segunda-feira, 7 de março de 2022

REFLEXÃO MATINAL CXX: AS PAIXÕES E A PERFECTIBILIDADE

 

(IMAGEM: "Pinterest")

(Em andamento... apontamentos, esboçando um artigo)

Palavras iniciais

Relia, há pouco (apareceu nas "lembranças"): "Nas sombras do amanhã", de Johan Huizinga (historiador, autor de algumas obras que uso em aulas) pensando na "enfermidade espiritual de nosso tempo".

A isso somei (conforme trecho abaixo e publicação no meu Blog) uma lembrança, de um post que o amigo prof. Humberto Schubert Coelho, publicou aqui nas redes em 07.03.2018, que à época chamei, por minha conta e risco, de "diagnóstico do tempo presente". Quase nada mudou, na verdade!

Assim, resta-nos, no entanto, antes de passar ao texto da “reflexão matinal” a constatação de que a mudança deve ser em nós, cada um de nós.

E continuarmos, portanto, a “[...] perseverar em ambiente hostil, contra todas as chances. Se o plantio não der em nada, ainda assim é um bom exercício."

Ou seja: ainda é válida a esperança, de sempre, pela semente que foi lançada em solo fértil!

Agora, passando ao texto, anotando trechos apara reflexão da manhã mas que será um texto futuramente melhor sistematizado e publicado.

Tem sido frequente durante cada meditação da manhã”, estudando e escrevendo um capítulo de livro e revisando outros textos para submissão, após ter apresentado um pequeno trabalho num evento sobre Estoicismo, aproveitar as pausas com a pesquisa principal, reler trechos de obras como segue abaixo.

De todas as leituras recentes sempre, em certa medida, tenho notado um renovado convite a estar atento ao que realmente está ao nosso alcance e o que não é de nossa alçada, separando pacientemente uma coisa da outra para continuar o caminho nas correções.

Convite sempre reiterado, principalmente, na linha de interpretação do que escrevo hoje aqui, neste texto e em outros. Ora, cabendo sempre observar que a prática visada concernente à filosofia moral aqui, numa perspectiva "estoica" ou "kantiana", amparadas em outras referências clássicas na filosofia, preservar a motivação na busca individual pela Virtude e "cura das paixões". 

Aliás, este tema "paixões" que tem sido frequente aqui nesta página, também aparece na obra citada abaixo, que reli hoje: "Antropologia de um ponto de vista pragmático" e escrevi algo mais sobre isso, para publicação futuramente. O propósito básico é tentar, cotejando, relacionar algumas das fontes consultadas com frequencia.

Eis, portanto, alguns trechos da leitura e estudos da manhã em que, mais uma vez, retornando à ideia de “homem diligente” e que este deve lutar para evitar as oscilações das paixões. Quero crer e estudar mais sobre se esse não est´muito bem relacionado com a ideia de perfectibilidade e "cura das paixões"

Portanto, a reflexão matinal é mais um retorno a um tema crucial ainda: a "cura das paixões".

Nesse sentido também reli, ano passado, aproveitando o tempo de recuperação, um livro de Galeno, aqui escrevo também a partir dos textos de Pierre Hadot mas, acrescento Epictetus, que nas Diatribes I.I.4 e no Encheiridion, recomenda os “exercícios” para o bom uso das representações, que se examine sempre e as teste antes de qualquer assentimento ou rejeição.

Assim, como já há algum tempo estou reconfigurando abordagens teóricas, repensando na "aplicação de princípios"; vivendo e aprendendo, sempre que escrevo tenho como objetivo me orienta no enfrentamento das recomendações de grandes sábios. Sempre é tentativa ampliar o enfoque existencial num constante “treino” e esforços na reorientação e reformulação de velhos hábitos (ethos); aqui, mais uma vez: a “cura das paixões”! E, prossigo.

Ainda nesse caminho, portanto, incluo mais uma vez, tais “treinos” e esforços; pressupostos os exercícios, retirando de cada releitura dos livros, não muitos, como um dos livros Pierre Hadot que hoje, como já fiz aqui nessa página várias vezes, estou relendo alguns trechos de capítulos.

