domingo, 20 de fevereiro de 2022

REFLEXÃO MATINAL CXVIII: "NOBREZA DE SENTIMENTOS" E "EQUILÍBRIO DA RAZÃO"

(IMAGEM: "Pinterest")

Uma pequena reflexão sobre a nobreza de sentimentos e o equilíbrio da razão num mundo com tanta disparidade sobre esse tema e muito barulhento.

A razão é igual à razão, tal como a rectidão é igual a si mesma; por conseguinte toda a virtude é igual à virtude, pois a virtude outra coisa não é senão a razão recta. Todas as virtudes são formas da razão; são formas da razão se forem todas rectas e se forem rectas são todas iguais.” (SÊNECA. 204. Carta LXVI.32)

Conversava há pouco com um amigo sobre essas questões que resolvi anotar baixo como acréscimo às reflexões. Creio há anos, que seja esta uma postura do “prokoton”, como anotado: a busca pelo equilíbrio.

Acrescento uma frase de Epictetus e avanço numa brevíssima reflexão:

"Proteja o bem que existe em você em tudo o que você fizer, e no que diz respeito a todo o resto, receba o que lhe for dado enquanto puder fazer uso sensato. Se não puder, não terá sorte, estará propenso a falhar, perturbado e limitado" (Epictetus).

E, interrompida a conversa a ser retomada, afim de melhorar não só argumentos mas adotar o quanto possível na prática, passei a repensar, após os trabalhos e últimas reflexões, no termo "eugnomosyne" (Epicteto, D.II, 6.2), na concepção mesma desse “conceito” que tinham os antigos "estoicos", por exemplo, como significando "nobreza de sentimentos", e me ocorreu prosseguir com o que anotei abaixo.

Ai dos que se propõe asserenar e buscar "eugnomosyne" em dias como os atuais! Mesmo se esse, em meio às dificuldades e limitações, coloque a busca pela paz interior na ordem do dia; haverá sempre a postura dos que digam ser impossível num mundo agitado e barulhento como este. E, se adaptam!

Mas, sabe-se, por outro lado que:

De fato, o que é necessário não é a abundância, mas sim a eficácia das palavras. Devemos distribuí-las como se fossem sementes; ora uma semente, ainda que minúscula, se cai em terra favorável, multiplica suas forças e alcança, de exígua que era, dimensões assaz consideráveis. O mesmo sucede com a razão. À primeira vista não parece ter grande raio de ação; mas à medida que vai agindo ganha força. As nossas palavras são breves, mas se o espírito as acolher favoravelmente, elas enrijarão e florescerão. É como te digo, a condição das nossas sentenças é semelhante à das sementes: os frutos são numerosos, as dimensões muito reduzidas! Basta apenas, como já disse, que um espírito propício as entenda e as interiorize; se assim for, em breve esse espírito estará por sua vez a produzir muitas outras, mais numerosas mesmo do que as recebidas.”

Ademais, “ser estoico, afinal, o que é?  Do mesmo modo que chamamos “fidíaca” a estátua modelada segundo a arte de Fídias, mostrai-me igualmente um ser humano enfermo e feliz, em perigo e feliz, desprestigiado e feliz. Mostrai-me. Pelos deuses! Desejo ver um estoico. (EPICTETO. D. 2.19.23-27).”

Talvez, não ser um estoico, sabido que já tenho uma “filosofia de vida” bem definida a orientar-me, como também sempre destaco aqui, mas revisitar as obras clássicas, é o desafio posto e mantido. Não dá para aceitar nem cogitar minimamente, as estapafúrdias tagarelies das propostas hodiernas.

No exercício e hoje para uso cotidiano, escolho encerrar com dois pequenos textos; um de Sêneca, outro de Aristóteles:

Queres saber qual é a coisa que com maior empenho deves evitar? A multidão! Ainda não estás em estado de frequentá-la em segurança. Eu confesso-te sem rodeios a minha própria fraqueza: nunca regresso com o mesmo caráter com que saí de casa; algo que já pusera em ordem é alterado, algo do que já conseguira eliminar, regressa!” (SÉNECA. 2014).

"A multidão mais grosseira considera que o bem e a felicidade é o prazer, e consequentemente adoram uma vida de gratificação […] Assim, parecem completamente escravizados, dado escolherem uma vida que pertence aos ruminantes. Mas têm realmente um argumento em sua defensa, dado que muitos dos poderosos […] têm a mesma convicção. (ARISTÓTELES. 1095 b; 16-23)"

São "exercícios" pessoais de reflexão. Abaixo, algumas indicações de leituras por onde tenho caminhado. muito a corrigir e superar ainda!

Voltando aos estudos! 

(Grifos destaques são meus)

______.

ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

FOOT, Philippa. Natural goodness. Clarendon Press, 2003.

______. Moral dilemmas: and other topics in moral philosophy. Oxford University Press, 2003)

______. Virtues and Vices: and other essays in moral philosophy. OUP Oxford; Reprint, 2003).

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. O que é filosofia antiga? Trad. Dion Davi Macedo. 6 ed. São Paulo:  Edições Loyola, 2014.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.

SELLARS, J. The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

SUGESTÕES DE LEITURA

AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2017.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (col. Os Pensadores).

______. Ethica Nicomachea - III 9 - IV 15: As virtudes morais. Trad. Marco Zingano. São Paulo: Odysseus Editora, 2019.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. – Porto Alegre, RS: Artmed, 2019.

______. Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre, RS: Artmed, 2008.

DESCARTES, René.  As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

FRANKL, Viktor. O sofrimento humano: Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Trad. Bocarro, Karleno e Bittencourt, Renato. Prefácio, Marino, Heloísa Reis. São Paulo: É Realizações, 2019.

______. Em busca de sentido. 25. ed. - São Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

______. Yes to Life: In spite of everything. Beacon Press, 2020.

______. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Aparecida, SP: Ideias e letras, 2005.

FREUD, Sigmund. Inibição. sintoma e angústia. São Paulo: Companhia das letras, 2014.

______. Inibição, sintoma e medo. Porto Alegre, RS: L&PM, 2018.

______. Die Träumdeutung. Hamburg: Nikol, 2011.

______. Interpretação dos sonhos. In: Obras completas. vol 4. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

______. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2011. 

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

JASPERS, Karl. Plato and Augustine. Edited by Hannah Arendt. Translated by Ralph Manheim. New York: Harvest Book, 1962.

______. Introdução ao pensamento filosófico. 16. ed. São Paulo: Cultirx, 1971.

JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade". São Paulo: Paulus, 2013. (Ethos)

JUNG, Carl Gustav. Civilização em transição. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2011. (Obras completas, Vol. 10/3). 

KANT, Immanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Papirus, Campinas, 1993.

______. Lições de ética. Trad. Bruno Cunha e Charles Feldhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

______. Crítica da razão prática. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Martins fontes, 2002.

______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso editorial, 2009. 

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 903-919 "paixões"; 893-906 “virtudes e vícios”e 920-933 "felicidade")

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Livro II. 1).

PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglésias. Rio de Janeiro: Ed. PUC-RIO; São Paulo: Ed. Loyola, 2001.

________. República de Platão. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2012.

________. Teeteto. Trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

________. Timeu. Trad. Maria José Figueredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Introdução aos Diálogos de Platão. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2018.

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