domingo, 16 de fevereiro de 2020

MEDITAÇÃO RETROSPECTIVA NOTURNA XXVII: AS "DOENÇAS DA ALMA"

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(IMAGEM: "Pinterest")

"Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
“Sim, e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!” (LE 909)


Na Carta LXXV, Lúcio Aneu Sêneca, ao dirigir-se a Lucílio, fala sobre o “progresso moral” e ao tratar da "doença moral e do doente", utiliza-se de comparação com a Medicina. 
Tenho notado, nas leituras que faço das obras dos antigos, as aproximações que fazem entre a Medicina e a Filosofia; e, é, exatamente por isso, que tenho aproveitado as pausas na pesquisa principal para aprender com eles essa relação da filosofia com a saúde, a medicina **.

É notório, na Carta citada, que o estudante de filosofia “é um doente”, e seu professor um médico. A carta toda faz esta aproximação, comparando o filósofo com o médico. Alguém que se pretenda estudar filosofia “é um doente”, que precisa de tratamento intensivo, não  de lições de lazer. Ora:

“Um doente não chama um médico por que é eloquente; mas se acontecer que o médico que pode curá-lo também discorra elegantemente sobre o tratamento a ser seguido, o paciente vai levá-lo em bom crédito.” (LXXV : 6)

Um dos pontos principais da carta, portanto é a classificação dos que estudam a Filosofia, encerrando com uma definição, do significado que seja a Liberdade: “[...] não temer nem homens nem deuses; significa não desejar a maldade ou o excesso; significa possuir poder supremo sobre si mesmo e é um bem inestimável ser mestre de si mesmo.” (LXXV : 17)

Mas, li a carta focado nesta analogia que ele faz entre o professor de Filosofia, o estudante de Filosofia e o Médico. Claro, destaco, desta carta o que ele diz sobre as paixões, que, para mim justifica essa analogia. Por exemplo:

“Muitas vezes, já expliquei a diferença entre as doenças da mente e suas paixões. E vou lembrá-lo mais uma vez: as doenças são endurecidas e vícios crônicos, como a ganância e ambição; eles envolvem a mente em um aperto muito próximo, e começam a ser seus males permanentes. Para dar uma definição breve: por “doença” queremos dizer uma perversão persistente do julgamento, de modo que as coisas que são levemente desejáveis são consideradas altamente desejáveis. Ou, se você preferir, podemos defini-la assim: ser muito zeloso em lutar por coisas que são apenas ligeiramente desejáveis ou não desejáveis de todo, ou valorizar as coisas que devem ser valorizadas apenas ligeiramente. (LXXV : 11)

Para mim, nesse estudo, a citação abaixo, da carta, já coloca um desafio imenso, bem no sentido das reflexões que tenho feito a partir de todos autores que tenho estudado atualmente. Diz ele, a Lucílio:

“Paixões” são impulsos indesejáveis do espírito, repentinas e veementes; elas vêm tão frequentemente, e tão pouca atenção tem sido dada a elas, que causam um estado de doença; assim como um catarro, quando há apenas um caso e o catarro ainda não se tornou habitual, produz apenas tosse, mas, quando se torna regular e crônico provoca a tuberculose. Portanto, podemos dizer que aqueles que fizeram o maior progresso estão além do alcance das “doenças”; mas eles ainda sentem as “paixões”, mesmo quando muito perto da perfeição.” (LXXV : 12)

Ou seja: as paixões são o que precisamos dominar, nosso progresso moral, disso depende. E, acrescento uma última questão, para pensarmos com Sêneca e avançarmos refletindo: 

"Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?

“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado, e que se torna perigoso quando passa a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos ou para outrem.” (LE 908). 
Mas, ainda assim, apesar dos esforços:

"Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las?
“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria." (LE 911)


Quanto à Carta: termina, como sempre, aconselhando:

“Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.”

Assim prossigamos...


(Os grifos e destaques são meus)

.'.

** As obras relacionadas na Bibliografia, todas tem, de certa forma, algo do que anotei acima. Em maior ou menor especificidade, do que tenho estudado e, com o tempo, será objetivo de organização e reelaboração futura...

______.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (col. Os Pensadores).

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

CÍCERO. On ends (The Finibus). Tradução de H. Rackham. Harvard: https://www.loebclassics.com, 1914.

DESCARTES, R. Oeuvres. Org. C. Adam e P. Tannery. Paris: Vrin, 1996. 11v. [indicadas no texto como Ad & Tan]

_______. Descartes: oeuvres et lettres. Org. André Bidoux. Paris: 
Gallimard, 1953. (Pléiade).

______. Discursos do Método; Meditações metafísicas; Objeções e Respostas; As Paixões da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado J. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).

EPICTÉTE. Entretiens. Livres I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.


______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

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KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. 93. Ed. 1 reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 907-912) 

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Conflit

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______. "Love and Friendship in Plato and Aristotle". Oxford Clarendon Press, 1989.

______. Contextuality in Practical Reason. (Oxford: Clarendon Press, 2008).

______. Virtue and Reason in Plato and Aristotle. Oxford University Press. 2011.

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SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014. (Carta LXXV)

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.

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ZINGANO, Marco. Aristóteles: tratado da virtude moral. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.





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