(IMAGEM: “René Magritte (1898-1967), La Clef des champs,
1936.
Oil on canvas (80 x 60 cm).
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid)
Uma pequena reflexão sobre a nobreza de sentimentos e o equilíbrio da razão num mundo com tanta disparidade sobre esse tema e muito barulhento.
“A razão é igual à razão, tal como a rectidão é igual a si mesma; por conseguinte toda a virtude é igual à virtude, pois a virtude outra coisa não é senão a razão recta. Todas as virtudes são formas da razão; são formas da razão se forem todas rectas e se forem rectas são todas iguais.” (SÊNECA. 204. Carta LXVI. 32
De uma conversa breve com um amigo sobre essas questões que resolvi anotar abaixo como acréscimo às reflexões o que creio há anos seja esta uma postura do “prokoton”: a busca pelo equilíbrio.
Acrescento
uma frase de Epictetus e avanço nessa brevíssima reflexão:
"Proteja
o bem que existe em você em tudo o que você fizer, e no que diz respeito a todo
o resto, receba o que lhe for dado enquanto puder fazer uso sensato. Se não
puder, não terá sorte, estará propenso a falhar, perturbado e limitado" (Epictetus).
E,
após os trabalhos de hoje, no termo "eugnomosyne"
(Epicteto, D.II, 6.2), na concepção mesma que tinham os antigos
"estoicos", por exemplo, como significando "nobreza de
sentimentos", e me ocorreu prosseguir com o que anotei abaixo.
Ai
dos que se propõe asserenar e buscar "eugnomosyne" em
dias como os atuais! Mesmo se esse, em meio às dificuldades e limitações,
coloque a busca pela paz interior na ordem do dia haverá sempre a postura dos
que digam ser impossível num mundo agitado e barulhento como este. E, se
adaptam!
Mas,
sabe-se, por outro lado:
“De
fato, o que é necessário não é a abundância, mas sim a eficácia das palavras.
Devemos distribuí-las como se fossem sementes; ora uma semente, ainda que
minúscula, se cai em terra favorável, multiplica suas forças e alcança, de
exígua que era, dimensões assaz consideráveis. O mesmo sucede com a razão. À
primeira vista não parece ter grande raio de ação; mas à medida que vai agindo
ganha força. As nossas palavras são breves, mas se o espírito as acolher
favoravelmente, elas enrijarão e florescerão. É como te digo, a condição das
nossas sentenças é semelhante à das sementes: os frutos são numerosos, as
dimensões muito reduzidas! Basta apenas, como já disse, que um espírito
propício as entenda e as interiorize; se assim for, em breve esse espírito
estará por sua vez a produzir muitas outras, mais numerosas mesmo do que as
recebidas.” (SÊNECA a Lucílio. Carta XXXVIII)
Ademais,
“ser estoico, afinal, o que é? Do mesmo modo que chamamos “fidíaca” a
estátua modelada segundo a arte de Fídias, mostrai-me igualmente um ser humano
enfermo e feliz, em perigo e feliz, desprestigiado e feliz. Mostrai-me. Pelos
deuses! Desejo ver um estoico. (EPICTETO. D. 2.19.23-27).”
Talvez, não ser
um estoico, sabido que já tenho uma “filosofia de vida” bem
definida a orientar-me, como também sempre destaco aqui, mas revisitar as obras
clássicas, é o desafio posto e mantido. Não dá para aceitar
nem cogitar minimamente, as estapafúrdias tagarelices das propostas hodiernas.
No exercício de
hoje para uso cotidiano, escolho encerrar com dois pequenos
textos; um de Sêneca, outro de Aristóteles:
“Queres
saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão! Ainda não
estás em estado de frequentá-la em segurança. Eu confesso-te sem rodeios a
minha própria fraqueza: nunca regresso com o mesmo caráter com que saí de casa;
algo que já pusera em ordem é alterado, algo do que já conseguira eliminar,
regressa!” (SÉNECA. 2014).
"A
multidão mais grosseira considera que o bem e a felicidade é o prazer, e
consequentemente adoram uma vida de gratificação […] Assim, parecem
completamente escravizados, dado escolherem uma vida que pertence aos
ruminantes. Mas têm realmente um argumento em sua defensa, dado que muitos dos
poderosos […] têm a mesma convicção. (ARISTÓTELES. 1095 b;
16-23)"
São
"exercícios" pessoais de reflexão. Abaixo, algumas indicações de
leituras por onde tenho caminhado. Muito a aprender, corrigir e superar ainda!
Voltando
aos estudos!
(Grifos e destaques são
meus)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição
Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos
e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de
Sergipe, 2012).
EPICTÉTE. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
______. The Discourses
of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad.
Oldfather. Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
GAZOLLA, Rachel. O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.
SCHELLE,
Karl Gottlob. A arte de passear. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
______. Lucio Aneu. Vida Feliz. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
______. Edificar-se
para a morte: das cartas morais a Lucílio. Petrópolis, RJ: Vozes,
2016.
______. Sobre
a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.
SOLNIT,
Rebecca. Wanderlust: a history of walking. Penguim books,
2001.
THOUREAU, Henry David. Andar a pé: um ritual interior de sabedoria e liberdade. Loures: Editora Alma dos livros, 2021.
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