quinta-feira, 16 de julho de 2020

REFLEXÃO MATINAL XLII: BUSCA POR “ATARAXIA” E “APATEIA” (II)

Fotografias são pequenos pedaços da eternidade.

(IMAGEM: "Pinterest")

Como deve ser feito, prossigo com as reflexões, estabelecidas, para mim, já há algum tempo, em nível de aprendizagem constante, como projeto: a reforma de conduta pessoal, “curar as paixões”; domar o corcel desgovernado, exercitar-se sem rudeza, em abandonar um hábito.

Ou seja, todos os esforços para melhor compreensão do que seja desenvolver e aplicar a virtude, em aprimorar as emoções, exatamente por pressupor que tais podem ser revertidas. Ao contrário de concepções mirabolantes que dominam o "mercado", é possível e viável tal reversão, em força interior para resistir aos assaques e provocações externas, na constituição da imperturbável tranquilidade da alma (ataraxía - ἀταραξία).

Para isso, adotamos, manter livre o princípio diretor:

"Apaga a imaginação; acalma o impulso; extingue o desejo: domina a tua alma." (MARCO AURÉLIO. Meditações. IX,7)

E, lemos também em René Descartes, na obra sobre “As paixões da alma”, ponto de partida da reflexão da manhã:

"Ora, visto que essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por conseguinte, muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com elas, e das quais diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não dispõem de poder algum para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por elas ofendido, conhecer com isso a sua própria perfeição. E, para que a nossa alma tenha assim do que estar contente, precisa apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja vivido de tal maneira que sua consciência não possa censurá-lo de alguma vez ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as melhores (que é o que chamo aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão poderosa para torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder suficiente para perturbar a tranqüilidade de sua alma".

Portanto, na busca pela vida tranquila e feliz, a proposta da filosofia estoica era de que os fatores externos que comprometessem a perfeição moral e intelectual devem ser ignorados, superados, tratados com apátheia (ἀπάθεια). Mesmo nas dificuldades, a reação indicada ao ser humanos, era sempre agir com muita calma e tranquilidade, sem que fatores externos perturbem nossa capacidade de julgar ou reagir.

E, nesta caminhada, como também já citado aqui, de Séneca (2014):

"Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem conformar-se com o bem supremo: somente é capaz de determinar as ações individuais o homem que possui a noção do objetivo supremo da vida".

Quase tudo por ser realizado, primeiro passo já foi dado.

Prossigo!

 

____.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

DESCARTES, René.  As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livres I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001. 

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. Livro VIII - "Carta 71", 2014.


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