sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

REFLEXÃO MATINAL CXLV: RETORNANDO AO SILÊNCIO

 

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A partir da releitura de um texto que li em 1999 e copiei para essa página conforme descrição da Fonte abaixo na Nota de rodapé[1] .

E, andei meditando, novamente:

Se o que denominam a "mente", que prefiro chamar aqui de Espírito, frequentemente, está ou em sintonia com o futuro, ou o passado, preocupada, com o acontecido ou que acontecerá, bem fácil defender-se, como se defende, que o presente, não é sentido. É fugidio!

Lembro-me de reflexões de alguns grandes filósofos, entre eles S. Agostinho de Hipona, em que, refletindo à sua época, sobre o tempo, alertava para essa questão quando constatavam que o passado, não é mais; o futuro não é ainda e de que o instante presente é o que flui. Vivemos perdidos em “coisas a fazer” ou que “deveríamos ter feito”. Nosso grande equívoco! 

Dificilmente não se encontrou alguém falando de uma tal “correria” na sua vida. É a tônica da vida contemporânea atabalhoada. Um mundo agitado, barulhento focado no futuro, preso no passado, paradoxalmente cheia de vazios. 

Se se propõe asserenar, então, buscar a paz interior; a reação instantânea é de que é impossível num mundo como esse. 

Tenho refletido e já postei isso aqui mesmo nessa página, hoje só reiterando, para fugir dessa concepção de que é impossível buscar a serenidade [εὐροίας], a moderação (sōphrosúnē - σωφροσύνη) e o controle das paixões. E, procurar o silêncio tem sido um “exercício” para elevar o Espírito, e dar continuidade à Vida. 

E, portanto, mais uma vez, foi essa a “reflexão matinal”:

"A semente da plena consciência se encontra em cada um de nós, mas nos esquecemos de regá-la. Acreditamos que só seremos felizes no futuro, quando conseguirmos uma casa, um carro ou um doutorado. Mantemos uma luta em nossa mente e em nosso corpo e não sentimos a paz e a alegria que temos ao nosso alcance neste preciso instante: o céu azul, as folhas verdes e os olhos de nosso ser querido."

"[...] Manter a calma interior mesmo nas situações mais caóticas e viver uma vida satisfatória [...] não requer longas horas de meditação."

Bastam instantes de "atenção plena"!

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

EPICTÉTE. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

______. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

 

 



[1] "São Paulo, Domingo, 19 de setembro de 1999 – Caderno +mais".

Link: https://marcosfilosofiamoderna.blogspot.com/2018/02/escutar-o-silencio-segundo-peter-burke.html

 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

REFLEXÃO VESPERTINA CXLIV: FRANKL E A "FALTA DE SENTIDO"

 


Mais uma, uma nova obra desta vez, mas sempre a maneira peculiar com que Viktor E. Frankl (1905 – 1997), investigou a questão do "sentido", como vejo, ultrapassa em grande medida, uma mera especulação (tão em voga e disseminada em discursos empolados e vazios). De seus livros, deste inclusive, pelo contrário: é possível extrair de sua posição uma boa reflexão filosófica.

Parte do problema expresso pelo “sentimento de vazio de sentido” que leva as pessoas a procurar o psicólogo e o psiquiatra; um “vazio existencial” e a “depressão”, há muito discutidas nas áreas de saúde, apresentam-se cada vez mais como “doenças do século XXI”; ponto alto da investigação de Frankl em seu livro. O fato de o homem, na maioria das vezes, não saber o que quer deveria, segundo ele, servir para que tal ignorância a respeito de tal "sentido" fosse substituída por uma profunda reflexão sobre a Vida.

Ou seja, a discussão “terapêutica” de Frankl coloca o problema da “busca de sentido” como um tema de fundamental interesse humano, não somente como reflexão que aumente o sentido da existência mas como algo segundo o qual seria impossível viver sem. Buscar sentido em Viver constitui, portanto, para Frankl, a questão existencial primeira. Dado que é um sobrevivente de “campos de concentração” torna-se mais intenso o que ele pretende com a sua proposta: quase que num sentido kantiano de que viver é um dever. A busca pelo sentido, portanto, é imprescindível: viver bem.

