domingo, 2 de janeiro de 2022

REFLEXÃO MATINAL CVII: "REVOLUÇÃO" PESSOAL E INTRANSFERÍVEL


“Morir es un cambio de existencia, y para el alma una migración de este mundo hacia otro”

Sócrates.

Apareceu nas "lembranças" aqui; de uma "reflexão matinal" que fiz em 2015.

À época, revendo certas “convicções” pensava nesta: a de que O amor existe... a felicidade é possível e, como dizia o Platão, no Górgias (473b):

"A Verdade jamais é refutada".

Acrescentei ainda, às reflexões, o fato de que a Vida tem um Sentido (Frankl); e, não me restam dúvidas.

Ademais, num mundo tão focado em proposições “presentistas”, focado em coisas “materiais”, ampliei minhas reflexões, para mim, por mim... Daí que me deparei novamente com o que me é comum e pretendo seguir ainda mais um pouquinho:

"É realmente curioso ver o materialismo falar incessantemente da necessidade de elevar a dignidade do homem, quando se esforça para reduzi-lo a um pedaço de carne que apodrece e desaparece sem deixar qualquer vestígio; de reivindicar para si a liberdade como um direito natural, quando o transforma num mecanismo, marchando como um boneco, sem responsabilidade por seus atos.(Revue. março de 1869)"

E, nisso, considero muito pertinente algumas proposições dos antigos filósofos, e os tenho estudado com frequência. O dito abaixo, em certa medida justifica isso, para mim, claro:

"Os filósofos gregos antigos, como Epicuro, Zenão, Sócrates, etc, permaneceram mais fiéis à verdadeira ideia de filosofia do que muitos nos tempos modernos. ‘Quando é que tu vais, por fim, começar a viver virtuosamente?’, dizia Platão a um ancião que lhe contava que assistia a lições sobre a virtude. Não se trata de incessantemente especular, é preciso também, de uma vez por todas, pensar na aplicação. Mas hoje considera-se um sonhador aquele que vive em conformidade com o que ensina”[1]

Portanto, dessa abordagem que estou fazendo aqui, como ponto de patida para pensar sobre a busca incessante das Virtude; da “cura das paixões”, aproveitando a manhã para estas anotações reforçando o projeto.

Nada conseguimos, nesta difícil tarefa de enfrentarmo-nos sem esforços “hercúleos”. Benjamin Franklin, por exemplo, reconheceu isso ao dizer que:

“Tho' I never arrived at the perfection I had been so ambitious of obtaining, but fell far short of it, yet I was, by the endeavour, a better and a happier man than I otherwise should have been if I had not attempted it.”

“Eu nunca cheguei à perfeição a que eu tinha sido tão ambicioso de obter; fiquei muito aquém disso, mesmo assim eu fui, pelo esforço, um homem melhor e mais feliz do que eu deveria ter sido se não tivesse tentado"

Outro neste sentido, bastante citado quando o “conhecimento de si mesmo” é estudado é Sócrates. Destacou-se, sempre, nos diálogos platônicos a importância da Alma, da Verdade, da Virtude, etc.

E, é bastante conhecido que Sócrates caminhou pelas ruas de Atenas tentando persuadir outros cidadãos e até mesmo estrangeiros de que o fundamental é sempre o esforço em se melhorarem as almas. Pois, para ele, a alma é a parte mais preciosa (ηηκηώηεξνλ) – (Críton, 48a); tinha como principal objetivo defender a importância da alma e que esta, vale mais do que o corpo. Fica evidente que a busca da virtude, para Sócrates, está amplamente relacionada com a felicidade. Alcançar virtude é ser feliz.

No Fédon, Sócrates expõe a Símias porque se deve estar atento e priorizar, nesta vida, a virtude (ἀξεηῆο) e a prudência (θξνλήζεσο): diz ele que a recompensa é bela (θαιὸλ γὰξ ηὸ ἆζινλ), e é grande a esperança (ἡ ἐιπὶο κεγάιε)! (Fédon, 114c).

Pois, se é assim que queremos pensar, necessário reconhecermos que ...

“Os homens que de alguma forma, cuidam de sua alma (κέιεη ηῆο ἑαπηῶλ ςπρῆο) e não vivem com o pensamento fito no corpo (ζώκαηη πιάηηνληεο δῶζη), quando dizem adeus a todo este tipo de prazeres (εἰδόζηλ) é para seguir um trilho bem diverso daqueles que não sabem aonde vão dar: pois, convictos como estão de que nada devem fazer, que seja contrário à filosofia (ζνθίᾳ πξάηηεηλ) e à libertação purificadora (ηῇ θηινἐθείλεο ιύζεη) que neles opera, é na sua direção que se voltam, seguindo espontaneamente na via por onde ela os conduz (ὑθεγεῖηαη) – (Fédon, 82d).”

Encerro esta pequena “reflexão matinal” com dois poemas. Um sobre “razão e sentimento” que de certa forma sempre foi um tema recorrente aqui no blog. Sempre retorno a este assunto:


"TENHO TANTO SENTIMENTO

Tenho tanto sentimento

Que é frequente persuadir-me

De que sou sentimental,

Mas reconheço, ao medir-me,

Que tudo isso é pensamento,

Que não senti afinal.

 

Temos, todos que vivemos,

Uma vida que é vivida

E outra vida que é pensada,

E a única vida que temos

É essa que é dividida

Entre a verdadeira e a errada.

 

Qual porém é verdadeira

E qual errada, ninguém

Nos saberá explicar;

E vivemos de maneira

Que a vida que a gente tem

É a que tem que pensar."

(18-9-1933)[2]

Este segundo que cito, é por uma reflexão sobre o “presenteísmo”, sobre o que para nós realmente tem importância, nosso foco principal. Tema bem pertinente para um momento de “fuga mundi”; e “tempus fugit”.

 Pra termos esperança!!! 


“O FUTURO FOI ASSIM


Pairava no tempo

um perigo de sonho.

 

Mas os homens não tiveram medo

e se vestiram da coragem do existir.

 

Então, novas eras, como plumas

pousaram na fronte dos velhos,

no ombro dos moços

e no coração das crianças.

 

E foi assim

que nenhuma esperança se perdeu.

E a partir desse instante

a alma do mundo

nunca mais se rendeu

(Nara Rúbia Ribeiro)

Renovadas as esperanças, sigamos em luta.

Portanto, passaram-se os tempos tolos quando pensei que a “revolução” era lá fora. Que nada: é interna, pessoal e intransferível.

______.

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[1]KANT, Immanuel. Vorlesung über die philosophische Encyclopädie. InKant gesalmmelte Schriften, XXIX, Berlin, Akademie, 1980, pp. 8 e 12).

[2] PESSOA, Fernando. Poesias. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15. ed. 1995).

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