Relendo antigas anotações e acrescentando
outra obra de John Sellars, sobre a qual sugiro uma resenha de Donald
Robertson, especialista em BCT/TCC:
Link da resenha: https://donaldrobertson.substack.com/p/book-review-lessons-in-stoicism-by-john-sellars-3b83f60158c4
E, também de John Sellars: The Routledge handbook of the
stoic tradition[1]. Routledge,
2017.
"Tornar-se um estudante de filosofia na antiguidade não
significava meramente aprender uma série de argumentos complexos ou o
engajamento no debate intelectual. Antes, envolvia o engajamento em um processo
de transformar o caráter (ethos) e a alma (psique),
uma transformação que por sua vez transformaria o modo de vida (bios)
do indivíduo." (SELLARS, 2003, p. 23)
Ainda segundo Sellars, Epictetus, por exemplo, descreve a
filosofia da seguinte maneira:
A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o
homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora
de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o
material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário,
também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou)
é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS,
2003, p. 56)
Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza,
donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se
deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por
um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro
lado.
Ora, na empreitada a que me dedico há algum tempo, é fundamental
esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo,
que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e
pratico: "medito andando" e decidi, há alguns anos,
aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade)
e "euthymia" (crença em si). É projeto em
andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas,
retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais
especificamente Sêneca, Epictetus e Marco Aurélio; entre os que vou
acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema!
Sobre a mudança de hábitos antigos por novos hábitos (mais
saudáveis), trabalho incessante e necessário. É bastante caraterística a
reflexão proposta por Epictetus em relação ao hábito e o habituar-se
a determinadas ações, segundo ele, estreitamente ligadas aos aspectos mentais
de cada indivíduo. A preocupação sempre notada na leitura que se faz de sua
obra, como acima, é a distinção entre o que
é interno (encargos nossos) e o que é externo (não são
encargos nossos), conforme (EPICTETUS, em Encheiridion, I.
Ou seja, não é necessário o reconhecimento nas opiniões alheias, mas nas
próprias opiniões. Importante aqui, os hábitos novos entre os quais se refere:
o autodomínio (enkrateia), a perseverança (karteria) e
à paciência (anexikakia) também extraído
do Encheirídion:
“Quanto a cada uma das coisas que sucedem contigo, lembra,
voltando a atenção para ti mesmo, de buscar alguma capacidade que sirva para
cada uma delas. Caso vires um belo homem ou uma bela mulher, descobrirás para
isso a capacidade do autodomínio. Caso uma tarefa extenuante se apresente,
descobrirás a perseverança. Caso a injúria, a paciência. Habituando-te desse
modo, as representações não te arrebatarão.”
Ao voltar-se para si, é imperativo que se adote novos hábitos, mas
contrários ao mero vício. O que se obtém de tais conselhos é que, estando
ciente de que deseja a mudança, de que o vício incomoda, deve-se mudar de
direção. Epictetus chega a propor que quem não se opõe a antigos
hábitos, quem não os supera nem se torna filósofo.
É só uma reflexão pessoal. Mas, muito a fazer!
______,
ARRIANO FLÁVIO. As Diatribes de Epicteto. Livro
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[1] "The ancient philosophy of stoicism has been a crucial and formative influence on the development of Western thought since its inception through to the present day. It is not only an important area of study in philosophy and classics, but also in theology and literature.
The Routledge Handbook of the Stoic Tradition is the first volume of its kind, and an outstanding guide and reference source to the nature and continuing significance of stoicism. Comprising twenty-six chapters by a team of international contributors and organised chronologically, the Handbook is divided into four parts:
- Antiquity and the Middle Ages, including stoicism in Rome; stoicism in early Christianity; the Platonic response to stoicism; and stoic influences in the late Middle Ages.
- Renaissance and Reformation, addressing the impact of stoicism on the Italian Renaissance, Reformation thought, and early modern English literature including Shakespeare
- Early Modern Europe, including stoicism and early modern French thought; the stoic influence on Spinoza and Leibniz; stoicism and the French and Scottish Enlightenment; and Kant and stoic ethics
- The Modern World, including stoicism in nineteenth century German philosophy; stoicism in Victorian culture; stoicism in America; stoic themes in contemporary Anglo-American ethics; and the stoic influence on modern psychotherapy.
An invaluable resource for anyone interested in the philosophical history and impact of stoic thought, The Routledge Handbook of the Stoic Tradition is essential reading for all students and researchers working on the subject." (Fonte: Amazon)
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