quarta-feira, 27 de maio de 2020

REFLEXÃO MATINAL XXXVIII: DA "TRANQUILIDADE DA ALMA" (II)

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"Vtique animus ab omnibus externis in se reuocandus est: sibi confidat, se gaudeat, sua suspiciat, recedat quantum potest ab alienis et se sibi adplicet, damna non sentiat, etiam aduersa benigne interpretetur".

Reli, agora pela manhã, antes de dar início às atividades normais e, claro, durante o café: o texto de Sêneca: “Sobre a tranquilidade da alma”.

Escrito como um meio de orientação aos que aspiram dedicar-se ao aperfeiçoamento moral pessoal; dirigido ao seu amigo Aneu Sereno, a quem antes já tinha escrito o texto que é conhecido como “Sobre a constância do sábio”. Foi um grande amigo de Sêneca, pertencente à ordem equestre, formada pelos cidadãos mais abastados.

Sêneca escreve o texto com o objetivo de apresentar a doutrina estóica, sabendo que Sereno era adepto do epicurismo. Faz uma apresentação detalhada do que se pode obter do estudo de tal doutrina para a vida prática.

O que resulta dessa apresentação de Sêneca, para mim, que a publico aqui, é ter constatado elementos que tem a força de nos auxiliar nos empreendimentos de superação dos “tormentos” e dificuldades que possam nos atingir: os temores; os desejos humanos e, acima de tudo, como nos exercitarmos na direção da tranquilidade da alma, esse estado ideal de serenidade proposto e buscado pelos estoicos; que precisa vivenciá-lo de forma integral.

Um dos passos indicados na obra:

"Seja como for, a alma deve recolher‐se em si mesma, deixando todas as coisas externas: que ela confie em si, se alegre consigo, estime o que é seu, se aparte o quanto pode do que é alheio, e se dedique a si mesma; que ela não sinta as perdas e interprete com benevolência até mesmo as coisas adversas".

E, também, diante das dificuldades, nas ocasiões em que a tranquilidade da alma esteja ameaçada, ou:

"Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem conformar-se com o bem supremo: somente é capaz de determinar as ações individuais o homem que possui a noção do objetivo supremo da vida". (SÉNECA, Livro VIII - "Carta 71";(2))

E, no texto sobre o qual refleti, pela manhã, Sereno, diz a Sêneca alguns dos problemas com os quais tem dificuldade em lidar:

  • hesitação diante do desejo de bens e de prazeres corporais.
  • alternância entre desejo de atuação social e de recolhimento aos estudos.
  • dilema ético e estético relativo a busca pela fama.

Daí, em seguida pede que lhe seja dado um diagnóstico e um “remédio”:

“Rogo, então, se tem algum remédio que possa deter esta minha vacilação e me faça digno de lhe dever a paz de espírito”.

Ao que Sêneca, ao longo do texto, compreende que ele esteja buscando, na verdade, o que se pode tomar como uma das mais importantes conquistas do homem, para a Vida, um estado de tranquilidade (De Tranquillitate Animi); que entre os gregos era chamada de de euthymía (ευθυμία) (II,3). Como vemos no texto, segue o que dá início aos conselhos de Sêneca, definindo antes, a tranquilidade da alma:

“O que buscamos, então, é como a alma pode sempre seguir um rumo firme, sem percalços, pode estar satisfeita consigo mesma e olhar com prazer para o que a rodeia, e não experimentar nenhuma interrupção dessa alegria, mas permanecer em uma condição pacífica, sem nunca estar eufórica ou deprimida: isso será ‘tranquilidade’.” (II,4)

Disso parte para as recomendações:

A de que a maioria dos homens sofrem de inconstância, mudam insistentemente de objetivos e vivem a reclamar do que desistiram. Isso gera, de certa forma: “ansiedade”. Noutros casos, não se trata de inconstância, mas de um certo “comodismo” em permanecer em situação que lhes causa infelicidade, mas “continuam a viver não da maneira que desejam, mas da maneira que começaram a viver.“ (II,6). E, mais: há caso, também dos que creem que a maneira de vencer a modorrenta vida de marasmo é “viajar”, o que mais tarde se constata que se viajou levando os problemas e se retorna com eles: “Assim, cada um sempre foge de si mesmo” (II,14).

Conclusão de Sêneca: os nossos problemas não estão no lugar em que vivemos, na condição em que vivemos; eles estão em nós.

E, desafia: “Por quanto tempo vamos continuar fazendo a mesma coisa? (II,15).

Então, a partir do cap. III, começa uma lista de conselhos para busca da tranquilidade da alma.

De Atenodoro, teria vindo o primeiro, que diz: “O melhor é ocupar-se dos negócios, da gestão dos assuntos do Estado e dos deveres de um cidadão”. Ou seja, bom é exercitar-se em algum tipo atividade e fazer sempre o Bem. Recomenda ainda a filosofia, isso trará ao interessado uma certa dose satisfação e, resultará em tranquilidade da alma. E, no mínimo fará com que iniciemos uma vida diferente da maioria. Um bom começo!

Encerrando, por hoje, no capítulo IX, Sêneca faz uma crítica bem interessante, mas, que só retomarei num outro momento como este, desta manhã; ele critica os homens que compram livros e não os estudam. Assim, acrescento, meditar, exercitar-se e não adotar isso como processo de transformação das nossas vidas, de nada vale. Fundamental que utilizemos isso tudo em nos tornarmos melhores, apesar dos pesares!

______.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

______. Da tranquilidade da alma. (precedido de "Da vida retirada", seguido de "Da felicidade". Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.

______. Sobre a tranqüilidade da alma (a). Sobre o ócio. (b). São Paulo: Nova Alexandria, 1994.

______. A tranqüilidade da alma (a). A vida retirada (b). São Paulo: Escala, 2000.

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