domingo, 7 de novembro de 2021

REFLEXÃO MATINAL XCVIII: SOBRE A "CURA DAS PAIXÕES" E A CORREÇÃO DOS "ERROS DA ALMA"

 

(IMAGEM: "Pinterest)

Um dia desses, li, em literatura estoica, sobre o homem diligente; que deve lutar para evitar as oscilações das paixões.

Portanto, a reflexão matinal é mais um retorno a este tema: ainda a "cura das paixões":

Comecei a ler, em abril, neste sentido “estoico”, aproveitando o tempo de recuperação, um livro de Galeno, que terminei recentemente.

E, como tenho estudado e escrito aqui, o ponto de partida sempre foi mesmo tomado desde adolescente e que tenho amadurecido e sistematizado as leituras, recentemente (de 5 anos atrás até o momento). Autores como Pierre Hadot, Rachel Gazolla (sobre o “oficio do filósofo estoico”), Donald Robertson (sobre as relações com a TCC/BCT), Aldo Dinucci (Sobre Epicteto), John Sellars (sobre “Arte de viver” estoica) e outros autores que tenho lido e me aprofunda com isto, no tema.

Desde o início, como sempre anoto aqui, neste tema, os estudos sobre a filosofia de Epictetus tem sido referência fundamental. Nas Diatribes, I.I.4 e no Encheiridion, por exemplo, ele recomenda os “exercícios” para o bom uso das representações, que se examine sempre e as teste antes de qualquer assentimento ou rejeição.

É assim, como sempre destaco nas minhas postagens sobre o tema que, já há algum tempo tenho me esforçado em reconfigurar abordagens teóricas, repensando na "aplicação de princípios"; vivendo e aprendendo, e sempre que escrevo tenho como objetivo me orientar no enfrentamento pessoal das recomendações de grandes sábios. É sempre tentativa de ampliar o enfoque existencial num constante “treino” e esforços na reorientação e reformulação de velhos hábitos (ethos); aqui, mais uma vez: a “cura das paixões”! E, prossigo.

Nunca é demais, portanto, que eu me esforce ainda mais e é nesse sentido incluo, mais uma vez, tais “treinos” e esforços; pressupostos os exercícios, retirando de cada releitura dos livros, não muitos, como os que hoje fiz aqui nessa página várias vezes. E, sempre estou relendo alguns trechos de capítulos.

Novamente, portanto, registro a divisão dos “exercícios”: que Pierre Hadot atribuía à maneira de filosofar estoica, em dois grupos:

No primeiro grupo, aqueles que desenvolvem a consciência de si direcionados a uma visão exata do mundo, da natureza e, 

No segundo grupo, aqueles que são orientados para a paz e tranquilidade interior (Inner Citadel).

E, agora, como dizia no início acrescentei ainda, a estes "exercícios", a leitura deste texto de Galeno: “On the passions and errors of the soul.”

Não conhecia este texto de Galeno e, como tenho estudado o tema e também já anotei aqui, não faz muito tempo, tenho focado mais detidamente na filosofia estoica, com objetivos exclusivamente pessoais (um pouco até por aproximação a Kant, sugerido pelo professor Valério Rohden que, num de seus artigos, faz referência a Cícero e fez interessar-me em verificar o quanto este foi estoico); Além do mais, soube, recentemente por um professor que orienta uma pesquisa sobre Immanuel Kant em relação com o Estoicismo. Ou seja: mais uma oportunidade de aprofundar no tema. Mas, aqui sigo com este texto do Galeno e outros textos para reforçar a aprendizagem sobre o tema aguardando, é claro, a defesa desse trabalho para leitura futura.

Sabedoria prática buscada com a leitura dos estoicos sugere que agir agora mesmo é absolutamente necessário, pois, se ficarmos apenas nos projetos de vida, não progrediremos. Dizem eles que, na prática se reconhecesse o que uma pessoa realmente Um bom motivo para os “exercícios” e “mudança de hábitos” ou, mais especificamente; “a cura das paixões” que para Galeno aparecem como “erros da alma”.

Enfim, com estas leituras e só assim os sinais de progresso, se surgirem, deverão ser, como anotado abaixo, conforme extraído do Encheirídion, de Epictetus.

Mais de uma vez retornei, recentemente, a este tema em “lives” e, estou desenvolvendo as reflexões, para um possível artigo ou capítulo de livro, conforme às possibilidades e organização do tempo. Aliás, neste mê, participo de evento sobre Estoicismo em que vou tentar apresenta alguns resultados dessa leituras, teóricos ainda mas o objetivo é desenvolver, com disciplina, a “cura das paixões” ou como queria Galenno: corrigir os “erros da alma.”

