CÓLERA E
Voltando
ao corpo ("Modê Ani"). Consciência tranquila!
E,
não podem faltar: um livro, o cafezinho e a Esperança!
E,
continuando a caminhada, refletindo um pouquinho, cito de Séneca (2014) um
breve texto que já usei várias vezes aqui:
"Sempre
que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem
supremo, pelo objetivo de toda a tua vida. Todas as nossas ações devem
conformar-se com o bem supremo: somente é capaz de determinar as ações
individuais o homem que possui a noção do objetivo supremo da vida".
Assim,
diante de momentos de irritação, de cólera, revolta, mesmo que ainda nossas
pretensões em evitar ou vencer esses momentos, por sermos imperfeitos,
inconstantes, irascíveis e quase tudo esteja por ser realizado, cabe a nós a
difícil decisão do primeiro passo na direção de mudanças de hábitos que precisa
ser dado.
O problema:
"O orgulho vos induz
a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa
rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer
em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o
menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? — Entregai-vos à
cólera.
Pesquisai a origem desses
acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder
o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho
ferido. Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos,
senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se
originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que
cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem
dobrar." (ESE, cap. IX, item 9: A cólera)
...
Um primeiro passo:
Somadas a nossas
dificuldades na decisão do primeiro passo no equilíbrio das paixões, acrescento
o que, para mim, tem se transformado com os “exercícios” um esforço constante
no Primeiro passo... para avançar ainda um pouquinho mais.
Sendo assim,
"Se você não
deseja perder a cabeça, não alimente o hábito. Tente, como primeiro passo,
manter-se calmo e conte os dias que você não se irritou. Eu costumava me
irritar todos os dias, depois a cada dois dias, então a cada três ou quatro
dias… Se você chegar a 30 dias, agradeça aos deuses! Porque primeiro um hábito
é enfraquecido e depois obliterado. Quando você puder dizer: 'Eu não perdi
minha calma hoje, ou no próximo dia, ou nos próximos três ou quatro meses, mas
me mantive sereno enquanto sofria provocações', você saberá que está com a
saúde melhor." (Epictetus)
Ainda
mais um reforço na reflexão. Tendo aqui como base o Hegemonikon.
Hegemonikon: para os estoicos, o que dá unidade a toda
vida psíquica humana, a fonte da vida da alma e do conjunto psicofísico, da
consciência e das faculdades cognitivas superiores, como capacidade
representativa, julgamento e razão.
E,
partindo dessa palavra: Hegemonicon - ἡγεμονικόν,
que acrescento na reflexão desta manhã sobre o que pode ser tomado como
“verdadeira liberdade”; tentando uma aproximação com a noção de “cidadela
interior” e tenho acrescentado reflexões sobre as “leis naturais”.
E,
mais, por estar trabalhando nesse sentido, de reviravolta, de compreensão
racional das “Leis naturais”, o Hegemonicon - ἡγεμονικόν passou
a servir como uma referência fundamental a um poder interior que se
posiciona como quem domina e comanda as ações a partir dessa “compreensão
racional” das “leis naturais”; uma atividade embasada na razão e
especificamente humana.
Portanto,
foi um momento nessa manhã; na vida, em que paramos e aplicamo-nos no esforço
em fazer a coisa certa, a escolha certa; a melhor tomada de decisão, desviando
(clinâmen) das absurdidades do presente "caótico"
que se nos afigura "catastroficamente" (para alguns), mas que, sem
desânimo, tentamos fazer disso momentos de recomeços, de refazimento.
A tarefa se insere numa
meta mais ampla, portanto, fortalecermo-nos e nos sustentarmos na direção da
tão almejada “tranquilidade” (ἀπάθεια – apatheia), e a “imperturbável
paz de espírito” (Ἀταραξία - Ataraxia). É mais um momento de refletirmos estoicamente... ou, no mínimo, sermos
coerentes na caminhada. Serena e solitária caminhada.
Ademais:
“Não comeces tu a fazer os teus males mais graves do que são e a
afligires-te com queixumes. Toda dor é ligeira quando não a julgamos a partir
da opinião comum. Se, pelo contrário, começares a exortar-te a ti mesmo e a
dizer: “Isto não é nada, ou pelo menos não é nada de importância! O que é
preciso é paciência [Duremus]! Isto passa já!” — pelo próprio fato de
considerares ligeiras as tuas dores, já estás a torná-las de fato ligeiras.
Todos os nossos juízos estão suspensos da opinião comum. Não são apenas a
ambição, o luxo, a avareza que se regulam por ela: também sentimos as dores de
acordo com a opinião [ad opinionem dolemus]. Cada um só é desgraçado na justa
medida em que se considera tal. Em meu entender, há que pôr termo às
lamentações por dores já passadas, e que evitar palavras como: “Nunca alguém
esteve tão mal como eu! Que dores, que sofrimentos eu padeci! Ninguém imaginava
que eu iria recuperar! Quantas vezes a família chegou a chorar-me e os médicos
a abandonarem-me como morto! Os supliciados na mesa de tortura não sofrem
tormentos iguais aos meus!”. Mesmo que tudo isto fosse verdade, pertence já ao
passado. O que é que se ganha em re-sentir os sofrimentos passados, qual a
vantagem de, por o ter sido uma vez, continuar a sentir-se desgraçado? E não é
verdade que toda gente exagera consideravelmente os próprios males, mentindo,
afinal, a si mesma?” (Sêneca, L. A. Cartas a Lucílio,
LXXVIII, 13-14, 2014.)
______.
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