Ademais, acrescentando esssa no leitura:

O livro Sobre o sentido da vida: “Os textos reproduzidos neste livro, transcrições de três das conferências ministradas por Viktor Frankl no ano de 1946, têm enorme força e incrível atualidade. Eles refletem sucintamente o conjunto das ideias desse grande médico e psicoterapeuta, difundidas, nas décadas seguintes, por meio de inúmeros artigos e livros. A profundidade com que Viktor Frankl ilumina a conditio humana nesses três textos não tem igual. É, portanto, extraordinário o mérito da [...] publicação deste volume do pensamento de Viktor Frankl para o público atual, em especial para os jovens.” Do Prefácio de Joachim Bauer

(os Grifos e Destaques são meus)

______.

FRANKL, ViktorA falta de sentido: um desafio para a psicoterapia. Auster, 2021.

______. Sobre o sentido da vida. Petrópolis, RJ: Vozes Nobilis, 2022.

______. Psicoterapia e sentido da vida. 7. ed. São Paulo: Quadrante Editora, 2019.

______. O Sofrimento Humano: Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Trad. Bocarro, Karleno e Bittencourt, Renato. Prefácio, Marino, Heloísa Reis. São Paulo: É Realizações, 2019.

______. Yes to Life: in spite of everything. Beacon Press, 2020.

______. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Aparecida, SP: Ideias e letras, 2005.

______. The doctor and the soul: from psycotherapy to logotherapy. New york: Bantam Books, 1955.

______. Psycotherapy and existencialism: selected papers on logotherapy. New York: Simon and Schuster, 1970

______. Angst und Zwang. Acta  Psychotherapeutica, I, 1953, pp. 111-120.

______. Teoria e terapia das neuroses: introdução à logoterapia e à análise existencial. São Paulo: É Realizações, 2016.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 903-912)

ROBERTSON, Donald. The Philosophy of Cognitive Behavioural Therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.

SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

TOLSTÓI, Leon. A morte de Ivan Ilitch. Porto Alegre, RS: L&PM, 1997.

 

domingo, 25 de dezembro de 2022

CLAUDIA BLÖSER: HOFFNUNG IN KRISENZEITEN. “ESPERANÇA EM TEMPOS DE CRISE”

 

Como tem sido comum, as minhas leituras e releituras sobre as discussões sobre a Virtude; não somente entre os estoicos, mas em diversos autores e em meio à sociedade, em geral, acrescento mais uma obra, essa de Claudia Blöser e Titus Stahl, “Psicologia da Esperança” com a qual tive contato através da resenha que estou postando aqui no blog. E, depois, vi sua tese de doutorado sobre Immanuel Kant e artigos.

O tema é a “esperança”, mais uma vez neste vídeo que assisti agora pela manhã, sobre “otimismo e esperança”. E, ainda que não seja tão raro que se ouçam dizer que o mundo atual tem se tornado tão vazio de sentido por não haver uma preocupação com essa questão, sigo refletindo a temática. Meu destaque desde que li pela primeira vez o livro “Psicologia da Esperança” está principalmente em "Hope in Kant", Blöser desenvolve um relato unificado de esperança conforme discutido em uma série de obras de Immanuel Kant (a primeira e a segunda Críticas, a Religião nos limites da simples razão, Fundamentação da metafísica do costumes e os escritos de  Immanuel Kant):

Hoje, acrescento essa “Palestra na Academia, apresentada pelo Diretor da Academia, Frank Vogelsang, com a filósofa Claudia Blöser - Goethe University Frankfurt a.M.:

No início do nosso ano temático 2021, Dra. Claudia Bloser e Dr. Frank Vogelsang em "Esperança em tempos de crise". A conversa aborda questões como:

A esperança é uma virtude humana ou uma expressão de desejo? A esperança leva à ação ou à espera passiva? Qual é a diferença entre esperança e otimismo? Como é criado o poder da esperança? Diante da crise climática, ainda posso ter esperança? E o que constitui o princípio da "esperança radical" descrito pelo filósofo americano Jonathan Lear?

Claudia Blöser é uma filósofa e física alemã da Universidade de Frankfurt.

Seus principais interesses de pesquisa são Immanuel Kant, esperança, perdão e livre arbítrio.