Novamente, recordo, a divisão dos “exercícios”: que ele atribuía à maneira de filosofar estoica, em dois grupos:

No primeiro grupo, aqueles que desenvolvem a consciência de si direcionados a uma visão exata do mundo, da natureza e, 

No segundo grupo, aqueles que são orientados para a paz e tranquilidade interior (Inner Citadel).

E, agora, acrescento ainda, a estes "exercícios", a leitura deste texto de Galeno: “On the passions and errors of the soul.”

Não conhecia este texto de Galeno e, como tenho estudado o tema e já anotei aqui não faz muito tempo, tenho focado mais detidamente a filosofia estoica, com objetivos exclusivamente pessoais (um pouco até por aproximação a Kant, sugerido pelo professor Valério Rohden que, num de seus artigos, faz referência a Cícero e fez interessar-me em verificar o quanto este foi estoico); mas aqui sigo com este texto do Galeno para reforçar a aprendizagem sobre o tema.

Sabedoria prática buscada com a leitura dos estoicos sugere que agir agora mesmo é absolutamente necessário, pois, se ficarmos apenas nos projetos de vida, não progrediremos. Dizem eles que, na prática se reconhecesse o que uma pessoa realmente Um bom motivo para os “exercícios” e mudança de “hábitos” ou, mais especificamente; “a cura das paixões” que para Galeno aparecem como “erros da alma”.

Com estas leituras e só assim os sinais de progresso, se surgirem, deverão ser como anotados abaixo, extraídos do Encheirídion, de Epictetus.

Mais de uma vez retornei, recentemente, a este tema em “lives” e, estou desenvolvendo as reflexões, para um possível artigo ou capítulo de livro, conforme às possibilidades e organização do tempo.

Enfim serão “sinais de progresso”:

“[48.b1] Sinais de quem progride: não recrimina ninguém, não elogia ninguém, não acusa ninguém, não reclama de ninguém. Nada diz sobre si mesmo – como quem é ou o que sabe. Quando, em relação a algo, é entravado ou impedido, recrimina a si mesmo. Se alguém o elogia, se ri de quem o elogia. Se alguém o recrimina, não se defende. Vive como os convalescentes, precavendo-se de mover algum membro que esteja se restabelecendo, antes que se recupere.

[48.b2] Retira de si todo o desejo e transfere a repulsa unicamente para as coisas que, entre as que são encargos nossos, são contrárias à natureza. Para tudo, faz uso do impulso amenizado. Se parecer insensato ou ignorante, não se importa. Em suma: guarda-se atentamente como um inimigo traiçoeiro”.

Desnecessário dizer que fica evidente que o caminho é progredir. Para isso, estejamos atentos às nossas inúmeras falhas aos “erros da alma”, para os  corrigir. Nisso consiste até onde consigo compreender o Estoicismo e, principalmente a Filosofia!

Ainda sobre essas buscas, acrescentei alguns trechos d "Antropologia de um ponto de vista pragmático" (KANT, 2006) sobre a perfectibilidade no ser humano:

“Desenvolvimento até a perfeição[1]

§25 d

Uma série contínua de representações sensíveis sucessivas e diferentes segundo o grau tem, se a seguinte é sempre mais forte que a anterior, um extremo de tensão (intensio): aproximar-se dele é estimulante, ultrapassá-lo, relaxante (remissio). No ponto, porém, que separa ambos estados está a acabamento (maximum) da sensação, que tem por conseqüência a insensibilidade, portanto, a falta de vida.

Se se quer manter viva a faculdade de sentir, não se deve começar pelas sensações fortes (pois estas nos fazem insensíveis para as seguintes), mas de preferência privar-se delas no início e administrá-las com parcimônia para poder ascender cada vez mais alto. O pregador começa, na introdução, com uma fria instrução do entendimento, que induz a tomar em consideração o conceito de um dever; insere então um interesse moral nas divisões de seu texto e termina, na aplicação, movendo todos os móbiles da alma humana mediante as sensações que podem dar ênfase àquele interesse.

