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Epicteto, seguindo a filosofia de
Sócrates mostra que a filosofia deve ser entendida como a busca da sabedoria
pela razão. É a sabedoria que nos capacita bem viver ou viver de modo pleno e
feliz e de acordo com o que, porventura, teorizamos. Para Sócrates, como uma
vida não examinada não merece ser vivida, a filosofia se configura como um
caminho na construção moral do homem que se dispõe a pensar, a pensar bem; e, isto
deve estar em consonância com a prática.
Assim, como Sócrates, Epicteto mostra essa mesma concepção de filosofia
no seu Encheirídion. Já citamos aqui, por estarmos estudando os fundamentos do
estoicismo, o capítulo XLVI, em que recomenda:
“Jamais te
declares filósofo. Nem, entre os homens comuns, fales frequentemente sobre
princípios filosóficos, mas age de acordo com os princípios filosóficos. Por
exemplo: em um banquete, não discorras sobre como se deve comer, mas come como
se deve. Lembra que Sócrates, em toda parte, punha de lado as demonstrações, de
tal modo que os outros o procuravam quando desejavam ser apresentados aos
filósofos por ele. E ele os levava! [XLVI.2] E dessa maneira, sendo desdenhado,
ele ia. Com efeito, caso, em meio a homens
comuns, uma discussão sobre algum princípio filosófico sobrevenha, silencia ao
máximo, pois o perigo de vomitar imediatamente o que não digeriste é grande. E
quando alguém te falar que nada sabes e não te morderes, sabe então que
começaste a ação. Do mesmo modo que as ovelhas não mostram o quanto comeram,
trazendo a forragem ao pastor, mas,
tendo digerido internamente o pasto, produzem lã e leite, também tu não mostres os princípios
filosóficos aos homens comuns, mas, após tê-los digerido, <mostra> as
ações.”
E, reforça, no capítulo XLIX:
“Quando alguém se crê
merecedor de reverência por ser capaz de compreender e interpretar os livros
de Crisipo, diz para ti mesmo: “Se Crisipo não escreveu de modo obscuro, ele
não tem pelo que se crer merecedor de reverência”. Mas o que eu desejo? Conhecer
a natureza e segui-la. Busco então quem a interpreta. Ouvindo que é Crisipo,
vou a ele. Mas não compreendo seus escritos. Busco então quem os interpreta –
até aí, absolutamente nada há que mereça reverência. Quando eu acho o
intérprete, resta-me fazer uso das coisas prescritas – unicamente isso é digno
de reverência. Ora, se admiro o próprio <ato de> interpretar, que outra
coisa me torno senão gramático ao invés de filósofo? Com a diferença que, no
lugar de Homero, interpreto Crisipo. Então, quando alguém me disser “Interpreta
algo de Crisipo para mim”, sobretudo enrubescerei quando não for capaz de
exibir ações semelhantes às palavras e condizentes <com elas>.”
Ou seja, o que é realmente importante e
fundamental é que estudar a filosofia não é só esmerar-se no burilamento dos
discursos inflamados no verbo, mas vazios de conteúdos. Importa mesmo que apare
as arestas na prática e aquisição de virtudes; aperfeiçoarmos a nós mesmos,
como complementa:
“[LI] Por quanto tempo
ainda esperarás para que te julgues merecedor das melhores coisas e para que em
nada transgridas os ditames da razão? Recebeste os princípios filosóficos, com
os quais foi preciso concordar, e concordaste.
Por qual mestre ainda esperas para que confies a ele a correção de ti
mesmo? Não és mais um adolescente, já és um homem feito. Se agora fores
descuidado e preguiçoso, e sempre fizeres adiamentos após adiamentos, fixando
um dia após o outro o dia depois do qual cuidarás de ti mesmo, não perceberás
que não progrides. E permanecerás, tanto vivendo quanto morrendo, um homem
comum. [LI.2] Então, a partir de agora, como um homem feito e que progride,
considera a tua vida merecedora de valor. E que seja lei inviolável para ti
tudo o que se afigurar como o melhor. Então, se uma tarefa árdua, ou prazerosa,
ou grandiosa, ou obscura te for apresentada, lembra que essa é a hora da luta,
que essa é a hora dos Jogos Olímpicos, e que não há mais nada pelo que esperar,
e que, por um revés ou um deslize, perde-se o progresso, ou o conserva. [LIII.3]
Deste modo Sócrates realizou-se: de todas as coisas com que se deparou, não
cuidou de nenhuma outra, exceto a razão. E tu, mesmo que não sejas Sócrates,
deves viver desejando ser como Sócrates.”
Portanto, quanto o que
se pretende como objetivo na filosofia, e nisso está nosso foco, é sintetizado por Epicteto, no capítulo LII, do Encheirídion:
“O primeiro e mais necessário
tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios [...]”
(grifos meus)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion
de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci;
Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão.
Universidade Federal de Sergipe, 2012.
DINUCCI, Aldo; TAQUÍNIO, Antonio. Introdução ao manual de
Epicteto. 2012.
______.
Askesis . "Do grego. Significa exercício. É o
esforço para renunciar aos prazeres sensíveis tendo em vista o aperfeiçoamento
moral ou espiritual, ou ainda a realização de uma obra que exija o domínio da
vontade. Os estóicos submetiam-se a
essa disciplina para escapar ao domínio dos sentidos e da afetividade; os
ascetas cristãos aplicavam-na a fim de se desapegarem do mundo e aproximarem-se
de Deus. P. Ext., chamamos de ascese o método perseverante, gerador de
sacrifícios, que o pesquisador, erudito ou filósofo, se inflige (por exemplo,
Descartes, quando duvida)."
DUROZOI, G. e
ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia.
Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.
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