Claudia Blöser estudou física e filosofia na Goethe University em Frankfurt e na University of St Andrews. Em 2005 ela completou seus estudos em 2005 com uma excelente tese sobre estados de energia em uma superrede de semicondutores em campos elétricos e magnéticos cruzados. Em 2012, depois de passar no exame de doutorado (summa cum laude), Blöser recebeu seu doutorado em filosofia com a tese "Atribuição em Kant: a conexão entre pessoa e ação na filosofia prática de Kant". Blöser é consultora acadêmica temporária no Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt desde 2013 e ensina sobre Kant, psicologia moral (especialmente esperança e perdão), ética, racionalidade e livre arbítrio em seus principais tópicos de pesquisa. No semestre de verão de 2017, ela ocupou o cargo de vice-professora de história da filosofia na Universidade de Siegen. Como parte de sua habilitação, Blöser está atualmente pesquisando a questão de "o que é esperança [e] a quais padrões de racionalidade ela está sujeita" e a função da esperança.”

Mais Informações sobre Claudia Blöser:

A Resenha: 

Por: Daniel Telech, Polonsky Academy, Van Leer Jerusalem Institute. Disponível em Notre Dame PhilosophicalReviews. Acesso em: 06.03.2021: 

...

Sobre o tema da modernidade científica na Academia Evangélica da Renânia:

 ______.

BLÖSER, Claudia; STAHL, Titus (eds.). The Moral Psychology of Hope. Rowman and Littlefield, 2020. 302pp.

Referência no Artigo de (BLÖSER, 2020):

CHIGNELL, Andrew. “Rational Hope, Moral Order, and the Revolution of the Will.” In: Divine Order, Human Order, and the Order of Nature: Historical Perspectives, edited by Eric Watkins, 197–218. Oxford: Oxford University Press, 2013.

______. “Religious Dietary Practices and Secular Food Ethics; or, How to Hope that Your Food Choices Make a Difference Even When You Reasonably Believe That They Don’t.” InOxford Handbook on Food Ethics, edited by Anne Barnhill, Mark Budolf[1]son, and Tyler Doggett, 287–312. Oxford: Oxford University Press, 2018.

EBELS-DUGGAN, Kyla. “The Right, the Good, and the Threat of Despair. (Kantian) Ethics and the Need for Hope in God.” InOxford Studies in Philosophy of Religion, Volume 7, edited by Jonathan Kvanvig, 81–110. Oxford: Oxford University Press, 2016.

FLIKSCHUH, Katrin. “Hope or Prudence: Practical Faith in Kant’s Political Thinking.” InFaith and Reason. International Yearbook of German Idealism (7/2009), edited by Jürgen Stolzenberg and Fred Rush, 95–117. Berlin/New York: de Gruyter, 2010.

HAN-PILE, Béatrice. “Hope, Powerlessness, and Agency.” Midwest Studies in Philosophy XLI: 175–201. 74, 2017.

INSOLE, Christopher. “The Irreducible Importance of Religious Hope in Kant’s Conception of the Highest Good.” Philosophy 83 (325): 333–51, 2008.

MARWEDE, Florian. Das Höchste Gut in Kants Deontologischer Ethik. Berlin/New York: de Gruyter, 2018.

WATKINS, Eric. “The Antinomy of Practical Reason: Reason, the Unconditioned and the Highest Good.” In: Kant’s Critique of Practical Reason: A Critical Guide, edited by An[1]drews Reath and Jens Timmermann, 168–96. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. 

WILLASCHEK, Marcus. “The Primacy of Practical Reason and the Idea of a Practical Postulate.” In: Kant’s Critique of Practical Reason. A Critical Guide, edited by Andrews Reath and Jens Timmermann, 168–96. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

______. “Must We Believe in the Realizability of Our Ends? On a Premise of Kant’s Argument for the Postulates of Pure Practical Reason.” In: The Highest Good in Kant’s Philosophy, edited by Thomas Höwing, 223–44. Berlin/New York: De Gruyter, 2016.

WIMMER, Reiner. Kants kritische Religionsphilosophie. Berlin/New York: de Gruyter, 1990.

WOOD, Allen.  Kant’s Moral Religion. Ithaca/London: Cornell University Press, 1970.

ZÖLLER, Günther. “Hoffen—Dürfen. Kants kritische Begründung des moralischen Glaubens.” In: Glaube und Vernunft in der Philosophie der Neuzeit, edited by Dietmar H. Heide[1]mann and Raoul Weicker, 245–57. Hildesheim/New York: Olms 2013. 

ZUCKERt, Rachel. “Is Kantian Hope a Feeling?” InKant and the Faculty of Feeling, edited by Kelly Sorensen and Diane Williamson, 242–59. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.

