Advertia Sêneca:
"Quer saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão!"
Foi essa, mais uma das "reflexões da manhã", estudando e escrevendo mais um capítulo de livro e revisando alguns outros textos para submissão.
No intervalo, mais um, aproveitando uma pausa com a pesquisa principal, anotei
o trecho que segue abaixo, que reli hoje pela manhã. No textos a que me dedico, numa perspectiva estoica, é notório e recorrente o convite a estar atento ao que realmente
está ao nosso alcance e o que não é de nossa alçada, separando pacientemente
uma coisa da outra e daí prossigamos.
O convite é sempre reiterado, nessa linha de interpretação em que estamos desenvolvendo esse texto (para publicação posterior).
Podemos observar que a prática visada concernente à filosofia
moral, numa perspectiva estoica, neste caso, tem sempre como
motivação a busca individual pelo “progresso”, pela conquista
de Virtude.
“[...] Grande é a luta,
divina é a tarefa; o prêmio é um reino, liberdade [ἐλευθερίας],
serenidade [εὐροίας], paz [ataraxia - ἀταραξία].” se
É tarefa principal de
quem pretenda reformular os próprios hábitos, por exemplo, reeducar-se na
busca do Bem (vida boa) que está ao alcance de cada um, para
que, daí descubra que tudo o que lhe sucede durante a vida não é
necessariamente um mal a paralisá-lo.
“...se queres progredir,
conforma-te em parecer insensato e tolo quanto às coisas exteriores. Não
pretendas saber coisa alguma.” (EPICTETO. Encheiridion. XIII).
Assim,
prosseguimos, das últimas reflexões matinais sobre esse tema, o
retorno a uma abordagem estoica sobre (“princípios filosóficos",
em (51.1) e "principios" e (52.1), no Encheirídion):
concentrando no que podemos controlar e aceitarmos o que não podemos!
A citação abaixo, é uma tradução (com as notas) do prof. Aldo Dinucci.
[51.1] Εἰς ποῖον ἔτι χρόνον ἀναβάλλῃ τὸ τῶν
βελτίστων ἀξιοῦν σεαυτὸν καὶ ἐν μηδενὶ παραβαίνειν τὸν αἱροῦντα λόγον; παρείληφας
τὰ θεωρήματα, οἷς ἔδει σε συμβάλλειν, καὶ συμβέβληκας. ποῖον ἔτι διδάσκαλον
προσδοκᾷς, ἵνα εἰς ἐκεῖνον ὑπερθῇ τὴν ἐπανόρθωσιν ποιῆσαι τὴν σεαυτοῦ; οὐκέτι εἶ
μειράκιον, ἀλλὰ ἀνὴρ ἤδη τέλειος. ἂν νῦν ἀμελήσῃς καὶ ῥᾳθυμήσῃς καὶ ἀεὶ ὑπερθέσεις
ἐξ ὑπερθέσεις ποιῇ καὶ ἡμέρας ἄλλας ἐπ' ἄλλαις ὁρίζῃς, μεθ' ἃς προσέξεις σεαυτῷ,
λήσεις σεαυτὸν οὐ προκόψας, ἀλλ' ἰδιώτης διατελέσεις καὶ ζῶν καὶ ἀποθνῄσκων. [51.2] ἤδη οὖν ἀξίωσον σεαυτὸν βιοῦν ὡς
τέλειον καὶ προκόπτοντα· καὶ πᾶν τὸ βέλτιστον φαινόμενον ἔστω σοι νόμος ἀπαράβατος.