Só assim se alcançados, serão “sinais de progresso”:

“[48.b1] Sinais de quem progride: não recrimina ninguém, não elogia ninguém, não acusa ninguém, não reclama de ninguém. Nada diz sobre si mesmo – como quem é ou o que sabe. Quando, em relação a algo, é entravado ou impedido, recrimina a si mesmo. Se alguém o elogia, se ri de quem o elogia. Se alguém o recrimina, não se defende. Vive como os convalescentes, precavendo-se de mover algum membro que esteja se restabelecendo, antes que se recupere.

[48.b2] Retira de si todo o desejo e transfere a repulsa unicamente para as coisas que, entre as que são encargos nossos, são contrárias à natureza. Para tudo, faz uso do impulso amenizado. Se parecer insensato ou ignorante, não se importa. Em suma: guarda-se atentamente como um inimigo traiçoeiro”.

Esboçando um finalzinho; ressalto ser desnecessário dizer que fica evidente que o caminho é progredir e todo por fazer, ainda. É por isso que devemos estar atentos às nossas inúmeras falhas aos “erros da alma”, para os corrigi em nós. É nisso que consiste, até onde consigo compreender o Estoicismo e, principalmente a Filosofia!

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Acrescento ainda um outro texto que faz uma outra abordagem a partir do que está acima sobre "cura das paixões", que reflete também sobre o poder da vontade:

(Extrato dos trabalhos da sociedade espírita de Paris)

Um jovem de vinte e três anos, o Sr. A..., de Paris, iniciado no Espiritismo apenas há dois meses, com tal rapidez assimilou o seu alcance que, sem nada ter visto, o aceitou em todas as suas consequências morais. Dirão que isto não é de admirar da parte de um moço, e só uma coisa prova: a leviandade e um entusiasmo irrefletido. Seja. Mas continuemos. Esse jovem irrefletido tinha, como ele próprio reconhece, um grande número de defeitos, dos quais o mais saliente era uma irresistível disposição para a cólera, desde sua infância. Pela menor contrariedade, pelas causas mais fúteis, quando entrava em casa e não encontrava imediatamente o que queria; se uma coisa não estivesse em seu lugar habitual; se o que tivesse pedido não estivesse pronto em um minuto, entrava em furores, a ponto de tudo arrebentar. Chegava a tal ponto que um dia, no paroxismo da cólera, atirando-se contra a mãe, lhe disse: “Vai-te embora, ou eu te mato!” Depois, esgotado pela superexcitação, caía sem consciência. Acrescente-se que nem os conselhos dos pais nem as exortações da religião tinham podido vencer esse caráter indomável, aliás compensado por vasta inteligência, uma instrução cuidada e os mais nobres sentimentos.

Dirão que é o efeito de um temperamento bilioso-sanguíneo-nervoso, resultado do organismo e, consequentemente, arrastamento irresistível. Resulta de tal sistema que se, em seus desatinos, tivesse cometido um assassinato, seria perfeitamente desculpável, porque teria tido por causa um excesso de bile. Disso ainda resulta que, a menos que modificasse o temperamento, que mudasse o estado normal do fígado e dos nervos, esse moço estaria predestinado a todas as funestas consequências da cólera.

─ Conheceis um remédio para tal estado patológico?

─ Nenhum, a não ser que, com o tempo, a idade possa atenuar a abundância de secreções mórbidas.

─ Ora, o que não pode a Ciência, o Espiritismo faz, não lentamente e por força de um esforço contínuo, mas instantaneamente. Alguns dias bastaram para fazer desse jovem um ser suave e paciente. A certeza adquirida da vida futura; o conhecimento do objetivo da vida terrena; o sentimento da dignidade do homem, revelada pelo livre-arbítrio, que o coloca acima do animal; a responsabilidade daí decorrente; o pensamento de que a maior parte dos males terrenos são a consequência de nossos atos; todas estas ideias, bebidas num estudo sério do Espiritismo, produziram em seu cérebro uma súbita revolução. Pareceu-lhe que um véu se erguera acima de seus olhos e a vida se lhe apresentou sob outra face. Certo de que tinha em si um ser inteligente, independente da matéria, se disse: “Este ser deve ter uma vontade, ao passo que a matéria não a tem. Então, ele pode dominar a matéria.” Daí este outro raciocínio: “O resultado de minha cólera foi tornar-me doente e infeliz, e ela não me dá o que me falta, portanto é inútil, porque assim não progredi. Ela me produz o mal e nenhum bem me dá em troca. Além disto, ela pode impelir-me a atos censuráveis e até criminosos.”