 

BIBLIOGRAFIA ACRESCENTADA

BLÖSER, Claudia. Zurechnung bei Kant: Zum Zusammenhang von Person und Handlung in Kants praktischer Philosophie. Berlim: W. Gruyter, 2014.

BORGES, Maria. Borges. Razão e emoção em Kant. Pelotas, RS: Editora e Gráfica Universitária, 2012. 

______. Emotion, Reason, and Action in Kant. Bloomsbury Academic, 2019.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1994.

______. Crítica da razão prática. Edição bilíngüe.Tradução Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

____. Crítica da faculdade do juízo. Trad.Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

______. Dissertação de 1770. De mundi sensibilis atque inteligibilis forma et principio. Akademie-Ausgabe. Trad. Acerca da forma e dos princípios do mundo sensível e inteligível. Trad., apres. e notas de L. R. dos Santos. Lisboa: Imprensa Casa da Moeda. FCSH da Universidade de Lisboa, 1985.

______. Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2014)

______. Prolegômenos a toda metafísica futura. Lisboa: Edições 70, 1982.

______. Die Religion Innerhalb Der Grenzen Der Bloße Vernunft. Walter de Gruyter, 2010. (Editado por Ottfried Höffe)

______. Die Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft. W. de Gruyter, 1968.

______. A religião nos limites da simples razão. Edições 70, Lisboa, 1992. 

______. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime; Ensaio sobre as doenças mentais. Tradução e estudo de Vinicius de Figueiredo. São Paulo: Editora Clandestina, 2018.

______. Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime; Ensaio sobre as doenças mentais. (Trad. Vinícius Figueiredo). Campinas, SP: Ed. Papirus, 1993.

______. Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime; Ensaio sobre as doenças mentais. Lisboa: Edições 70, 2012.

______. Lições de ética. Trad. Bruno Cunha e Charles Fedhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

PHILONENKO, Alexis. Études kantiennes. Librairie philosophique J. Vrin, Paris, 1982.

REFLEXÃO MATINAL CXLIII: A VIDA FELIZ (DE VITA BEATA) E EUDAIMONIA

(IMAGEM: "Pinterest")

Reeditando uma reflexão já realizada aqui, sobre um texto de Sêneca e um de Epicuro, trantando da "vida feliz". 

Enquanto evito a “multidão”, numa breve pausa nos estudos do dia, releio Sêneca e o que coloco na biliografia para fundamentar essa brevíssima "reflexão matinal":

"Quando se trata da felicidade, não é adequado que me respondas de acordo com o costume da separação dos votos : 'A maioria está deste lado, então, do outro está a parte pior'. Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem à maioria. A multidão é argumento negativo. Busquemos o melhor, não o mais comum, aquilo que conceda uma felicidade eterna, não o que aprova o vulgo, péssimo intérprete da verdade. Chamo vulgo tanto àqueles que vestem a clâmide quanto aos que carregam coroas. Não olho a cor das roupas que adornam os corpos, não confio nos olhos para conhecer o homem. Tenho um instrumento melhor e mais confiável para discernir o verdadeiro do falso; o bem do espírito, só o espírito o há de encontrar”. (Sêneca. In: "Vida Feliz")

Nesse contexto reli mais uma vez, há poucos dias, um livrinho: A Carta sobre a felicidade, de Epicuro a Meneceu; em seguida retomei as Cartas de Sêneca a Lucílio e por fim, A vida feliz, de Sêneca. A estes, acrescentei releituras de comentários sobre as obras e escrevi, para minhas retomadas futuras, em exercícios, o que anotei abaixo.

Sêneca, em seu livro A vida feliz se opõe a Epicuro que defende o prazer como a fonte da felicidade.

Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

Cabendo ressaltar que ‘Feliz’ na discussão entre estoicos e epicuristas, é o equivalente da palavra grega eudaimonia (εὐδαιμονία), que pode ser traduzida como “vida digna de ser vivida”, “vida boa”, “plenitude do ser”.

Os estoicos defendem que a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos; uma vida virtuosa.

Diz Sêneca que não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) a conclusão é que a solução é ter como objetivo a virtude, a felicidade será consequência.

Ademais:

Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

Fica claro, portanto, uma recomendação: a de que não devemos associar a virtude ao prazer, pois se assim o fizermos acabaremos adentrando territórios não virtuosos, seduzidos pelo prazer "desregrado". 

____.

E, ainda adverte Sêneca:

"Quer saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão!"

