Hoje,
acabei de ler um livro de Honoré de Balzac: “A pele de Onagro”
que me levou a repensar na reflexão que fiz abaixo, sobre “desejos” materiais
infundados e o que Sêneca chama de “gloríola”.
Começando
por uma frase no texto: "Querer nos queima e poder nos
destrói".
Resumo do livro:
“O jovem aristocrata Raphaël de Valentin está desesperado por ter
fracassado na vida e no amor, e planeja o suicídio. Justo nesse momento, ele
encontra um velho e estranho antiquário que o presenteia com uma milagrosa pele
de onagro (espécie de jumento encontrado no Oriente), que confere ao dono
poderes especiais, satisfazendo todos os seus desejos. Porém, sobre o maléfico
talismã paira um misterioso feitiço, e, a cada desejo atendido, ele encolhe e
encurta a vida do proprietário. O fim da pele de onagro é o fim da vida; o ônus
pelo êxtase de todos os desejos realizados. Em meio à frivolidade da sociedade
francesa dos anos 1830, Raphaël sucumbe aos prazeres mundanos, aos
encantos da corte, ao conforto da fortuna e à magistral beleza da condessa Fedora,
em detrimento da sincera e humilde Pauline. Ele, que sonhava em
conquistar o mundo, descobre ao custo da própria existência que "Querer
nos queima e Poder nos destrói". Publicado em 1831, A pele de onagro é um
livro do início da carreira de Balzac. Um dos mais originais romances do
autor – e o primeiro a se tornar best-seller –, introduz uma série de
personagens que se eternizariam em outros títulos e antecipa tanto a literatura
fantástica quanto o realismo fantástico do século XX.”
O que me levou a ler esse livro foi ter assistido um filme, adaptação desta obra de Balzac:
O
filme: “La Peau de Chagrin”. Honoré de Balzac's novel. (Adaptação)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=xZ0kBw7EV-g
A referência do livro está abaixo...
A
reflexão sobre desejos que o livro e o filme me fizeram fazer:
A
inúmera quantidade e crescente diversificação das vãs competições revelam
nossas fraquezas; dão forças e servem para inflar o “ego”. Definitivamente,
nossos inimigos somos nós mesmos.
No
entanto, sem o esforço da busca, interior, é impossível a alegria do encontro
consigo mesmo. Ou, se vai ao interior, ou se investe em exterior; impossível
trilhar dois caminhos ao mesmo tempo. (MARQUINHOS, 2018).
Ou,
como disse Epicteto:
"Quem se concentra na busca das coisas exteriores mostra que as valoriza mais que os bens interiores (que são adquiridos através de reflexão e uma prática que esteja em conformidade com essa reflexão). Sendo assim, necessariamente deixará em segundo plano a busca pelos bens interiores.” (EPICTETO. trad. Aldo Dinucci)
É bastante significativo que a natureza, para poetas e pensadores em geral, muitas vezes seja reconhecida como lugar do “divino”. Para os estóicos, por exemplo, “viver de acordo com a natureza” deveria ser o maior objetivo a ser alcançado pelos seres humanos através do uso e disciplina da razão.
“E
o que é que a razão exige dele? A coisa mais fácil do mundo, – viver de acordo
com sua própria natureza. Mas isso é transformado em uma tarefa difícil pela
loucura geral da humanidade; nós impulsionamos um ao outro ao vício. E como
pode um homem ser lembrado para a redenção, quando não tem ninguém para
refreá-lo, e toda a humanidade para instigá-lo?” (Sêneca. XLI, 9)
Há
quem ainda insista em defender um "conflito" entre "religião e
filosofia". De tal forma que "religião" freqüentemente é
mostrada como “fé cega”, até mesmo fanatismo. No entanto, o estoicismo de Sêneca
e Epicteto alinhava reflexões nos dois campos, da “religião” e
da “filosofia”, a partir do cerne da discussão daí advinda: a razão em
harmonia com as leis naturais!
