deixar caminhando sozinho um discípulo seu”
Hoje, como tem sido
disciplinadamente, um instante da manhã é dedicado às reflexões, mesmo
saindo um pouquinho dos referenciais básicos de sempre, passo em revista
os pensamentos e ações, e corrigendas são planejadas e
necessárias. Tendo aprendido esses “exercícios” com as leituras de Thich
Nhat Hahn e os Estóicos, e hoje, abri uma exceção nas
leituras estudadas com esse intuito.
Reabri, após as
releituras citadas acima, bem cedinho, a obra “A consolação da
filosofia”, com o título original: "De phisolophiae
consolatione"; releitura há muito planejada. Decisão bem acertada
e o resultado da leitura foi um ganho enorme! Muito aprendizado!
“Escrita na prisão por
um condenado à morte, essa obra latina do século VI não deve nada, ou
deve muito pouco, às circunstâncias “trágicas” de sua composição. Trata-se de
uma obra-prima da literatura e do pensamento europeu; ela se basta, e teria o
mesmo valor se ignorássemos tudo a respeito daquele que a concebeu entre duas
sessões de tortura, à espera de uma execução. Mas, dado que essa obra-prima não
é anônima, nada perde por ter um autor e ser situada em suas circunstâncias,
torna-se também, assim, o testemunho da grandeza à qual um homem pode
elevar-se pelo pensamento em face da tirania e da morte.”
Ademais:
“O que Boécio nos ensina, com tanta autoridade hoje como no século VI, é que
a única cultura fértil, oral ou escrita, é a que trazemos intimamente em nós,
são os textos clássicos inesgotáveis inseminados na memória e cujas palavras
tornam-se fontes vivas, à prova da tristeza, do sofrimento, da morte. O resto,
de fato, é 'literatura'” (p. 17.)
Basicamente, na obra, Boécio
trata da questão da verdadeira felicidade. Uma profunda
reflexão em tonalidades platônicas.
Portanto, Boécio em
seu livro “A consolação da filosofia” (por exemplo, no Livro
IV), reflete sobre a infelicidade do homem. Defende que a
injustiça que atinge o homem é ilusória e se entende dessa forma devido à sua
limitada capacidade para um olhar mais ampliado sobre a existência. A entrega
aos prazeres efêmeros faz com que o homem opte pelo vício e fuja
da virtude que, ao contrário do que crê, lança-o num processo
destrutivo que o aprisiona a uma perspectiva limitada da existência. A única
rota possível para ampliar a concepção existencial capaz de desviá-lo de
equívocos é o caminho de busca das Virtudes, única via na direção
da verdadeira liberdade. As virtudes elevam o homem acima do nível rasteiro do
comum da humanidade, afasta-o da animalidade. Reconhecer a própria natureza que
torna o homem, efetivamente humano, em “essência”.
Acrescentei, algumas
reflexões a partir de obras que tenho estudado e anotado aqui no Blog,
com elementos de psicologia. Isto na medida em que os temas de certa forma se
entrelacem ou sirvam para análise de conceitos e
aprofundamentos.
(Grifos e destaques
meus)
Enfim, valeram as releituras.
E, voltemos ao trabalho!
______.
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