1. [...]
"Refugia-te em ti próprio quanto puderes; dá-te com aqueles que te possam tornar melhor, convive com aqueles que tu possas tornar melhores. Há que usar de reciprocidade: enquanto se ensina aprende-se também. Por vão desejo de tornares conhecido o teu talento não deves misturar-te com o público a ponto de desejares fazer leituras ou participar em debates. Aconselhar-te-ia a fazê-lo se tivesses mercadoria adequada a esta gente; mas entre ela não há quem pudesse entender-te. É possível que casualmente apareça um ou outro de cuja formação e educação te devas encarregar até o elevares ao teu nível. “Mas então, em proveito de quem estudei eu?” Não tenhas receio: se tiveres estudado em teu proveito não terás perdido tempo.

[...]
Estes pensamentos, caro Lucílio, tens que interiorizá-los, para reprimir o prazer oriundo do aplauso da multidão. Quando muitos te cobrirem de louvores, verifica se ainda tens motivo de agrado ante ti próprio, já que és homem que muitos possam entender! Os teus autênticos bens são apenas do foro íntimo." (SÉNECA, 2014).

2. Grande representante do Estoicismo; Sêneca estava preocupado com a aplicação da filosofia à vida cotidiana. Em como podemos tirar proveito do estoicismo para nosso crescimento pessoal, para que possamos viver felizes, sem medo e pacificamente. Para que tenhamos forças em enfrentar os reveses da vida, as tristezas. Neste livro, dirigido a seu irmão, Sêneca aborda os temas abaixo:

  • Quais são os conceitos básicos de felicidade?
  • 'Qual é o caminho para a felicidade”
  • Como usar prazer e não ser usado por ele?
  • Por que devemos ignorar as críticas e buscar a virtude?
  • Como aproveitar a riqueza que pode surgir em nosso caminho e não ser um escravo dela?
  • Como entender a nós mesmos?
  • O estoicismo oferece uma maneira para abordagem da felicidade e Sêneca aqui, é uma excelente oportunidade de reflexão.
  • O autor, Chuck Chakrapani[1], apresenta os temas de maneira bem didática e bastante acessível.

(Grifos e Destaques são meus)

______.

Para sabe mais:

CHAKRAPANI, Chuck. Stoic happiness: Seneca ‘On the Happy Life’, The Stoic Gym Publications 2019. (e-Book)

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.

EPICURO. Carta sobre a felicidade: a Meneceu. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.

ESPINOSA, Maria José Hernández. Epicuro e Séneca: leyendo Carta a Meneceo y La vida feliz. Publicacions de la Universitat de València, 2009.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. São Paulo: Ed. Círculo do livro, 1992.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 625; 907-912; 919-921 ).

LEBRUN, Gérard. O conceito de paixão. In: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

______. Da tranquilidade da alma. (precedido de "Da vida retirada", seguido de "Da felicidade". Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.

______. Lucio Aneu. Vida Feliz. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.



[1] If you want to be happy, don't follow the crowd,” warns Seneca, one of the best exponents of Stoicism.Seneca was concerned about applying Stoicism to everyday life. How to make Stoicism work for us, so we can live happily, fearlessly, and peacefully?In this short book addressed to his brother, Seneca addresses the problem of happiness.* What are the basics of happiness?* What is the path to happiness?* How to use pleasure and not be used by it?* Why should we ignore criticism and pursue virtue?* How to enjoy wealth that comes our way and not be a slave to it?* How to understand ourselves?Stoicism offers a way to happiness and we can have no better guide than Seneca.In this Plain English rendition of Senecca's classic treatise on happiness, Chuck Chakrapani makes ancient philosophy both current and accessible for modern readers."

 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O ESTOICISMO NÃO O FARÁ "FELIZ": UMA REFLEXÃO SOBRE A “CULTURA DA AUTOAJUDA MODERNA”

(IMAGEM: Da obra de Rembrandt Van Rijn, de 1632. In: "Pinterest")

REFLEXÃO MATINAL:

“Viver de acordo com a natureza corresponde a viver de acordo com o melhor de nossa natureza humana, que é o divino dentro de nós que nos inspira a viver vidas excelentes (virtuosas)”. (RUFUS)

Nessa manhã como tem sido e será assim, por um bom tempo, estudando Immanuel Kant e sobre Pseudociência, faço esta breve pausa para escrever e anotar algumas reflexões para retomada e prosseguimento sobre o “As Diatribes de Epicteto - Livro I”, recém traduzido e que antes só tinha lido a versão bilingue em grego e francês.

