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“Nem toda
dificuldade e perigo é adequada para o treino, mas apenas aquela que é
conducente ao sucesso em atingir o objeto de nosso esforço. E qual é o objeto
de nosso esforço? Agir sem impedimento na escolha e na aversão. E o que isso
significa? Nem falhar em conseguir o que desejamos, nem cair naquilo que
queremos evitar” (EPICTETO.
Diatribes. Livro III. XII.3-4)
Segundo os estóicos, não devemos deixar que a nossa felicidade dependa de
coisas externas. Acontecimentos externos não estão sob nosso controle. A maneira
como reagimos à adversidade é uma escolha nossa, e depende do nosso julgamento em
relação aos eventos. Exercício e esforço nesta direção dão-nos uma poderosa base
para o nosso comportamento, para qualificarmos nossos hábitos (ethos).
Na obra de Pierre Hadot, vimos aqui
mesmo, nessa página, uma divisão do que ele denomina "exercícios estoicos" em os
que servem ao desenvolvimento de uma consciência
de si; que se direcionam a uma visão exata do mundo e da natureza e os que são
orientados para um sentido de paz e tranquilidade
interior; a imagem da “Inner Citadel caberia aqui.
Nas Diatribes do estóico Epicteto e também no seu Encheiridion estamos estudando como sua defesa de tais “exercícios”
como esforço no bom uso das representações ganham relevância no aprendizado das
virtudes.
“Pois quando uma
vez você concebe um desejo por dinheiro, se a razão for aplicada para trazer a você para a concepção de um mal, tanto as paixões se acalmam quanto o princípio
governante [razão] é restaurado à sua autoridade original.” (EPICTETO. Diatribes. Livro II. XVIII.8)
Somente somos prejudicados, por
acontecimentos externos se acreditarmos que estes possam nos atingir. Devemos
nos lembrar sempre do que é realmente um bem ou um mal para nós; sermos o próprio
personagem das nossas ações.
“Muito bem, então,
se o julgamento do homem determina todas as coisas [no campo da ação], e se um
homem tem maus julgamentos, qualquer que seja a causa será também a
consequência.” .” (EPICTETO.
Diatribes. Livro II. XVIII.8)
O que Epicteto e os estóicos propõem,
então, é que sejamos gratos por qualquer pequena coisa que tenhamos e lembrarmos
que há situações em que poderíamos estar piores do que a que estamos hoje. Devemos
nos ocupar em transformar nossos dias em oportunidade de trabalho pessoal na
busca por virtudes. O único dano real
que podemos enfrentar será consequência de escolhermos mal, optarmos por algo que
não esteja sob nosso controle. Portanto, a estratégia é compreendermos as coisas pelo que
elas realmente são, construirmos nosso caráter nessa direção; único caminho verdadeiro,
todo o resto são apenas apetrechos e decorações; grandes ilusões que não podem,
definitivamente, enganar o mais importante juiz: nós mesmos.
Estejamos, portanto, atentos às palavras
de Epicteto logo no inicio do Encheirídion:
“[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν
ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν
ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ
τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα,
παραπόδιστα, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ,
δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια. [1.3] μέμνησο οὖν, ὅτι, ἐὰν τὰ φύσει δοῦλα ἐλεύθερα οἰηθῇς
καὶ τὰ ἀλλότρια ἴδια, ἐμποδισθήσῃ, πενθήσεις, ταραχθήσῃ, μέμψῃ καὶ θεοὺς καὶ ἀνθρώπους,
ἐὰν δὲ τὸ σὸν μόνον οἰηθῇς σὸν εἶναι, τὸ δὲ ἀλλότριον, ὥσπερ ἐστίν, ἀλλότριον, οὐδείς σε ἀναγκάσει οὐδέποτε, οὐδείς σε κωλύσει,
οὐ μέμψῃ οὐδένα, οὐκ ἐγκαλέσεις τινί, ἄκων
πράξεις οὐδὲ ἕν, οὐδείς σε βλάψει, ἐχθρὸν οὐχ ἕξεις, οὐδὲ γὰρ βλαβερόν τι πείσῃ.
