sábado, 11 de fevereiro de 2023

REFLEXÃO MATINAL CLV: "SOMOS NOSSA PÓPRIA SOLUÇÃO". ESTÁ EM NÓS

 

“Viver de acordo com a natureza corresponde a viver de acordo com o melhor de nossa natureza humana, que é o divino dentro de nós que nos inspira a viver vidas excelentes (virtuosas)”. (RUFUS)

Nessa manhã como tem sido e sempre será assim, por um bom tempo, estudando Immanuel Kant e sobre Pseudociência, faço as breves pausas para escrever e anotar algumas reflexões para retomada e prosseguimento de temas relacionados à Virtude, Estoicismo e a obra de Kardec (sob um ponto de vista puramente filosófico) e, tendo lido recentemente “As Diatribes de Epicteto - Livro I”, recém traduzida pelo prof. Aldo Dinucci que antes só tinha lido a versão bilingue em grego e francês.

A isso, aproveito sempre as pausas, relendo alguns trechos da obra de John Sellars sobre o Estoicismo como este deve ser e que, como ele mesmo diz, põe “[...]em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna.  está bibliografia.

Quando li pela primeira vez a obra de Sellars, vi que a partir de Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira: 

A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)

Então, essas leituras e releituras, cotejando, e em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.

Ora, sendo totalmente outra a empreitada a qual me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e prático: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si).

É projeto em andamento, portanto, “há séculos” que às vezes por descuido, tem sido interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente SênecaEpictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema! Acrescentados, na verdade a uma filosofia de vida (Weltanscauung) já adotada adolescência e desenvolvida dia a dia.

E, como sempre, enquanto faço mais uma dessas necessárias pausas no texto principal, vou terminando a releitura de alguns capítulos desse excelente livro de John Sellaers: “The art of living: the stoics on the nature and function of philosophy”. 

No que acrescento aqui, hoje, como “reflexão matinal”, à maneira dos estoicos, tomo como ponto de partida, um trecho de outro texto de John Sellars  (SELLARS, 2016). A este, acrescento um comentário feito há algum tempo e uma série de sugestões de leituras das que tenho feito e indicado aqui[1]

"Muitos dos que estão interessados ou se têm envolvido no renascimento do estoicismo dirão que ele pode ajudar-nos a ter uma vida melhor e mais feliz. À primeira vista, é possível que isso nos leve a considerar a ressurgência do interesse pelo estoicismo como parte da “indústria da felicidade”. Aos insatisfeitos, desiludidos e deprimidos que procuraram em vão algo para alegrá-los, talvez o estoicismo seja a próxima coisa a ser tentada para ajudá-los a superar a tristeza e a recuperar a joie de vivre. Se falarmos do estoicismo como forma de terapia ou como dotado de elementos terapêuticos, decerto tal impressão pode ser transmitida: o estoicismo oferece uma terapia, mas uma terapia para tratar o quê? Parece natural supor que a resposta seja: “uma terapia para tratar a infelicidade”. Com efeito, os estoicos antigos visavam à eudaimonía, o que normalmente se traduz por “felicidade”.

O que desejo é pôr em xeque tal visão ou, quando menos, pôr-lhe ressalvas. O estoicismo não o fará feliz — ao menos não no sentido que a palavra “felicidade” costuma ter quando usada na cultura da autoajuda moderna. Não se trata de pensar de uma dada maneira a fim de garantir dentro de si um sentimento cálido, vago.”

A isso acrescento, um outro texto que reli, mais uma vez ontem à noite e está disponível em: 

https://www.google.com/url?q=https://stoagallica.fr/lascese-des-stoiciens-un-mode-de-vie-austere/&source=gmail&ust=1658658830031000&usg=AOvVaw3ZS1VvMSQ0TZxsC3cf7Eqo

Acrescento também o novo para leitura em breve, pela temática que apresenta:        

VEILLARD, Christelle. Le souffle de la raison: le défi des stoïciens. Plon, 2023.

Hoje acrescento essa obra, apresentando uma discussão bem interessante, comum a todos mas aqui, na perspectiva estoica segundo Christelle Velllard, como segue abaixo sobre a obra:

“Somos a nossa própria solução. Aqui está a lição aparentemente simples, mas complexa de implementar, que os filósofos estóicos nos oferecem.

Entre pandemia e escassez, guerras e crises de todo tipo, nunca deixamos de buscar um objetivo em nossas vidas, e de tentar encontrar as condições e os meios para alcançá-lo. O estoicismo, uma tradição filosófica que nasceu no século III aC e sobreviveu aos séculos, fala ao nosso tempo.

Os pensadores que a personificam, de Zénon a Marc Aurèle, defendem uma filosofia de existência eficaz mas muito exigente, incitando-nos à ação. A pena atenta e bem-humorada de Christelle Veillard revela-nos um modelo de grandeza inigualável, longe dos clichês da passividade e do egoísmo, tantas vezes atribuídos aos estóicos. O estoicismo pode nos despertar, nos conscientizar das coisas e adotar diferentes atitudes.

Como viver verdadeiramente, sem "fazer mal" ou "não fazer nada"? Como evitar as armadilhas do arrependimento, preguiça ou distração? Como apreender o tempo e a morte? Como fazer de si mesmo uma "cidadela inexpugnável" permanecendo aberto aos outros? Como reorientar a si mesmo, ao mesmo tempo em que se envolve no palco do mundo? Como cuidar da alma, vivendo entre os outros, na cidade, mas também na natureza? O que significa bem e virtude?

Tantas questões existenciais para as quais os filósofos estóicos deram respostas. O autor no-las revela e decifra, permitindo-nos ver com um pouco mais de clareza a verdade do mundo."

Sobre o autor:

Christelle Veillard, agrégée em filosofia, é professora de filosofia antiga na Universidade de Paris Ouest Nanterre La Défense (Paris X) desde 2009. Ela publicou várias obras de referência sobre filósofos estóicos, bem como vários artigos sobre as virtudes e política.

______.

ARRIANO FLÁVIO. As Diatribes de Epicteto. Livro I. Tradução, introdução e comentário Aldo Dinucci. Universidade Federal de Sergipe. Série Autores Gregos e Latinos Coimbra, Imprensa da universidade de Coimbra, 2020.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta MinoraIn: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

______. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

HUIZINGA, Johan. Nas sombras do amanhã: um diagnóstico da enfermidade espiritual de nosso tempo . - Trad. Sérgio Marinho, Goiânia-GO: Editora Caminhos, 2017.

INWOOD, Brad. Reading Seneca: stoic philosophy at Rome. Oxford, Reino Unido: Clarendon Press, 2005.

IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). ______. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 893-912 "vícios e virtudes)

LEBRUN, Gérard. O conceito de paixãoIn: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

ROBERTSON, Donald. The Philosophy of Cognitive Behavioural Therapy (CBT): stoic philosophy as rational and Cognitive Psychotherapy. Londres  :Karnac Books, 2010.

______. Pense como um imperador. Trad. Maya Guimarães. Porto Alegre: Citadel Editora, 2020.

______. How to think Like a roman emperor: the stoic philosophy of Marcus Aurelius. New York: St. Martin's Press, 2019.

SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

____. Sobre a clemência. Introdução, tradução e notas de Ingeborg Braren. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

____. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma. Tradução, introdução e notas de José Eduardo S. Lohner. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.

____. Moral Essays. Tradução de John W. Basore. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 1985.  https://www.loebclassics.com/.

______. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SELLARS, J. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of philosophy. Burlington: Ashgate, 2003.

VEILLARD, Christelle. Le souffle de la raison: le défi des stoïciens. Plon, 2023.

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