terça-feira, 26 de dezembro de 2023

REFLEXÃO MATINAL CLXV: "O ASCETISMO DOS ESTÓICOS: UM MODO DE VIDA AUSTERO?" (II)

Relendo antigas anotações e acrescentando outra obra de John Sellars, sobre a qual sugiro uma resenha de Donald Robertson, especialista em BCT/TCC:

Link da resenha: https://donaldrobertson.substack.com/p/book-review-lessons-in-stoicism-by-john-sellars-3b83f60158c4

E, também de John Sellars: The Routledge handbook of the stoic tradition[1]Routledge, 2017.

"Tornar-se um estudante de filosofia na antiguidade não significava meramente aprender uma série de argumentos complexos ou o engajamento no debate intelectual. Antes, envolvia o engajamento em um processo de transformar o caráter (ethos) e a alma (psique), uma transformação que por sua vez transformaria o modo de vida (bios) do indivíduo." (SELLARS, 2003, p. 23)

Ainda segundo Sellars, Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira: 

A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)

Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.

Ora, na empreitada a que me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e pratico: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si). É projeto em andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente Sêneca, Epictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema!

Sobre a mudança de hábitos antigos por novos hábitos (mais saudáveis), trabalho incessante e necessário. É bastante caraterística a reflexão proposta por Epictetus em relação ao hábito e o habituar-se a determinadas ações, segundo ele, estreitamente ligadas aos aspectos mentais de cada indivíduo. A preocupação sempre notada na leitura que se faz de sua obra, como acima, é a distinção entre o que é interno (encargos nossos) e o que é externo (não são encargos nossos), conforme (EPICTETUS, em Encheiridion, I.

Ou seja, não é necessário o reconhecimento nas opiniões alheias, mas nas próprias opiniões. Importante aqui, os hábitos novos entre os quais se refere: o autodomínio (enkrateia), a perseverança (karteria) e à paciência (anexikakia) também extraído do Encheirídion:

“Quanto a cada uma das coisas que sucedem contigo, lembra, voltando a atenção para ti mesmo, de buscar alguma capacidade que sirva para cada uma delas. Caso vires um belo homem ou uma bela mulher, descobrirás para isso a capacidade do autodomínio. Caso uma tarefa extenuante se apresente, descobrirás a perseverança. Caso a injúria, a paciência. Habituando-te desse modo, as representações não te arrebatarão.”

Ao voltar-se para si, é imperativo que se adote novos hábitos, mas contrários ao mero vício. O que se obtém de tais conselhos é que, estando ciente de que deseja a mudança, de que o vício incomoda, deve-se mudar de direção. Epictetus chega a propor que quem não se opõe a antigos hábitos, quem não os supera nem se torna filósofo.

É só uma reflexão pessoal. Mas, muito a fazer!

______,

ARRIANO FLÁVIO. As Diatribes de Epicteto. Livro I. Tradução, introdução e comentário Aldo Dinucci. Universidade Federal de Sergipe. Série Autores Gregos e Latinos Coimbra, Imprensa da universidade de Coimbra, 2020.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

DINUCCI, A. Fragmentos menores de Caio Musônio Rufo; Gaius Musonius Rufus Fragmenta MinoraIn: Trans/Form/Ação. vol.35 n.3 Marília, 2012.

______. Introdução ao Manual de Epicteto. 3. ed. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.

______. Epictetus Discourses. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

______. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments: Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

GALENO. Aforismos. São Paulo: E. Unifesp, 2010.

______. On the passions and errors of the soul. Translated by Paul W . Harkins with an introduction and interpretation by Walter Riese. Ohio State University Press, 1963.

GAZOLLA, Rachel.  O ofício do filósofo estóico: o duplo registro do discurso da Stoa, Loyola, São Paulo, 1999.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

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______. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins, 2018.

HUIZINGA, Johan. Nas sombras do amanhã: um diagnóstico da enfermidade espiritual de nosso tempo . - Trad. Sérgio Marinho, Goiânia-GO: Editora Caminhos, 2017.

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[1] "The ancient philosophy of stoicism has been a crucial and formative influence on the development of Western thought since its inception through to the present day. It is not only an important area of study in philosophy and classics, but also in theology and literature.

The Routledge Handbook of the Stoic Tradition is the first volume of its kind, and an outstanding guide and reference source to the nature and continuing significance of stoicism. Comprising twenty-six chapters by a team of international contributors and organised chronologically, the Handbook is divided into four parts:

  • Antiquity and the Middle Ages, including stoicism in Rome; stoicism in early Christianity; the Platonic response to stoicism; and stoic influences in the late Middle Ages.
  • Renaissance and Reformation, addressing the impact of stoicism on the Italian Renaissance, Reformation thought, and early modern English literature including Shakespeare
  • Early Modern Europe, including stoicism and early modern French thought; the stoic influence on Spinoza and Leibniz; stoicism and the French and Scottish Enlightenment; and Kant and stoic ethics
  • The Modern World, including stoicism in nineteenth century German philosophy; stoicism in Victorian culture; stoicism in America; stoic themes in contemporary Anglo-American ethics; and the stoic influence on modern psychotherapy.

An invaluable resource for anyone interested in the philosophical history and impact of stoic thought, The Routledge Handbook of the Stoic Tradition is essential reading for all students and researchers working on the subject." (Fonte: Amazon)

 

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