κἂν ἐπίπονόν τι ἢ ἡδὺ ἢ ἔνδοξον ἢ ἄδοξον προσάγηται, μέμνησο ὅτι νῦν ὁ ἀγὼν, καὶ
ὅτι ἤδη πάρεστι τὰ Ὀλύμπια καὶ οὐκ ἔστιν ἀναβάλεσθαι οὐκέτι, καὶ ὅτι παρὰ μίαν ἧτταν
καὶ ἔνδοσιν καὶ ἀπόλλυται προκοπὴ καὶ σῴζεται. [51.3] Σωκράτης οὕτως ἀπετελέσθη, ἐπὶ πάντων προάγων ἐαυτὸν μηδενὶ ἄλλῳ
προσέχων ἢ τῷ λόγῳ. σὺ δὲ εἰ καὶ μήπω εἶ Σωκράτης, ὡς Σωκράτης γε εἶναι βουλόμενος
ὀφείλεις βιοῦν.
[51.1]
Por quanto tempo ainda esperarás para que te julgues merecedor das melhores
coisas e para que em nada transgridas os ditames da razão? Recebeste os
princípios filosóficos, com os quais foi preciso concordar, e concordaste. Por
qual mestre ainda esperas para que confies a ele a correção de ti mesmo? Não és
mais um adolescente, já és um homem feito. Se agora fores descuidado e
preguiçoso, e sempre fizeres adiamentos após adiamentos, fixando um dia após o
outro o dia depois do qual cuidarás de ti mesmo, não perceberás que não
progrides. E permanecerás, tanto vivendo quanto morrendo, um homem comum. [51.2] Então, a partir de agora, como
um homem feito e que progride, considera a tua vida merecedora de valor. E que
seja lei inviolável para ti tudo o que se apresentar como o melhor. Então, se
uma tarefa árdua, ou prazerosa, ou grandiosa, ou obscura te for apresentada,
lembra que essa é a hora da luta, que essa é a hora dos Jogos Olímpicos, e que
não há mais nada pelo que esperar, e que, por um revés ou um deslize, perde-se
o progresso, ou o conserva. [51.3] Deste
modo Sócrates realizou-se: de todas as coisas com que se deparou, não cuidou de
nenhuma outra, exceto a razão. E tu, mesmo que não sejas Sócrates, deves viver
desejando ser como Sócrates.
Ademais;
“(1)
O que progride[1] é o que aprendeu dos filósofos que o desejo é pelas
coisas boas e que a repulsa é em relação às más; é o que aprendeu também que o
curso sereno de vida[2] e a ausência de sofrimento na alma[3] não advêm de outro modo ao homem senão não falhando no
desejo e não se deparando com o <objeto d>a repulsa , <o que
progride>; é o que removeu de si mesmo por completo o desejo e o deferiu[4] , <e que> faz uso da repulsa somente em relação às
coisas passíveis de escolha[5] . (2) Já que sabe que, se repudiar alguma das que não são
passíveis de escolha[6] , um dia se deparará com o <objeto> de sua repulsa
e será desafortunado. (3) Mas se a própria excelência[7] é a promessa de produzir felicidade, ausência de
sofrimento na alma, curso sereno de vida[8] , também o progresso em relação à excelência é
indubitavelmente o progresso em relação a cada uma dessas coisas. (4) Pois para
onde quer que a realização completa de algo conduza, para aí tende o
progresso.”[9]
E, enfim:
"[1.1] Τῶν ὄντων
τὰ μέν ἐστιν ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν ὑπόληψις, ὁρμή,
ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις,
δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ τὰ μὲν ἐφ'
ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα, παραπόδιστα, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ,
δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια."
"[1.1] Das
coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos
o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa.
Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –
em suma: tudo quanto não seja ação nossa. [1.2] Por natureza, as coisas
que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são
encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem. (EPICTETO. Encheirídion. I,
1-2, 2012)"
Volto sempre a essa citação do Encheirídion, de
Epicteto. Nela esteve o fundamental para reflexão matinal de hoje a partir da
filosofia estoica: pensar na "dicotomia estoica do controle", o "progresso individual" e a inadequação de alguns indivíduos (Ich) às "multidões".
E, como diz Agostinho: "Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”.
Agora, volto ao trabalho!
______.
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