Entre
eles, Musônius Rufus teria dito que “Todos nós
fomos feitos pela natureza, de forma que possamos viver livre de erros e de
forma nobre, não que um possa e outro não possa, todos podemos.”
Também
não é difícil encontrar, atualmente, opositores ensandecidos, desequilibrados,
a insistirem na negação de que se possa nascer com inclinação para as
virtudes. Preferem defender que possa haver no homem uma natureza corrupta em
si mesma do que admitir que, na verdade, haveria a possibilidade de que uma
certa “natureza humana” pudesse ter se corrompido; que se tenha tomado direções
equivocadas e desviado da meta, a qual como diz Musonius Rufus: “todos
podemos” chegar. E, a filosofia seria uma ferramenta para retorno à
nossa verdadeira “natureza humana”.
O
que se aprenderá com a filosofia, no modo defendido aqui é que ela pode sim
revelar-nos uma "essência" em nós. O erro será uma constante
mesmo na vida de quem persista em agir corretamente, daí não se poder ratificar
que há uma natureza corrompida; pelo contrário, o que haveria é que, no
exercício cotidiano a ocorrência dos erros e dos desvios de rota sempre se
apresentam.
Isso,
exigirá sempre, uma profunda e repetida reflexão, por parecer apontar na
direção de uma solução distante e quase impossível. Os Estoicos, defendem
que qualquer um pode reverter um mau comportamento, reparar os erros e se
reorientar na direção no caminho das Virtudes dedicando-se ao estudo
regular, constante e disciplinado da filosofia. Para eles a prática das
virtudes começa por aí e prossegue-se aprendendo a separar o que é bom (virtude)
do que é mau (vícios).
A
meta, portanto: aprendermos a admitir que há coisas às quais
podemos impor nosso controle e há coisas que fogem da nossa alçada e é pífio o
poder de termos controle sobre elas. O que a proposta dos Estóicos sugere
é que se exercite as ações em consonância com as que fogem ao nosso domínio,
que estariam, talvez, no domínio das leis naturais. A Filosofia é
tomada, portanto, como prática diária na correção dos
erros e na compreensão e aceitação das próprias limitações.
Uma
profilaxia? Educação?
Ademais,
"Devemos viver como médicos, tratando a nós mesmos com a razão, contra os males de não usá-la" (Musónio Rufo)*
Não alimentar hábitos ruins; reeducar-se no restabelecimento da saúde.
Medidas profiláticas a evitar desvios futuros. O projeto iniciado, já há algum tempo, prossegue.
"Eu dividi meu dia
ontem com a doença; ela reivindicou para si todo o período antes do meio-dia; à
tarde, porém, cedeu. E então eu primeiro testei meu espírito lendo; então,
quando a leitura foi possível, ousei fazer mais exigências ao espírito, ou
talvez eu diria, fazer mais concessões a ele. Escrevi um pouco, e com mais
concentração do que o habitual, porque estou lutando com um assunto difícil e
não quero ser derrubado. No meio disto, alguns amigos me visitaram, com o
propósito de empregar força e de me conter, como se eu fosse um doente que se
entregasse a algum excesso.
Assim, a conversa substituiu a escrita; e desta conversa vou comunicar-lhe o tema que ainda é objeto de debate; pois nós o designamos árbitro. Você tem uma tarefa mais árdua em suas mãos do que imagina, pois o argumento é triplo. Nossos filósofos estoicos, como você sabe, declaram que há duas coisas no universo que são a fonte de tudo: a causa e a matéria. Matéria jaz lenta, uma substância pronta para qualquer uso, mas certa de permanecer desempregada, se ninguém a coloca em movimento. A causa, no entanto, pela qual queremos dizer a razão, molda a matéria e a transforma em qualquer direção que deseja, produzindo assim vários resultados concretos. Consequentemente, deve haver, no caso de cada coisa, aquilo de que é feita, e, em seguida, um agente pelo qual ela é feita. O primeiro é o seu material, este último a sua causa. (SÊNECA, 2014, Carta LXV, 1-2)"
O foco: desenvolver a Sabedoria prática; uma tarefa difícil e extremamente relevante do ponto de vista existencial estudado aqui nesta página.
Reconstruir trajetórias, desde o início, com o propósito de reedificar o “ponto de vista”, olhar do presente para o passado e a partir dos erros a evitar; redirecionar, em bases firmes, o futuro e os objetivos.
Fundamental que se busque a elevação, considerando com serenidade o progresso. Estar no caminho; fazer sempre o melhor. E, retomando alguns trechos de obras estudadas para reflexão matinal de hoje, reli o trecho abaixo:
“Para Epicteto, o ato de pôr em prática a filosofia supõe o afastamento das coisas exteriores e o aperfeiçoamento da capacidade de escolha, de modo a ‘torná-la harmoniosa à natureza, elevada, livre, desimpedida, desembaraçada, leal, digna com a natureza’ (Diss. 18). Essa liberação e valoração da capacidade de escolha só é possível, segundo Epicteto, com a aplicação do primeiro teorema exposto em (Diss. 1.1 e Ench.1): ‘das coisas, umas estão sob nosso encargo (aquelas relacionadas à capacidade de escolha), outras não. As primeiras são livres e desimpedidas por natureza (pois temos o poder de tomá-las ao nosso encargo e sermos, consequentemente, livres como elas). As outras são servis, pois estão sob o poder alheio (das forças da natureza e de outros seres humanos)’. Se nos ligarmos a estas, alerta Epicteto, desejando-as ou evitando-as, acabamos por perder a possibilidade de sermos livres, submetendo-nos à mesma necessidade que as governa (Diss. 1.18.19). Não se submeter às coisas exteriores significa ter uma nova atitude diante delas: não vê-las como coisas boas ou más em si mesmas, não se queixar ou lamentar-se diante delas (Diss. 1.18.23), mas enfrentá-las como serenidade e coragem.". (DINUCCI, Aldo. In: P E R I, v . 0 8, n . 0 2, 2016 . p . 1 7 7 - 1 9 1)
Viver! Sempre viver!
“Mantenha-se forte; mantenha-se bem” (Sêneca)
______.
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DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DIÓGENES LAÉRCIO. Lives of Eminent Philosophers. vol. I, II.Trad. R. D. Hicks. Harvard: Loeb Classical Library, 1925.
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