sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

REFLEXÃO MATINAL CLXVI: A VIDA FELIZ (II) E UMA ESPIRITUALIDADE LAICA

 

 

Pensando bem!

Mais uma reflexão sobre a Vida Feliz (De Vita Beata)

DOIS CAMINHOS... UM A SEGUIR...

Enquanto evito a “multidão”, cito Sêneca, para abrir a "reflexão matinal" sobre um livro de Luc Ferry que estou lendo:

"Quando se trata da felicidade, não é adequado que me respondas de acordo com o costume da separação dos votos : 'A maioria está deste lado, então, do outro está a parte pior'. Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem à maioria. A multidão é argumento negativo. Busquemos o melhor, não o mais comum, aquilo que conceda uma felicidade eterna, não o que aprova o vulgo, péssimo intérprete da verdade. Chamo vulgo tanto àqueles que vestem a clâmide quanto aos que carregam coroas. Não olho a cor das roupas que adornam os corpos, não confio nos olhos para conhecer o homem. Tenho um instrumento melhor e mais confiável para discernir o verdadeiro do falso; o bem do espírito, só o espírito o há de encontrar”. (Sêneca. In: "Vida Feliz")

Reli, há poucos dias, um livrinho: A Carta sobre a felicidade, de Epicuro a Meneceu; em seguida retomei as Cartas de Sêneca a Lucílio, A vida feliz, de Sêneca e hoje encerrando a leitura de um recente livro de Luc Ferry sobre o tema. Aos anteriores, portanto, acrescentei esse do Luc Ferry: A vida feliz: sabedorias antigas e espiritualidade laica. E, como sempre faço, adiciono aqui e em breve farei uma retomada, inserida nos “exercícios espirituais” conforme anoto abaixo.

Sobre Sêneca: em seu livro A vida feliz se opõe a Epicuro que defende o prazer como a fonte da felicidade.

Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

Cabendo ressaltar que ‘Feliz’ na discussão entre estoicos e epicuristas, é o equivalente da palavra grega eudaimonia (εὐδαιμονία), que pode ser traduzida como “vida digna de ser vivida”, “vida boa”, “plenitude do ser”.

Os estoicos defendem que a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos; uma vida virtuosa.

Diz Sêneca que não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) a conclusão é que a solução é ter como objetivo a virtude, a felicidade será consequência.

Ademais:

Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

Fica claro, portanto, uma recomendação: a de que não devemos associar a virtude ao prazer, pois se assim o fizermos acabaremos adentrando territórios não virtuosos, seduzidos pelo prazer "desregrado". 

Assim, seguindo essa reflexão, acrescento como disse acima o Livro do Ferry que acabei de ler e citei acima; motivo dessas anotações de hoje.

Vejamos, de início, o que me chamou atenção nesse texto: principalmente a defesa de uma “espiritualidade laica” fundamentada num “racionalismo crítico” que ele mesmo aponta como ter sido influenciada por Immanuel Kant, Karl R. Popper, Alexis de Tocqueville e o “programa de trabalho de Victor Hugo”

Enfim, terminando de ler esse livro hoje e destaco que,

“Neste livro, o filósofo francês Luc Ferry nos brinda com uma investigação profunda e instigante sobre a busca pela felicidade e por significado na vida. Ele nos conduz através das correntes de pensamento filosófico e da espiritualidade laica, explorando o legado da mitologia e sua relevância para os desafios contemporâneos.

Um texto que nos leva a refletir sobre os princípios fundamentais da vida feliz, desafiando nossas perspectivas e encorajando-nos a desvendar nossas próprias escolhas e propósitos.”

La vie heureuse - Luc Ferry

Présentation:

Des scientifiques, de plus en plus nombreux, nous promettent que la « révolution de la longévité » est pour demain, que nos petits-enfants pourront vivre cent cinquante ans, voire davantage, encore jeunes et en bonne santé physique et psychique. Ce livre fait le point sur ces recherches, sépare science et fantasmes et pose la question de fond : à quoi bon vivre aussi longtemps ?

Face à cette interrogation, deux conceptions de la vie heureuse s’opposent. La première nous vient de ces sagesses anciennes que la psychologie positive remet au goût du jour. Elles nous invitent à dire « oui au réel », à nous résigner à l’ordre naturel des choses afin d’accepter dans la sérénité la vieillesse et la mort. Les modernes philosophies de l’histoire et de la liberté plaident pour une tout autre spiritualité : si une éducation tout au long de la vie, voire une perfectibilité potentiellement infinie, sont le propre de l’Homme, allonger la vie en bonne santé pourrait offrir à l’humanité l’occasion de devenir enfin moins bornée, moins violente, et, pourquoi pas, plus sage qu’elle ne le fut au xxe siècle.

Ce sont les termes de ce débat désormais crucial que présente ce livre. L.F.”

Prossigo!

(Grifos e destaques são meus)

______.

FERRY, Luc. La vie heureuse: sagesses anciennes et spiritualité laïque. Paris: Editions L’Observatoire, 2022

______. A vida feliz: sabedorias antigas e espiritualidade laica. Petrópolis, RJ: Vozes Nobilis, 2023.

Para saber mais sobre o tema:

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; Fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.

EPICURO. Carta sobre a felicidade: a Meneceu. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.

ESPINOSA, Maria José Hernández. Epicuro e Séneca: leyendo Carta a Meneceo y La vida feliz. Publicacions de la Universitat de València, 2009.

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

HANH, Thich Nhat. Meditação andando: guia para a paz interior. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. São Paulo: Ed. Círculo do livro, 1992.

KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, ______. O livro dos Espíritos. 93. ed. - 1. reimpressão (edição histórica). Brasília, DF: Feb, 2013. (Q. 625; 907-912; 919-921 ).

LEBRUN, Gérard. O conceito de paixãoIn: NOVAES, Adauto (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

______. Da tranquilidade da alma. (precedido de "Da vida retirada", seguido de "Da felicidade". Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.

______. Vida Feliz. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.


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