Ao ser criticado, por quem sempre
respeitei e a quem nunca ofendi ou fiz algo que justificasse os motivos para tal, além da
surpresa, notando a maldade presente e a injustiça humana a se mostrarem sem
pudores, lembro de Sócrates no "Górgias",
quando afirma que seria melhor sofrer uma injustiça que o contrário:
"[469b-c] Sócrates: …Porque o maior
dos males consiste em praticar uma injustiça.
Polo: Esse é o maior? Não é o maior sofrer
uma injustiça?
Sócrates: Absolutamente não.
Polo: Preferias então sofrer uma injustiça
a praticá-la?
Sócrates: Não preferiria uma coisa nem
outra; mas se fosse inevitável sofrer ou praticar uma injustiça, preferiria
sofrê-la."
E, dado que cabe aqui manter o foco
na aprendizagem do que nos mantenha a tranquilidade
da alma; imperturbavelmente, podemos e devemos reconhecer como nosso o erro na aplicação dos juízos, sem procurar culpados fora de nós, fazendo disso uma lição, um “exercício” para uma busca mais consistente. Anoto, a seguir, uma breve passagem da obra de Sêneca, para a prática diária, na formação de juízos firmes e determinados que aqui também me ajudam a desviar o foco e não perder tempo,
tornando tudo uma oportunidade de crescimento:
"Por formar juízos
de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro
modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objetos
perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos quando os vemos metidos
dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como vemos; e no
geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!"(SÊNECA,
Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
"Carta 71-24")
Enfim, estabelecido como
projeto reformarmos a conduta pessoal para homens de virtude, cabe
investirmos em aprimorarmos as emoções nesse sentido, de força interior para
resistirmos aos assaques ou provocações externas. E, para uma imperturbável tranquilidade
da alma, vale considerar também o que diz Descartes, em sua obra
sobre “As paixões da alma”:
"Ora, visto que
essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por conseguinte, muito
mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com elas, e das quais
diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que se contentar em
seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não dispõem de poder
algum para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a alegria, pelo fato
de, vendo que não pode ser por elas ofendido, conhecer com isso a sua própria
perfeição. E, para que a nossa alma tenha assim do que estar contente, precisa
apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja vivido de tal
maneira que sua consciência não possa censurá-lo de alguma vez ter deixado de
fazer todas as coisas que julgou serem as melhores (que é o que chamo aqui
seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão poderosa para torná-lo feliz
que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder suficiente para
perturbar a tranqüilidade de sua alma".
Portanto, vejamos ainda o
que Sêneca escreveu no seu "De tranquillitate animi" (14.2):
"Vtique animus ab
omnibus externis in se reuocandus est: sibi confidat, se gaudeat, sua
suspiciat, recedat quantum potest ab alienis et se sibi adplicet, damna non
sentiat, etiam aduersa benigne interpretetur".
"Seja como for, a
alma deve recolher‐se em si mesma, deixando todas as coisas externas: que ela
confie em si, se alegre consigo, estime o que é seu, se aparte o quanto pode do
que é alheio, e se dedique a si mesma; que ela não sinta as perdas e interprete
com benevolência até mesmo as coisas adversas".
E, diante das
dificuldades, nas ocasiões em que a tranquilidade da alma esteja
ameaçada, ou:
"Sempre que queiras
saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo
objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem conformar-se com o bem
supremo: somente é capaz de determinar as ações individuais o homem que possui
a noção do objetivo supremo da vida". (SÉNECA, Lúcio Aneu. 5. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 2014 - Livro VIII - "Carta 71"; (2)
É certo que disso tudo
guardemos que a serenidade é uma conquista interna; uma vez alcançada, estaremos
livres de quaisquer perturbações externas. Valerá o esforço pessoal.
(grifos meus)
______.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
(ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego
e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo
Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).
DESCARTES, René. As
paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O
Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre
I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus
Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. Testemunhos
e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão:
EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The
Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London:
Harvard University Press, 2001.
LONG, Georg. Discourses of Epictetus with
Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.
PLATO. (III). Lysis
/ Symposium / Górgias. Loeb Classical Library, 1925.
________. Górgias, Protágoras. 3. ed. Trad. Carlos Alberto Nunes. Edição bilíngue; Belém, PA, 2021.
________. Mênon, Eutidemo. 3. ed. Trad. Carlos Alberto Nunes. Edição bilíngue; Belém, PA, 2021.
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian,
2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário