domingo, 28 de abril de 2024

REFLEXÃO MATINAL CLXVIII: O "HEGEMONICON" COMO "PODER INTERIOR" QUE DOMINA E COMANDA AS AÇÕES

(IMAGEM: "Pinterest")
 

CÓLERA E "HEGEMONICON"- ἡγεμονικόν

Voltando ao corpo ("Modê Ani"). Consciência tranquila!

E, não podem faltar: um livro, o cafezinho e a Esperança!

E, continuando a caminhada, refletindo um pouquinho, cito de Séneca (2014) um breve texto que já usei várias vezes aqui:

"Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem conformar-se com o bem supremo: somente é capaz de determinar as ações individuais o homem que possui a noção do objetivo supremo da vida".

Assim, diante de momentos de irritação, de cólera, revolta, mesmo que ainda nossas pretensões em evitar ou vencer esses momentos, por sermos imperfeitos, inconstantes, irascíveis e quase tudo esteja por ser realizado, cabe a nós a difícil decisão do primeiro passo na direção de mudanças de hábitos que precisa ser dado.

O problema:

"O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? — Entregai-vos à cólera.

Pesquisai a origem desses acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar." (ESE, cap. IX, item 9: A cólera)

...

Um primeiro passo:

Somadas a nossas dificuldades na decisão do primeiro passo no equilíbrio das paixões, acrescento o que, para mim, tem se transformado com os “exercícios” um esforço constante no Primeiro passo... para avançar ainda um pouquinho mais.  

Sendo assim,

"Se você não deseja perder a cabeça, não alimente o hábito. Tente, como primeiro passo, manter-se calmo e conte os dias que você não se irritou. Eu costumava me irritar todos os dias, depois a cada dois dias, então a cada três ou quatro dias… Se você chegar a 30 dias, agradeça aos deuses! Porque primeiro um hábito é enfraquecido e depois obliterado. Quando você puder dizer: 'Eu não perdi minha calma hoje, ou no próximo dia, ou nos próximos três ou quatro meses, mas me mantive sereno enquanto sofria provocações', você saberá que está com a saúde melhor." (Epictetus)

Ainda mais um reforço na reflexão. Tendo aqui como base o Hegemonikon.

Hegemonikon: para os estoicos, o que dá unidade a toda vida psíquica humana, a fonte da vida da alma e do conjunto psicofísico, da consciência e das faculdades cognitivas superiores, como capacidade representativa, julgamento e razão.

E, partindo dessa palavra: Hegemonicon - ἡγεμονικόν, que acrescento na reflexão desta manhã sobre o que pode ser tomado como “verdadeira liberdade”; tentando uma aproximação com a noção de “cidadela interior” e tenho acrescentado reflexões sobre as “leis naturais”.

E, mais, por estar trabalhando nesse sentido, de reviravolta, de compreensão racional das “Leis naturais”, o Hegemonicon - ἡγεμονικόν passou a servir como uma referência fundamental a um poder interior que se posiciona como quem domina e comanda as ações a partir dessa “compreensão racional” das “leis naturais”; uma atividade embasada na razão e especificamente humana.

Portanto, foi um momento nessa manhã; na vida, em que paramos e aplicamo-nos no esforço em fazer a coisa certa, a escolha certa; a melhor tomada de decisão, desviando (clinâmen) das absurdidades do presente "caótico" que se nos afigura "catastroficamente" (para alguns), mas que, sem desânimo, tentamos fazer disso momentos de recomeços, de refazimento.

A tarefa se insere numa meta mais ampla, portanto, fortalecermo-nos e nos sustentarmos na direção da tão almejada “tranquilidade” (ἀπάθεια – apatheia), e a “imperturbável paz de espírito” (Ἀταραξία - Ataraxia). É mais um momento de refletirmos estoicamente... ou, no mínimo, sermos coerentes na caminhada. Serena e solitária caminhada. 

Ademais:

Não comeces tu a fazer os teus males mais graves do que são e a afligires-te com queixumes. Toda dor é ligeira quando não a julgamos a partir da opinião comum. Se, pelo contrário, começares a exortar-te a ti mesmo e a dizer: “Isto não é nada, ou pelo menos não é nada de importância! O que é preciso é paciência [Duremus]! Isto passa já!” — pelo próprio fato de considerares ligeiras as tuas dores, já estás a torná-las de fato ligeiras. Todos os nossos juízos estão suspensos da opinião comum. Não são apenas a ambição, o luxo, a avareza que se regulam por ela: também sentimos as dores de acordo com a opinião [ad opinionem dolemus]. Cada um só é desgraçado na justa medida em que se considera tal. Em meu entender, há que pôr termo às lamentações por dores já passadas, e que evitar palavras como: “Nunca alguém esteve tão mal como eu! Que dores, que sofrimentos eu padeci! Ninguém imaginava que eu iria recuperar! Quantas vezes a família chegou a chorar-me e os médicos a abandonarem-me como morto! Os supliciados na mesa de tortura não sofrem tormentos iguais aos meus!”. Mesmo que tudo isto fosse verdade, pertence já ao passado. O que é que se ganha em re-sentir os sofrimentos passados, qual a vantagem de, por o ter sido uma vez, continuar a sentir-se desgraçado? E não é verdade que toda gente exagera consideravelmente os próprios males, mentindo, afinal, a si mesma?”  (Sêneca, L. A. Cartas a Lucílio, LXXVIII, 13-14, 2014.)

______.

DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.

EPICTETO. Entretiens. Livre I. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.

______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.

______. O Encheirídion de Epicteto. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue)

______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.

EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather. Harvard: Loeb, 1928.  https://www.loebclassics.com/

HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.

______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa). São Paulo: É Realizações, 2016.

______. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.

KING, C. Musonius Rufus: Lectures and Sayings. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2011.

LONG, Georg. Discourses of Epictetus, with Encheiridion and fragments. Londres: Georg Bell and sons, 1890.

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LUTZ, C. Musonius Rufus: the Roman Socrates. Yale Classical Studies 10 3-147, 1947. Pritchard, M. “Philosophy for Children”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2002. Acessado em 19 de agosto de 2016; fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .

MARCO AURÉLIO. Meditações. Trad. Aldo Dinucci. São Pulo: Penguin/Companhia, 2023.

SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.

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