“Deus
está perto de você, ele está com você, ele está dentro de você. É isso que
quero dizer, Lucílio: um espírito santo mora dentro de nós, aquele que anota
nossas boas e más ações e é nosso guardião. À medida que tratamos esse
espírito, também somos tratados por ele. De fato, nenhum homem pode ser bom sem
a ajuda de Deus.” (Sêneca. XLI, 1-2)
Na
mesma carta, Sêneca, reforça isso no sentido de que basta que estejamos
alinhados com a simplicidade da natureza, ela mesmo, nos fará perceber um certo
ar de reverência "religiosa" na presença de um local em que é notado
algo de "numinoso" e, comenta que a presença em lugares como
bosques, cavernas, nascente de rios, fontes, entre outros, inspiram-nos essa
tal “reverência religiosa”.
“Se
alguma vez você se deparou com um bosque cheio de árvores antigas que cresceram
a uma altura incomum, fechando a visão do céu por um véu de ramos cheios e
entrelaçados, então a imponência da floresta, a reclusão do lugar, e sua
admiração com a espessa sombra ininterrupta no meio dos espaços abertos, irá
provar-lhe a presença da deidade. Ou se uma caverna, feita pelo profundo
desmoronamento das rochas, sustenta uma montanha em seu arco, um lugar não
construído com as mãos, mas esvaziado em tais espaços por causas naturais, sua
alma será profundamente comovida por uma certa intimação da existência de Deus.” (Sêneca.
XLI, 3-4)
As
recomendações de Sêneca, portanto, sugerem que o homem deve estar atento
à natureza, viver segundo suas regras, simplicidade e ordem. Considerar esse
tipo de vida como a mais verdadeira, desprendida do desejo de posses e
desejos infundados. Ou seja, o melhor para nosso próprio bem é seguir a
natureza e não desejar bens materiais, exteriores, que possam ser perdidos ou
antes afastá-lo de uma vida simples.
Como
também diria Epicteto:
“Lembra
então que, se pensares livres as coisas escravas por natureza e tuas as de
outrem, tu te farás entraves, tu te afligirás, tu te inquietarás, censurarás
tanto os deuses como os homens. Mas se pensares teu unicamente o que é teu, e o
que é de outrem, como o é, de outrem, ninguém jamais te constrangerá, ninguém
te fará obstáculos, não censurarás ninguém, nem acusarás quem quer que seja, de
modo algum agirás constrangido, ninguém te causará dano, não terás inimigos,
pois não serás persuadido em relação a nada nocivo. Então, almejando coisas de
tamanha importância, lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido,
mas que abandones completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para
depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez
não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e
absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais unicamente
resultam a liberdade e a felicidade” (Epicteto. I, 1-4)
E,
assim como dito acima por Epicteto, o próprio Sêneca, numa
descrição da razão, diria que é próprio da razão exigir de nós
uma vida plena, simples e disciplinada, de acordo com a “leis naturais”,
com a natureza, resultando em liberdade e felicidade.
Segundo eles, se a razão não segue estas leis, ela se envereda por trilhas viciosas que, com a desculpa de que viver é tarefa complexa, o homem, ao decidir-se por não segui-las torna, aí sim, a vida difícil. Quase que criando uma “segunda natureza” viciosa e indisciplinada.
Enfim,
tanto em Epicteto quanto em Sêneca, uma vida simples e sem apegos
infundados ao que nos seja exterior, é fundamental.
E, o livro e o filme também sugerem reflexões sobre o tema.
Voltando para a Oficina.
______.
BALZAC,
Honré de. La Peau de Chagrin. Paris:
Éditions Gallimard, 2006
______.
A pele de onagro. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
DINUCCI,
A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra:
Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. O
Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São
Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica) Trad. Guillon Ribeiro. Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 907-912: "paixões"; 893-906: “virtudes . “vícios” e 920-933: "felicidade")
LEBRUN, Gérard. O conceito de paixão. In: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
SÉNECA,
Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbekian, 2014.