domingo, 23 de fevereiro de 2020

REFLEXÃO MATINAL LXXVII (2): DO QUE DEPENDE DE NÓS OU NÃO


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Todos nós fomos feitos pela natureza, de forma que possamos viver livre de erros e de forma nobre, não que um possa e outro não possa, todos podemos.” (Musônio Rufus)

Os estoicos adotam, como tenho anotado aqui, a reflexão matinal, como uma preparação para o dia que surge e que aplica-se ao dia que se inicia e aos dias seguintes; por toda vida. 

prokopton, ao levantar-se pela manhã, deverá ter sempre essa meta. E, também recomendam uma “meditação retrospectiva noturna” (que Agostinho de Hipona também recomendou).

O aspirante à sabedoria, deverá ter sempre boas coisas em mente quando o dia começa; deve ocupar-se com os “tà eph’hēmîn”,  com os encargos  que sejam verdadeiramente seu dever pessoal .
Começa, toda manhã, ao despertar, perguntando-se: o que, na verdade, deve ser o foco para alcançar a  Ἀταραξία - ataraxia "imperturbabilidade de espírito"?

Durante todo dia, todos os dias, a meta deverá ser a disciplina interior, meta a que deve dedicar o seu tempo, os que pretendem alcançar sabedoria. 

É, nesse sentido, portanto, em meio aos afazeres que se seguirão, pensando na reflexão matinal, reli, há pouco, uma referência de Epicteto a um certo exercício, típico da escola dos pitagóricos, em conformidade com o que Hadot chama de “exercícios espirituais”, que também já registrei aqui, a partir da leitura de um artigo e de uma apresentação do prof. Aldo Dinucci, num "Colóquio sobre Epicteto", em que discute essa expressão, que deve entendida como “O primeiro e mais necessário tópico da filosofia: a "[...] aplicação dos princípios [...]" (Encheirídion. 52:1).

Enfim, dito isso, só como reflexão, acrescento, do Encherídion:

“Das coisas existentes, algumas são encargos nossos1; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa.”  (Encheirídion, 2012. I:1)

Nesse sentido, lendo pela manhã sobre o tema, num grande intervalo por aqui, encontrei algo bastante semelhante nessa passagem das "Paixões da alma", de René Descartes:

“Mas, como a maioria de nossos desejos se estende a coisas que não dependem de nós nem todas de outrem, devemos exatamente distinguir nelas o que depende apenas de nós, a fim de estender nosso desejo tão-somente a isso; e quanto ao mais, embora devamos considerar sua ocorrência inteiramente fatal e imutável, a fim de que nosso desejo não se ocupe de modo algum com isso, não devemos deixar de considerar as razões que levam mais ou menos a esperá-la, a fim de que essas razões sirvam para regular nossas ações” (Paixões da alma, 1983. § 146)



Somadas, portanto, o que se pode extrair destas duas citações, fica bem clara a tarefa do Prokopton.

A se pensar!
______.
DESCARTES, René.  Discursos do Método; Meditações; Objeções e Respostas; As Paixões da Alma; Cartas. (Introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gerard Lebrun; Trad. de J. Guinsberg), Bento Prado Jr. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

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