Ainda uma reflexão
sobre a liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας],
e a imperturbável paz de espírito [Ἀταραξία]
Há dias, como hoje, em que essa reflexão é mais do que necessária e precisamos retornar a ela: a "Dicotomia do controle":
"[1.1] Das coisas
existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o
juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa.
Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –
em suma: tudo quanto não seja ação nossa. (EPICTETO, Encheridion.
I. 1)
No entanto, por ser um projeto
aqui, a “cura das paixões”, torna-se necessária a serenidade na
busca em que deve empenhar-se o prokopton - προκόπτον
por uma “imperturbável paz de espírito” – ataraxia - Ἀταραξία.
Mas, como prokopton
- προκόπτον “[...] ser humano pode exercer domínio
sobre si mesmo se ele quiser?”
O próprio Immanuel
Kant, nas "Lições de ética", responde que:
"De fato, parece
acontecer dessa forma, porque isso parece depender do homem. [...] Ora, o
domínio sobre si mesmo depende da força do sentimento moral. Podemos muito bem
nos autogovernar se enfraquecermos as forças opostas."
Por outro lado,
Num trecho do seu livro
"A peste", o escritor Albert Camus anota a constatação
advinda de uma situação de crise, "uma epidemia de peste que tomou
conta de toda a cidade de Orão, na Argélia. Sujeita a quarentena, esta torna-se
um território irrespirável e os seus habitantes são conduzidos até estados de
sofrimento, de loucura, mas também de compaixão de proporções desmedidas".
Ou seja, nestas ocasiões,
de extrema exigência existencial em que um inumerável contingente de
dificuldade se coloca para o ser humano, temos que: por um lado, há
almas que revelam o seu lado bom, e, por outro, as que mostram o que tem
de pior!
Não queria ter que
concordar com Camus!
Mas, fácil constatar que
nas duas propostas, se se busca uma Impertubável paz de espírito,
A tarefa se coloca todos os dias, em diversas situações difíceis de
enfrentar, geralmente.
Só se é prejudicado, na
verdade, por acontecimentos externos se se acredita que estes possam nos
atingir.
A tarefa fundamental,
portanto, e empenhar-se, em bem direcionar as escolhas [Prohaíresis - προαίρεσις]
jamais desviar-se para atividades que estejam fora de seu alcance, ou seja,
estar atento à essas aptidões, focar nelas. E, de todas as formas, seguindo os
preceitos:
[8] Não busques que os
acontecimentos aconteçam como queres, mas quere que aconteçam como acontecem, e
tua vida terá um curso sereno.
[9] A doença é entrave
para o corpo, mas não para a escolha, se ela não quiser. Claudicar é entrave
para as pernas, mas não para a escolha. Diz isso para cada uma das coisas que
sucedem contigo, e descobrirás que o entrave é próprio de outra coisa e não
teu.
E, acima de tudo, jamais
esquecer que
"Le domaine de la
philosophie est de l'ordre de biens interieurs" (Épictète. D. I,
XV : 1).
______.
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