Jovem homem! Evita a saciedade (da diversão, do excesso, do amor e semelhantes), se não com o propósito estóico de se abster completamente dela, ao menos com o fino propósito epicurista de ter a perspectiva de uma fruição sempre crescente. Essa parcimônia com o pecúlio de teu sentimento vital te fará realmente mais rico pelo retardamento do prazer, ainda quando no fim de tua vida devas ter renunciado em grande parte ao uso dele. A consciência de ter a fruição em seu poder é, como tudo o que é ideal, mais fecunda e muito mais ampla que toda satisfação dos sentidos porque esta é ao mesmo tempo consumida e, assim, subtraída à massa do todo.”

Das paixões § 80

A possibilidade subjetiva do surgimento de um certo desejo, que precede a representação de seu objeto, é propensão (propensio); - a coação interna da faculdade de desejar para possuir esse objeto, antes de conhecê-lo, é instinto (como impulso de acasalamento ou impulso paternal dos animais de proteger suas crias etc.). - O desejo sensível que serve de regra (hábito) ao sujeito chama-se inclinação (inclinatio). - A inclinação pela qual a razão é impedida de comparar essa inclinação com a soma de todas as inclinações em vista de uma certa escolha, é a paixão (passio animi). Percebe-se facilmente que as paixões são altamente prejudiciais à liberdade, porque se deixam unir à mais tranqüila reflexão e, portanto, não devem ser inconsideradas como a afecção, nem tampouco turbulentas e passageiras, mas podem deitar raízes e coexistir mesmo com a argumentação sutil-, e se afecção é uma embriaguez, paixão é uma doença que tem aversão a todo e qualquer medicamento e, por isso, é muito pior que todas aquelas comoções passageiras da mente, que ao menos estimulam o propósito de se aperfeiçoar; ao contrário destas, a paixão é um encantamento que exclui também o aperfeiçoamento.

Designa-se a paixão com a palavra mania (ambição, sede de vingança, desejo de poder etc.), exceto a do amor, quando não se está enamorado. A causa é que esse último desejo simultaneamente cessa quando satisfeito (mediante o gozo), ao menos em relação à mesma pessoa, e portanto pode-se apresentar como paixão um estar apaixonadamente enamorado (enquanto a outra parte persiste na negativa), mas não o amor físico, porque este não contém um princípio constante em relação ao objeto. A paixão pressupõe sempre uma máxima do sujeito, de agir segundo um fim que lhe é prescrito pela inclinação. Está, portanto, sempre ligada à razão do sujeito: não se podem atribuir paixões aos meros animais nem tampouco aos puros seres racionais. Visto que nunca são plenamente satisfeitas, a ambição, a sede de vingança etc. fazem por isso mesmo parte das paixões, como doenças contra as quais só existem meios paliativos.”

Divisão das paixões [...] §81

Elas são divididas em paixões da inclinação natural (inatas) e paixões da inclinação procedentes da civilização dos seres humanos (adquiridas). As paixões do primeiro gênero são a inclinação à liberdade e a inclinação sexual, ambas ligadas a afecção. As do segundo gênero são a ambição, desejo de poder e cobiça, que não estão ligadas à impetuosidade de uma afecção, mas à persistência de uma máxima dirigida a certos fins. Aquelas podem ser denominadas inflamadas (passiones ardentes); estas, como a avareza, paixões frias (frigidae). Mas todas as paixões são sempre desejos dirigidos apenas de homens a homens, não a coisas, e sem dúvida se pode ter muita inclinação a utilizar um campo fértil ou uma vaca, mas não afecção (que consiste na inclinação à comunidade com outros), e muito menos uma paixão.”

O homem diligente, deve portanto, lutar para evitar as oscilações da paixões.

Ademais:

“[...] ser humano pode exercer domínio sobre si mesmo se ele quiser?

Immanuel Kant, nas "Lições de ética", responde que:

"De fato, parece acontecer dessa forma, porque isso parece depender do homem. [...] Ora, o domínio sobre si mesmo depende da força do sentimento moral. Podemos muito bem nos autogovernar se enfraquecermos as forças opostas.

E, na Questão 909, no LE, lemos também:

Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?

“Sim, e por vezes fazendo esforços bem pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!

Grifo e destaques meus) 

______.

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[1] KANT. Antopologia de um ponto de vista pragmático. 2006.


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