A isso, aproveitando a pausa, reli alguns trechos da obra de John Sellars sobre o Estoicismo como este deve ser e que, como ele mesmo diz, põe “[...]em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna.  está bibliografia.

Para começar, portanto, segundo Sellars, a partir de Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira: 

A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)

Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.

Ora, sendo totalmente outra a empreitada a qual me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e prático: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si). É projeto em andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente SênecaEpictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema! Acrescentados, na verdade a uma filosofia de vida já adotada adolescência e desenvolvida dia a dia.

E, como sempre, enquanto faço mais uma das necessárias pausas no texto principal, vou terminando a releitura de alguns capítulos desse excelente livro de John Sellaers: “The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy”. 

No que acrescento aqui, hoje, como “reflexão matinal”, à maneira dos estoicos, tomo como ponto de partida, um trecho de outro texto de John Sellars  (SELLARS, 2016). A este, acrescento um comentário feito há algum tempo e uma série de sugestões de leituras das que tenho feito e indicado aqui[1]

"Muitos dos que estão interessados ou se têm envolvido no renascimento do estoicismo dirão que ele pode ajudar-nos a ter uma vida melhor e mais feliz. À primeira vista, é possível que isso nos leve a considerar a ressurgência do interesse pelo estoicismo como parte da “indústria da felicidade”. Aos insatisfeitos, desiludidos e deprimidos que procuraram em vão algo para alegrá-los, talvez o estoicismo seja a próxima coisa a ser tentada para ajudá-los a superar a tristeza e a recuperar a joie de vivre. Se falarmos do estoicismo como forma de terapia ou como dotado de elementos terapêuticos, decerto tal impressão pode ser transmitida: o estoicismo oferece uma terapia, mas uma terapia para tratar o quê? Parece natural supor que a resposta seja: “uma terapia para tratar a infelicidade”. Com efeito, os estoicos antigos visavam à eudaimonía, o que normalmente se traduz por “felicidade”.

O que desejo é pôr em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna. Não se trata de pensar de uma dada maneira a fim de garantir dentro de si um sentimento cálido, vago.”

A isso acrescento, um outro texto que reli ontem à noite e está disponível em: 

https://www.google.com/url?q=https://stoagallica.fr/lascese-des-stoiciens-un-mode-de-vie-austere/&source=gmail&ust=1658658830031000&usg=AOvVaw3ZS1VvMSQ0TZxsC3cf7Eqo

Li, neste texto o seguinte:  

 


[1] Texto traduzido por Donato Ferrara. John Sellars é pesquisador no Departamento de Filosofia do King’s College de Londres e autor de obras como The art of living (2003) e Stoicism (2006), além de diversos artigos sobre filosofia antiga e renascentista. Mantém o blog “Miscellanea Stoica“, voltado para um público não exclusivamente acadêmico, e um site oficial. Publicado em 15/10/2016 em “Miscellanea Stoica”.

“Um dos principais preconceitos sobre o sábio estóico é seu extremo ascetismo, sua recusa de todo prazer e, em geral, sua austeridade. Sim, o estoicismo requer ascetismo. Mas que tipo de ascetismo? E o ascetismo estóico é o objetivo do modo de vida filosófico ou é o meio preferido pelos estóicos para atingir esse objetivo, a saber, uma vida boa e virtuosa, que traz alegria e felicidade na vida cotidiana, em todas as circunstâncias da vida e quaisquer que sejam? nessas circunstâncias (seja pobreza, morte de um ente querido, perda de propriedade, exílio ou mesmo sofrimento físico)?

Não surpreende que tal meta exija um esforço, que se encontra na própria etimologia do termo ascetismo: askesis, em grego, é exercício, prática ou treino. O ascetismo é, portanto, uma preparação, que exige certo esforço. Ser estóico não é fácil. Mas o que é esse ascetismo estóico e até que ponto ele impede o estóico de saborear os prazeres da vida cotidiana? Até onde vai essa ascese, e que prazer ou que alegria a ascese estóica nos permite experimentar?”

Fontehttps://stoagallica.fr/

(Grifo e Destaques meus)

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DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta MinoraIn: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

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O SUPOSTO "CONFLITO CIÊNCIA X RELIGIÃO" (II)

Recentemente, acrescentei, uma obra de  Alvin Plantinga  que até recentemente não conhecia: “ Ciência, religião e naturalismo:  onde está o ...