sábado, 23 de novembro de 2019

REFLEXÃO MATINAL LXV: MODERAÇÃO


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(IMAGEM: "Pinterest")


Assim como outros estoicos, Musônio Rufo valorizava a "moderação", ou sōphrosúnē (σωφροσύνη - em grego antigo). A sōphrosúnē consiste em abrandar suas emoções; não comer demais, ser frugal e comportar-se com certo equilíbrio e gravitas. A moderação está profundamente relacionada com estabelecimento de médias nas atividades práticas pessoais. E, no que se refere especificamente às emoções, Musônio Rufo afirma, por exemplo, que:

“Palavras de aconselhamento e admoestação oferecidas quando as emoções de uma pessoa estão em seu ponto mais alto e transbordante pouco ou nada adiantam. [Fragmento nº 36]”

Não é novidade, nem constitui estranhamento o fato de que a verdade é sempre desagradável. Dada de supetão, não esclarece, vislumbra, até cega. Isso sem se levar em conta as “escolas” que se empenham em demonstrar sua impossibilidade. Tem sido comum esse tipo de “educação filosófica”. Em geral, a filosofia é vista como um exercício inútil, reservado a desocupados que vivem isolados em suas torres de marfim.

A considerar-se que a filosofia tem mesmo uma característica bastante voltada à reflexão teórica, abre-se imenso campo para que a vejam como inaplicável, portanto, dispensável.

O filósofo estoico Caio Musônio Rufo, chamado por alguns de “Sócrates romano”, tornou-se à sua época conhecido não só por sua coerência interna, ou seja, pela aproximação entre o que ensinava e o que vivenciava mas por ter ensinado outro grande estoico: Epicteto; sobre quem temos dedicado alguns breves textos aqui.

Como sempre destaco; das minhas leituras cada vez mais frequentes sobre estoicismo, o mais notório princípio para prática dessa filosofia é o conjunto de "exercícios práticos". Visto que os objetivos estoicos estão sempre ajustados de forma a dar mais valor à ação do que às palavras. A maneira de agir de cada indivíduo que pretenda ser um estoico é priorizada devido ao fato de que verdadeiramente a ação mostra como uma pessoa realmente é. Daí a incessante busca, realizando tais "exercícios práticos" no cotidiano para alcançar o sempre almejado princípio da eustatheia (tranquilidade) e desenvolver a euthymia (crença em si). E, como já anotei aqui nessa página, um dia desses, nunca é demais reforçar e refazer o caminho. 

Enfim, só vou dando continuidade, registrando aqui pequenas reflexões pessoais em que procuro aliar teoria e prática, num claro sentido estoico e em oposição aos que julgam a filosofia como inútil. À meditação de hoje:

1.“(a) As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas. Por exemplo: a morte nada tem de terrível, ou também a Sócrates teria se afigurado assim, mas é a opinião a respeito da morte — de que ela é terrível — que é terrível! Então, quando se nos apresentarem entraves, ou nos inquietarmos, ou nos afligirmos, jamais consideraremos outra coisa a causa senão nós mesmos — isto é: as nossas próprias opiniões.

(b) É ação de quem não se educou acusar os outros pelas coisas que ele próprio faz erroneamente. De quem começou a se educar, acusar a si próprio. De quem já se educou, não acusar os outros nem a si próprio.”


Acrescento a isso uma breve narrativa de Xenofonte sobre Sócrates, mostrando a serenidade mesmo diante das acusações que recebeu:

2. “Acompanhava-o certo Apolodoro, alma simples e extremamente afeiçoada a Sócrates, que lhe disse:

— Não posso suportar, Sócrates, ver-te morrer injustamente.

Então se diz que, passando-lhe de leve a mão pela cabeça, Sócrates respondeu:

— Como! Meu caro Apolodoro, então preferias ver-me morrer justamente?

E ao mesmo tempo sorria. 

Das muitas "meditações matinais" que levamos a cabo, surgiu também a lembrança de que os estoicos propunham também “reflexões noturnas”, como disse acima e segue a indicação abaixo.


“O método a que Musônio Rufo se refere pode ser a prática estoica da meditação retrospectiva noturna, a qual envolve a reflexão sobre o que você fez de bom ou de ruim em cada dia e a imaginação sobre o modo de melhorar sua conduta dali por diante. 
À mesa do jantar ou à hora de dormir, converse com seu filho sobre como foi o dia para vocês dois, discutindo o que deu certo e o que deu errado. Vocês perderam alguma oportunidade de fazer algo positivo pelo seu crescimento enquanto pessoas? Útil tanto para os filhos como para os pais é refletir sobre sua própria conduta, fazer comentários sobre suas falhas pessoais e revirar o cérebro em busca de soluções que visem ao aprimoramento de si. Sabedoria não é algo que se adquira do dia para a noite: estamos sempre nos empenhando na direção dela.”

A considerar só essa reflexão, extraída dos estoicos, já é bem possível notar que a filosofia tem sim fundamentalmente uma profunda relevância prática. Nas mais variadas ocasiões, no cotidiano, situações como as descritas acima, ao se apresentarem, sempre nos oferecerão oportunidades para a prática da moderação, da serenidade diante da opiniões ante os acontecimentos mesmo diante da "morte", da autoeducação diante dos intempéries da vida, como o próprio Sócrates acima, e os estoicos. O método de Musônio Rufo apresentado acima como "meditação retrospectiva noturna", bem parecida com uma proposta de Agostinho de Hipona quando propunha uma reflexão sobre o que fizemos de bom ou ruim ao longo de cada dia e o estabelecimento de "metas" a serem vencidas para a melhora da conduta a partir de cada novo dia que tem início.

E, acima de tudo, nunca esquecer, num plano mais geral, que a incessante busca, a realização destes exercícios práticos tem como ponto básico alcançarmos o tão desejado estado em nós, da eustatheia (tranquilidade) e da euthymia (crença em si)

Portanto, ainda uma vez registrando o que foi a mais recente "meditação retrospectiva noturna", durante estas "reflexões matinais", sigo estudando na perspectiva de um "προκόπτον –prokopton”. De quem aspira à Sabedoria.  

E, nunca é demais reforçar e prosseguirmos.

.’.
______.
BIBLIOGRAFIA SEMPRE CONSULTADA

______.
XENOFONTE. Apologia de Sócrates. 5. ed. Trad. Líbero Rangel de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (p. 164-165). (Col. Os Pensadores)
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001. 
King, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.
LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.
Lutz, C. Musonius Rufus, the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947.
Pritchard, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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