[1.4] τηλικούτων οὖν ἐφιέμενος μέμνησο, ὅτι οὐ δεῖ μετρίως κεκινημένον ἅπτεσθαι αὐτῶν, ἀλλὰ τὰ μὲν ἀφιέναι
παντελῶς, τὰ δ' ὑπερτίθεσθαι πρὸς τὸ παρόν. ἐὰν δὲ καὶ ταῦτ' ἐθέλῃς καὶ ἄρχειν
καὶ πλουτεῖν, τυχὸν μὲν οὐδ' αὐτῶν τούτων τεύξῃ διὰ τὸ καὶ τῶν προτέρων ἐφίεσθαι,
πάντως γε μὴν ἐκείνων ἀποτεύξη, δι' ὧν μόνων
ἐλευθερία καὶ εὐδαιμονία περιγίνεται. [1.5] εὐθὺς οὖν πάσῃ φαντασίᾳ τραχείᾳ μελέτα
ἐπιλέγειν ὅτι ‘φαντασία εἶ καὶ οὐ πάντως τὸ φαινόμενον’. ἔπειτα ἐξέταζε αὐτὴν καὶ δοκίμαζε τοῖς κανόσι
τούτοις οἷς ἔχεις, πρώτῳ δὲ τούτῳ καὶ μάλιστα,
πότερον περὶ τὰ ἐφ' ἡμῖν ἐστιν ἢ περὶ τὰ
οὐκ ἐφ' ἡμῖν· κἂν περί τι τῶν οὐκ ἐφ' ἡμῖν
ᾖ, πρόχειρον ἔστω τὸ διότι ‘οὐδὲν πρὸς ἐμέ’.”
“[1.1] Das coisas
existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o
juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa.
Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –
em suma: tudo quanto não seja ação nossa.
[1.2] Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres,
desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis,
escravas, obstruídas, de outrem. [1.3] Lembra então que, se pensares livres as
coisas escravas por natureza e tuas as de outrem, tu te farás entraves, tu te
afligirás, tu te inquietarás, censurarás tanto os deuses como os homens. Mas se
pensares teu unicamente o que é teu, e o que é de outrem, como o é, de outrem,
ninguém jamais te constrangerá, ninguém te fará obstáculos, não censurarás
ninguém, nem acusarás quem quer que seja, de modo algum agirás constrangido,
ninguém te causará dano, não terás inimigos, pois não serás persuadido em
relação a nada nocivo. [1.4] Então, almejando coisas de tamanha importância,
lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido, mas que abandones
completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para depois. Mas se
quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez não obtenhas
estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e absolutamente não atingirás
aquelas coisas por meio das quais unicamente resultam a liberdade e a
felicidade. [1.5] Então pratica dizer prontamente a toda representação bruta: ‘És
representação e de modo algum <és> o que se afigura’. Em seguida,
examina-a e testa-a com essas mesmas regras que possuis, em primeiro lugar e
principalmente se é sobre coisas que são encargos nossos ou não. E caso esteja
entre as coisas que não sejam encargos nossos, tem à mão que: ‘Nada é para mim’
”.
Fica
bem claro que Epicteto propõe uma maneira de se compreender o processo de
escolha ou assentimento de tal maneira que nossos julgamentos não nos dificulte
o progresso
moral. É até bem perceptível uma visão de filosofia, em Epicteto, como
um treino constante para enfrentarmos
as dificuldades que se nos apresente. Treinar os nossos julgamentos é
fundamental.
“[...] se você tem uma febre da
maneira certa, você desempenhará as coisas esperadas do homem que tem uma
febre. O que significa ter a febre da maneira certa? Não culpar deus, ou homem,
não ser esmagado pelo que acontece a você, esperar a morte bravamente, e da
maneira certa, fazer o que é imposto sobre você.” (EPICTETO.
Diatribes. Livro III.X.12-13
Tais “exercícios” exigem disciplina e
são imprescindíveis para o indivíduo na busca da euroia, mas transformar-se
em alguém que se disponha a treinar constantemente é o grande desafio para
superação da teoria na direção dessa prática; é uma conquista que só virá com
a persistência.
Os “exercícios” estão ligados ao que encontramos em Epicteto: “exercício da consciência de si",
como um “exercício da atenção” a
si mesmo. Em “Diatribes. Livro IV. XII), o
capítulo inteiro é sobre a atenção (prosoché
- περί προσοχῆς).
______.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra,
2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford:
Clarendon, 2008.
______. O
Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São
Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
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______. Epictetus: a stoic and socratic guide to life. New York: Oxford University Press. 2007.
LUTZ, C. Musonius Rufus: the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.
PRITCHARD, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
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