Ele quis vencer, e venceu. Desde então, mil ocasiões surgiram que antes o teriam enfurecido, mas ante elas ficou impassível e indiferente, com grande estupefação de sua mãe. Ele sentia o sangue ferver e subir à cabeça, mas, por sua vontade, o recalcava e o forçava a descer.

Um milagre não teria feito melhor, mas o Espiritismo fez muitos outros, que nossa Revista não bastaria para registrá-los, se quiséssemos relatar todos os que são do nosso conhecimento pessoal, relativos a reformas morais dos mais inveterados hábitos. Citamos este como um notável exemplo do poder da vontade e, além disso, porque levanta um importante problema que só o Espiritismo pode resolver.

A propósito perguntava-nos o Sr. A... se seu Espírito era responsável por seus arrastamentos, ou se apenas sofria a influência da matéria. Eis a nossa resposta:

Vosso Espírito é de tal modo responsável que, quando o quisestes seriamente, detivestes o movimento sanguíneo. Assim, se tivésseis querido antes, os acessos teriam cessado mais cedo e não teríeis ameaçado a vossa mãe. Além disso, quem é que se encoleriza? É o corpo ou o Espírito? Se os acessos viessem sem motivo, poderiam ser atribuídos ao afluxo sanguíneo, mas, fútil ou não, tinham por causa uma contrariedade. Ora, é evidente que contrariado não era o corpo, mas o Espírito, muito suscetível. Contrariado, o Espírito reagia sobre um sistema orgânico irritável, que teria ficado em repouso, se não tivesse sido provocado.

Façamos uma comparação. Tendes um cavalo fogoso. Se souberdes dirigi-lo, ele se submete. Se o maltratardes, ele dispara e vos derruba. De quem a falta? Vossa ou do cavalo?

Para mim, é evidente que vosso Espírito é naturalmente irascível, mas, como cada um trás consigo o seu pecado original, isto é, um resto das antigas inclinações, não é menos evidente que, em vossa existência precedente, deveis ter sido um homem de uma extrema violência que provavelmente tivestes que pagar muito caro, talvez com a própria vida. Na erraticidade, vossas boas qualidades vos ajudaram a compreender os erros. Tomastes a resolução de vos vencer, e para isto lutar em nova existência. Mas, se tivésseis escolhido um corpo mole e linfático, não encontrando qualquer dificuldade, vosso Espírito nada teria ganho, o que resultaria na necessidade de recomeçar. Foi com esse objetivo que escolhestes um corpo bilioso, a fim de ter o mérito da luta. Agora a vitória está ganha. Vencestes o inimigo do vosso repouso e nada pode entravar o livre exercício de vossas boas qualidades.

Quanto à facilidade com que aceitastes e compreendestes o Espiritismo, ela se explica pela mesma causa. Éreis espírita há muito tempo. Esta crença era inata em vós, e o materialismo foi apenas o resultado da falsa direção dada às vossas ideias. A princípio abafada, a ideia espírita ficou em estado latente e bastou uma centelha para despertá-la. Bendizei a Providência que permitiu que esta centelha chegasse em boa hora para deter uma inclinação que talvez vos tivesse causado amargos desgostos, ao passo que vos resta uma longa carreira a percorrer na via do bem.

Todas as filosofias se chocaram contra esses mistérios da vida humana, que pareciam insondáveis até que o Espiritismo lhes trouxe o seu facho.

Em presença de tais fatos, ainda se pode perguntar para que ele serve? Não estamos em condições de emitir bons augúrios cerca do futuro moral da Humanidade quando ele for compreendido e praticado por todo mundo?

Volto agora para a pesquisa!

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"Mantenha-se forte, mantenha-se bem" (Sêneca)

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REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA

 

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012).

CUNHA, Bruno. A gênese da ética em Kant. São Paulo: Editora LiberArs, 2017.

______. Lições sobre a doutrina filosófica da religião. Trad. Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

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______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

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GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

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______. Lições de ética. Trad. Bruno Cunha e Charles Fedhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

______. O único argumento possível para uma demonstração da existência de Deus. Lisboa: INCM, 2004.

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