quinta-feira, 25 de março de 2021

REFLEXÃO MATINAL LXXVI: “VIATICUM” E A “TRANQUILIDADE DA ALMA”

(IMAGEM: "Pinterest")

  

“Quando, em relação a algo, é entravado ou impedido, recrimina a si mesmo.” (Epictetus)

Somos tentados a falar, mesmo não estando entre os que gostam dessa atividade. Mas, mesmo de pouco falar nos deparamos com nossos equívocos quando nos aventuramos. Quantas vezes dissemos alguma coisa que não precisava ser dita! Assumirmos que cometemos esses deslizes é um passo na direção da serenidade também. E, todos temos um deslize deste tipo, guardado, que quando escapa pede de nós uma reflexão da qual devemos extrair importantes lições. Agir com pressa ou falar demais não nos faz bem. Mas, refletir é buscar a prudência.

  1. O que aprendo com os filósofos, em geral, sobre isso?
  2. O que aprendo como os estoicos sobre isso?
  3. A partir dessa questão, reflito sobre o silêncio interior (não é mero calar-se), mais uma vez.
  4. Como manter o silêncio interior e não agir tresloucadamente?

Um caminho seria controlar as emoções para que daí não resultassem ações equivocadas. Alcançarmos aqueles quatro pilares que por onde vamos o levamos, foi primeiro exercício de muitos que têm sido postos em prática. A esses acrescentei, recentemente “Os votos do estoico”. Mas, como ainda não se alcançou a excelência nas atitudes, sigo trabalhando.

E, ainda: 

silenciar e caminhar... (medito andando).

Transformei estes dois momentos especiais da existência atual como fundamentais para aprendizagem profunda.

E, à medida que avanço, faz-se necessário aferir a aprendizagem. Na maioria das vezes, há pouco ou nenhum avanço, mas o prokopton  deve impor-se mais esforços. 

Fundamental atentarmos para o progresso pessoal.

E, são sinais de progresso, segundo Epictetus:

“[48.b1] Σημεῖα προκόπτοντος· οὐδένα ψέγει, οὐδένα ἐπαινεῖ, οὐδένα μέμφεται, οὐδενὶ ἐγκαλεῖ, οὐδὲν περὶ ἑαυτοῦ λέγει ὡς ὄντος τι ἢ εἰδότος τι. ὅταν ἐμποδισθῇ τι ἢ κωλυθῇ, ἑαυτῷ ἐγκαλεῖ. κἄν τις αὐτὸν ἐπαινῇ, καταγελᾷ τοῦ ἐπαινοῦντος αὐτὸς παρ' ἑαυτῷ· κἂν ψέγῃ, οὐκ ἀπολογεῖται. περίεισι δὲ καθάπερ οἱ ἄρρωστοι, εὐλαβούμενός τι κινῆσαι τῶν καθισταμένων, πρὶν πῆξιν λαβεῖν.

[48.b1] Sinais de quem progride: não recrimina ninguém, não elogia ninguém, não acusa ninguém, não reclama de ninguém. Nada diz sobre si mesmo – como quem é ou o que sabe. Quando, em relação a algo, é entravado ou impedido, recrimina a si mesmo. Se alguém o elogia, se ri de quem o elogia. Se alguém o recrimina, não se defende. Vive como os convalescentes, precavendo-se de mover algum membro que esteja se restabelecendo, antes que se recupere. 

[48.b2] ὄρεξιν ἅπασαν ἦρκεν ἐξ ἑαυτοῦ· τὴν δ' ἔκκλισιν εἰς μόνα τὰ παρὰ φύσιν τῶν ἐφ' ἡμῖν μετατέθεικεν. ὁρμῇ πρὸς ἅπαντα ἀνειμένῃ χρῆται. ἂν ἠλίθιος ἢ ἀμαθὴς δοκῇ, οὐ πεφρόντικεν. ἐνί τε λόγῳ, ὡς ἐχθρὸν ἑαυτὸν παραφυλάσσει καὶ ἐπίβουλον.

[48.b2] Retira de si todo o desejo e transfere a repulsa unicamente para as coisas que, entre as que são encargos nossos, são contrárias à natureza. Para tudo, faz uso do impulso amenizado. Se parecer insensato ou ignorante, não se importa. Em suma: guarda-se atentamente como um inimigo traiçoeiro”.

Difícil! Mas terá de ser feito!

Portanto, mais uma vez, registrando o que foi a “Reflexão matinal” de hoje, faço anotações ainda na perspectiva de um "προκόπτον –prokopton”. De quem aspira à Sabedoria.

Das minhas leituras, atualmente tão frequentes sobre estoicismo, sua proximidade com a TCC tenho analisado o mais notório princípio para prática dessa filosofia: este conjunto de “exercícios práticos”. 

Os objetivos estoicos estão sempre ajustados de forma a dar mais valor à ação do que às palavras. A maneira de agir de cada indivíduo que pretenda ser sábio, priorizada devido ao fato de que verdadeiramente a ação mostra como uma pessoa realmente é. Daí a incessante busca, realizando tais “exercícios práticos” no cotidiano para alcançar a eustatheia (tranquilidade) e euthymia (crença em si), como já anotei aqui nessa página, outras vezes. Não é tarefa fácil mas é caminho a ser trilhado até o limite, com objetivo de buscar a serenidade!

Por exemplo, Sêneca, no "De tranquillitate animi"; 14:2, escreve:

"Vtique animus ab omnibus externis in se reuocandus est: sibi confidat, se gaudeat, sua suspiciat, recedat quantum potest ab alienis et se sibi adplicet, damna non sentiat, etiam aduersa benigne interpretetur".

"Seja como for, a alma deve recolher‐se em si mesma, deixando todas as coisas externas: que ela confie em si, se alegre consigo, estime o que é seu, se aparte o quanto pode do que é alheio, e se dedique a si mesma; que ela não sinta as perdas e interprete com benevolência até mesmo as coisas adversas".

Enfim, só vou dando continuidade, registrando aqui um blog, excelente página que, segundo um professor especialista no assunto e participante do projeto está em pleno desenvolvimento. Registro abaixo o link da página e faço destaque para um “podcast” organizado por Donato Ferrara para tais estudos e práticas.

_____.

1. Link: "Lendo e vivendo à sombra do Pórtico":                              https://devitastoica.com/

2. Texto: "Os votos do estoico":                                  https://devitastoica.com/2017/06/09/os-votos-do-estoico-massimo-pigliucci/

3. Podcast "Viaticum" - by Donato Ferrara:        https://devitastoica.com/2018/08/26/viaticum-o-podcast-de-de-vita-stoica/

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012)

BECK, Judith S. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre, RS, 2997.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, AFragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta Minora. In: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

GALENO. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

_____. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013.

ROBERTSON, Donald. The Philosophy of Cognitive Behavioural Therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

______. Pense como um imperador. Trad. Maya Guimarães. Porto Alegre: Citadel Editora, 2020.

______. How to think Like a roman emperor: the stoic philosophy of Marcus Aurelius. New York: St. Martin's Press, 2019.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

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