sábado, 4 de março de 2023

REFLEXÃO MATINAL CLIX: "EUGNOMOSYNE"

(IMAGEM: “René Magritte (1898-1967), La Clef des champs, 1936. Oil on canvas (80 x 60 cm). Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid)

Uma pequena reflexão sobre a nobreza de sentimentos e o equilíbrio da razão num mundo com tanta disparidade sobre esse tema e muito barulhento.

A razão é igual à razão, tal como a rectidão é igual a si mesma; por conseguinte toda a virtude é igual à virtude, pois a virtude outra coisa não é senão a razão recta. Todas as virtudes são formas da razão; são formas da razão se forem todas rectas e se forem rectas são todas iguais.” (SÊNECA. 204. Carta LXVI. 32

De uma conversa breve com um amigo sobre essas questões que resolvi anotar abaixo como acréscimo às reflexões o que creio há anos seja esta uma postura do “prokoton”: a busca pelo equilíbrio.

Acrescento uma frase de Epictetus e avanço nessa brevíssima reflexão:

"Proteja o bem que existe em você em tudo o que você fizer, e no que diz respeito a todo o resto, receba o que lhe for dado enquanto puder fazer uso sensato. Se não puder, não terá sorte, estará propenso a falhar, perturbado e limitado" (Epictetus).

E, após os trabalhos de hoje, no termo "eugnomosyne" (Epicteto, D.II, 6.2), na concepção mesma que tinham os antigos "estoicos", por exemplo, como significando "nobreza de sentimentos", e me ocorreu prosseguir com o que anotei abaixo.

Ai dos que se propõe asserenar e buscar "eugnomosyne" em dias como os atuais! Mesmo se esse, em meio às dificuldades e limitações, coloque a busca pela paz interior na ordem do dia haverá sempre a postura dos que digam ser impossível num mundo agitado e barulhento como este. E, se adaptam!

Mas, sabe-se, por outro lado:

De fato, o que é necessário não é a abundância, mas sim a eficácia das palavras. Devemos distribuí-las como se fossem sementes; ora uma semente, ainda que minúscula, se cai em terra favorável, multiplica suas forças e alcança, de exígua que era, dimensões assaz consideráveis. O mesmo sucede com a razão. À primeira vista não parece ter grande raio de ação; mas à medida que vai agindo ganha força. As nossas palavras são breves, mas se o espírito as acolher favoravelmente, elas enrijarão e florescerão. É como te digo, a condição das nossas sentenças é semelhante à das sementes: os frutos são numerosos, as dimensões muito reduzidas! Basta apenas, como já disse, que um espírito propício as entenda e as interiorize; se assim for, em breve esse espírito estará por sua vez a produzir muitas outras, mais numerosas mesmo do que as recebidas.” (SÊNECA a Lucílio. Carta XXXVIII)

Ademais, “ser estoico, afinal, o que é?  Do mesmo modo que chamamos “fidíaca” a estátua modelada segundo a arte de Fídias, mostrai-me igualmente um ser humano enfermo e feliz, em perigo e feliz, desprestigiado e feliz. Mostrai-me. Pelos deuses! Desejo ver um estoico. (EPICTETO. D. 2.19.23-27).”

Talvez, não ser um estoico, sabido que já tenho uma “filosofia de vida” bem definida a orientar-me, como também sempre destaco aqui, mas revisitar as obras clássicas, é o desafio posto e mantido. Não dá para aceitar nem cogitar minimamente, as estapafúrdias tagarelices das propostas hodiernas.

No exercício de hoje para uso cotidiano, escolho encerrar com dois pequenos textos; um de Sêneca, outro de Aristóteles:

Queres saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão! Ainda não estás em estado de frequentá-la em segurança. Eu confesso-te sem rodeios a minha própria fraqueza: nunca regresso com o mesmo caráter com que saí de casa; algo que já pusera em ordem é alterado, algo do que já conseguira eliminar, regressa!” (SÉNECA. 2014).

"A multidão mais grosseira considera que o bem e a felicidade é o prazer, e consequentemente adoram uma vida de gratificação […] Assim, parecem completamente escravizados, dado escolherem uma vida que pertence aos ruminantes. Mas têm realmente um argumento em sua defensa, dado que muitos dos poderosos […] têm a mesma convicção. (ARISTÓTELES. 1095 b; 16-23)"

São "exercícios" pessoais de reflexão. Abaixo, algumas indicações de leituras por onde tenho caminhado. Muito a aprender, corrigir e superar ainda!

Voltando aos estudos! 

(Grifos destaques são meus)

 

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

EPICTÉTE. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008. 

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue). 

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008. 

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

SCHELLE, Karl Gottlob. A arte de passear. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

______. Lucio Aneu. Vida Feliz. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

______. Edificar-se para a morte: das cartas morais a Lucílio. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

______. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.

SOLNIT, Rebecca. Wanderlust: a history of walking. Penguim books, 2001.

THOUREAU, Henry David. Andar a pé: um ritual interior de sabedoria e liberdade. Loures: Editora Alma dos livros, 2021.

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