(IMAGEM: NASA)
A ordem racional como pressuposto para fundamentação de uma prática
no cuidado de si:
“Ou um mundo organizado, ou uma papa,
um amontoado sem ordem. É possível, acaso, subsista alguma ordem em ti, mas
desordem no universo, e isso quando tudo se acha tão combinado, tão fundido,
tão solidário? (Marco Aurélio, 1973, livro IV, 27).”
As meditações abaixo fazem parte da
obra “Meditações“,
do imperador Marco Aurélio; Livro IV. Escritas em 167 d.C., Marco Aurélio (121-180), em 12
livros com máximas direcionadas a reflexões sobre o autoconhecimento;
sobre crescimento pessoal.
24.
“‘Ocupa-te de pouco’, diz ele, ‘para viveres satisfeito’ Não será melhor, afinal, ocupar-se do
necessário e de tudo que a razão do vivente sociável por natureza decide e como
o decide? Isso traz não só a satisfação do dever cumprido mas também a de
ocupar-se de pouco. Se eliminarmos a maior parte de nossas palavras e ações,
não farão falta, e nos sobrarão mais lazeres e sossego. Deves, por isso, de
cada vez, lembrar a ti mesmo: Não será isto uma das coisas dispensáveis? Aliás,
devemos eliminar não só os atos mas também os pensamentos desnecessários, pois
assim tampouco os seguirão os atos que acarretam.”
...
“45.
Há sempre afinidade entre o que sucede e o que precede; não é como uma série de
números separados, que têm apenas o cunho da necessidade, mas uma contextura
lógica; assim como os seres estão dispostos numa ordem harmônica, os
acontecimentos evidenciam não uma sucessão pura e simples, mas certa afinidade
admirável.”
Pois que, também no que
se refere a ordem do Universo:
“46.
Lembra sempre o ensinamento de Heráclito: a morte da terra é mudar-se em água;
a morte da água é mudar-se em ar; a do ar, mudar-se em fogo, e vice-versa.
Lembra-te também daquele que esquece aonde o leva o caminho; recorda a
passagem: ‘Divergem daquilo com que mais continuamente convivem, a razão que
governa o universo; os fatos que deparam dia após dia parecem-lhes estranhos’;
que ‘não devemos agir e falar como em sonho’ — que também então supomos agir e
falar — ‘nem como os filhos. . . . isto
é, simplesmente, da maneira hereditária’".
Se a presunção te intentas seduzir:
“48.
Pensa constantemente em quantos médicos morreram, depois de tantas vezes
carregarem os sobrolhos à cabeceira dos enfermos ;quantos astrólogos, depois de
predizerem a morte de outros como se obrassem maravilha; quantos filósofos,
após manterem acirradas disputas inúmeras sobre a morte ou a imortalidade;
quantos potentados, após mandarem executar a tantos; quantos tiranos, depois de
abusarem com tremenda arrogância, como se fossem imortais, do poder de vida e
de morte; quantas cidades inteiras, por assim dizer, morreram: Hélice, Pompéia,
Herculano e outras inúmeras. Repassa, também, um por um, todos os teus
conhecidos. Quem fez as exéquias deste, mais tarde o deitaram num esquife;
assim com quem fez as dele. Tudo isso num breve lapso de tempo. Em suma,
considera sempre as coisas humanas como efêmeras, desvaliosas; ontem, um pouco
de muco, amanhã, múmia ou cinzas. Este átimo de tempo, vive-o segundo a
natureza e acaba sem revolta, como cairia a azeitona madura abençoando a terra
que a produziu e agradecendo à árvore que a gerou.
49.
Ser como o promontório onde se quebram incessantemente as ondas; ele queda-se
ereto e os estos da maré vêm morrer em seu redor. "Infeliz de mim, que tal
me aconteceu!" Nada disso e sim: "Feliz de mim, porque, tendo-me isso
acontecido, continuo a salvo do sofrimento, sem que me fira o presente nem me
atemorize o futuro". O mesmo podia suceder a qualquer, mas nem todos o
suportariam sem sofrimento. Então, por que será isto uma desgraça mais do que
aquilo uma felicidade? Chamas, em suma, infortúnio humano o que não é um
malogro da natureza humana? Consideras malogro da natureza do homem aquilo que
não contraria os desígnios da sua natureza? Mas como? aprendeste quais os
desígnios; esse acontecimento te impede acaso de ser justo, magnânimo,
temperante, prudente, ponderado, leal, discreto, livre, etc., virtudes de cuja
reunião colhe a natureza humana o que é seu? Não te esqueças daqui por diante
de recorrer a este princípio em todos os fatos que acarretem sofrimento: isto
não é uma desgraça, mas suportá-lo nobremente é uma felicidade.
E, o desencanto, se vier,
não te entregues, persevere, pois:
50.
Recurso vulgar, porém eficaz, para o menosprezo da morte é passar em revista os
que se demoraram aferrados à vida. Que vantagem tiveram sobre quem morreu
prematuramente? Afinal, nalgum lugar jazem Cadiciano, Fábio, Juliano, Lépido e
pessoas como eles, que, após enterrarem muitos outros, foram por sua vez
enterrados. Em suma, a distância é mínima e se vence através de quais
percalços, com quais companheiros e com que corpo! Portanto, não dês
importância a isso. Olha o abismo de tempo atrás de ti e o outro infinito à
frente. Nessa ordem de coisas, qual a diferença entre o ser que vive três dias
e o que vive três vezes a idade de Nestor?. Corre sempre ao caminho curto; o
caminho curto é o da natureza; assim procederás em todos os atos e ditos da
maneira mais sadia. Tal norma de vida livra-te de penas, de
campanhas, do peso da administração e dos requintes.
______.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro IV; 24,
45, 46, 48, 49, 50)/
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