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"Poderia
sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
“Sim,
e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah!
Quão poucos dentre vós fazem esforços!” (LE 909)
Na Carta LXXV, Lúcio Aneu
Sêneca, ao dirigir-se a Lucílio, fala sobre o “progresso moral” e ao tratar da "doença moral e do doente", utiliza-se de
comparação com a Medicina.
Tenho notado, nas leituras que faço das obras
dos antigos, as aproximações que fazem entre a Medicina e a Filosofia; e, é, exatamente por isso, que tenho aproveitado as pausas na pesquisa principal para aprender com eles
essa relação da filosofia com a saúde, a medicina **.
É notório, na Carta
citada, que o estudante de filosofia “é um doente”, e seu professor um médico. A
carta toda faz esta aproximação, comparando o filósofo com o médico. Alguém que
se pretenda estudar filosofia “é um doente”, que precisa de tratamento intensivo,
não de lições de lazer. Ora:
“Um doente não chama um
médico por que é eloquente; mas se acontecer que o médico que pode curá-lo
também discorra elegantemente sobre o tratamento a ser seguido, o paciente vai
levá-lo em bom crédito.” (LXXV : 6)
Um dos pontos principais da carta,
portanto é a classificação dos que estudam a Filosofia, encerrando com uma
definição, do significado que seja a Liberdade: “[...] não temer nem homens nem
deuses; significa não desejar a maldade ou o excesso; significa possuir poder supremo sobre si mesmo e é um bem inestimável ser mestre de si mesmo.” (LXXV :
17)
Mas, li a carta focado
nesta analogia que ele faz entre o professor de Filosofia, o estudante de
Filosofia e o Médico. Claro, destaco, desta carta o que ele diz sobre as paixões,
que, para mim justifica essa analogia. Por exemplo:
“Muitas vezes, já expliquei a diferença entre
as doenças da mente e suas paixões. E vou lembrá-lo mais uma vez: as doenças
são endurecidas e vícios crônicos, como a ganância e ambição; eles envolvem a
mente em um aperto muito próximo, e começam a ser seus males permanentes. Para
dar uma definição breve: por “doença” queremos dizer uma perversão persistente
do julgamento, de modo que as coisas que são levemente desejáveis são
consideradas altamente desejáveis. Ou, se você preferir, podemos defini-la
assim: ser muito zeloso em lutar por coisas que são apenas ligeiramente
desejáveis ou não desejáveis de todo, ou valorizar as coisas que devem ser
valorizadas apenas ligeiramente. (LXXV : 11)
Para mim, nesse estudo, a
citação abaixo, da carta, já coloca um desafio imenso, bem no sentido das
reflexões que tenho feito a partir de todos autores que tenho estudado
atualmente. Diz ele, a Lucílio:
“Paixões” são impulsos
indesejáveis do espírito, repentinas e veementes; elas vêm tão frequentemente,
e tão pouca atenção tem sido dada a elas, que causam um estado de doença; assim
como um catarro, quando há apenas um caso e o catarro ainda não se tornou
habitual, produz apenas tosse, mas, quando se torna regular e crônico provoca a
tuberculose. Portanto, podemos dizer que aqueles que fizeram o maior
progresso estão além do alcance das “doenças”; mas eles ainda sentem as
“paixões”, mesmo quando muito perto da perfeição.” (LXXV : 12)
Ou seja: as paixões são
o que precisamos dominar, nosso progresso moral, disso depende. E, acrescento uma
última questão, para pensarmos com Sêneca e avançarmos refletindo:
"Como se
poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem
más?
“As paixões são como um
corcel, que só tem utilidade quando governado, e que se torna perigoso quando
passa a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que
deixais de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para
vós mesmos ou para outrem.” (LE 908).
Mas, ainda assim, apesar dos esforços:
"Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las?
Mas, ainda assim, apesar dos esforços:
"Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las?
“Há muitas pessoas que
dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito
satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode
vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da
sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura
reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a
matéria." (LE 911)
Quanto à Carta: termina, como sempre, aconselhando:
“Mantenha-se Forte.
Mantenha-se Bem.”
Assim prossigamos...
(Os grifos e destaques são meus)
Assim prossigamos...
(Os grifos e destaques são meus)
.'.
** As obras relacionadas na Bibliografia, todas tem, de certa forma, algo do que anotei acima. Em maior ou menor especificidade, do que tenho estudado e, com o tempo, será objetivo de organização e reelaboração futura...
______.
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