Revisitando um tema; acrescentando alugumas anotações utilizando novas referências!
1. A partir de releitura da Crítica da razão prática e da Metafísica dos costumes, principalmente a Parte segunda que trata da Doutrina da virtude. Estudando atentamente o capítulo mas, para esse texto, vou focar na Doutrina do métodos da ética, com especial atenção nos itens: “O ensino ético” e a “Ascese ética”
Ponto de partida:
“Que a virtude tenha de ser adquirida (que não seja inata) é algo dado já em seu próprio conceito, sem que seja necessário referir-se a conhecimentos antropológicos provenientes da experiência. Pois a faculdade moral do homem não seria virtude se não fosse produzida por meio da firmeza de propósito na luta contra tão poderosas inclinações conflituosas. A virtude é o produto da razão prática pura, na medida em que esta, na consciência de sua superioridade (pela liberdade), adquire supremacia sobre aquelas.
Que a virtude possa e tenha de ser ensinada decorre de ela não ser inata, assim, a doutrina da virtude [Tugendlehre] é objeto de ensinamento. Entretanto, como a força para praticar as regras não é adquirida por meio do mero ensino sobre como devemos nos comportar para nos adequarmos ao conceito da virtude, os estoicos pensavam que a virtude não pode ser ensinada por meio de meras representações do dever, por meio de exortações (por paranese), mas tem de ser cultivada por meio da tentativa de combater o inimigo interior do homem (asceticamente), tem de ser exercitada; porque não se pode de imediato tudo o que se quer se antes não se tiver exercitado e praticado as próprias forças, mas para isso, certamente, tem-se de tomar a decisão completamente e de uma vez por todas, pois, do contrário, a intenção [Gesinnung] (animus), com uma capitulação com o vício para dele se afastar gradualmente, seria em si impura e mesmo viciosa, portanto, tampouco produziria virtude alguma (enquanto aquela que assenta em um princípio único).”
2. A reflexão aqui proposta é uma continuação de uma outra, iniciada em salas de aula, durante alguns anos, com o texto, também de Platão, o "Ménon" (70a - 74b), sobre o que é virtude (areté) e se esta pode ser "ensinada" ou é "inata". Sócrates e Ménon discutem sobre esta questão.
A tentativa de aproximação entre dois textos de Platão, o "Ménon" e este, apresentado abaixo; "O anel de Giges", retirado da "República", (livros II e III) visa uma reflexão, mais especificamente, sobre a prática da "Virtude".
Diferente de se pensar se é inata ou adquirida, a questão agora, no "Anel de Giges", é pensar se, sob certas condições, os homens agem em oposição ao que se espera de cada um.
Trata-se de Platão, na sua obra "A República" (Livro II e III, principalmente em 359b - 360a): "O mito do Anel de Giges" - em que se discute se "os homens só são justos porque temem o castigo. A conduta ética depende apenas do medo da punição?"
Ao texto, reflitamos:
"(359b-360a) Glauco: Vamos provar que a justiça só é praticada contra a própria vontade dos indivíduos e devido à incapacidade de se fazer a injustiça, imaginando o que se segue. Vamos supor que se dê ao homem de bem e ao injusto igual poder de fazer o que quiserem, seguindo-os para ver até onde os leva a paixão. Veremos com surpresa o homem de bem tomar o mesmo caminho que o injusto, este impulsionado a querer sempre mais, impulso que se encontra em toda natureza, mas ao qual a força da lei impõe limites. O melhor meio de testá-los da maneira como digo seria dar-lhes o mesmo poder que, segundo dizem, teve Giges, o antepassado do rei da Lídia. Giges era um pastor a serviço do então soberano da Lídia.
Devido a uma terrível tempestade e a um terremoto, abriu-se uma fenda no chão no local onde pastoreava o seu rebanho. Movido pela curiosidade, desceu pela fenda e viu, admirado, um cavalo de bronze, oco, com aberturas. E ao olhar através de uma das aberturas viu um homem de estatura gigantesca que parecia estar morto. O homem estava nu e tinha apenas um anel de ouro na mão. Giges o pegou e foi embora. Mais tarde, tendo os pastores se reunido, como de hábito, para fazer um relatório sobre os rebanhos ao rei, Giges compareceu à reunião usando o anel. Sentado entre os pastores, girou por acaso o anel, virando a pedra para o lado de dentro de sua mão, e imediatamente tornou-se invisível para os outros, que falavam dele como se não estivesse ali, o que o deixou muito espantado. Girou de novo o anel, rodando a pedra para fora, e tornou-se novamente visível. Perplexo, repetiu o feito para certificar-se de que o anel tinha esse poder e concluiu que ao virar a pedra para dentro tornava-se invisível e ao girá-la para fora voltava a ser visível. Tendo certeza disso, juntou-se aos pastores que iriam até o rei como representantes do grupo. Chegando ao palácio, seduziu a rainha e com a ajuda dela atacou e matou o soberano, apoderando-se do trono. Vamos supor agora que existam dois anéis como este e que seja dado um ao justo e outro ao injusto. Ao que parece não encontraremos ninguém suficientemente dotado de força de vontade para permanecer justo e resistir à tentação de tomar o que pertence a outro, já que poderia impunemente tomar o que quisesse no mercado, invadir as casas e ter relações sexuais com quem quisesse, matar e quebrar as armas dos outros. Em suma, agir como se fosse um deus. Nada o distinguiria do injusto, ambos tenderiam a fazer o mesmo e veríamos nisso a prova de que ninguém é justo porque deseja, mas por imposição. A justiça não é, portanto, uma qualidade individual, pois sempre que acreditarmos que podemos praticar atos injustos não deixaremos de fazê-lo.
De fato, todos os homens creem que a injustiça lhes traz individualmente mais vantagens do que a justiça, e têm razão, se levarmos em conta os adeptos dessa doutrina. Se um homem que tivesse tal poder não consentisse nunca em cometer um ato injusto e tomar o que quisesse de outro, acabaria por ser considerado, por aqueles que conhecessem o seu segredo, como o mais infeliz e tolo dos homens. Não deixariam de elogiar publicamente a sua virtude, mas para disfarçarem, por receio de sofrerem eles próprios alguma injustiça. Era isso o que tinha a dizer.”
...
Acrescento ainda, um livro de Eduardo Gianetti que li recentemente:
“Uma reflexão a um só tempo acessível e erudita sobre a diferença entre ser e parecer.
A fábula de Giges, presente no segundo livro da República de Platão, na qual um camponês encontra um anel capaz de lhe conceder o poder da invisibilidade, é o tema do mais novo livro de Eduardo Giannetti.
Em uma análise do experimento mental de se viver sem impedimentos ou censura social, O anel de Giges nos convida a pensar a natureza de nosso comportamento para além de leis e amarras morais. Para tal, Giannetti examina os ideais de plenitude e felicidade das tradições filosóficas ocidentais e como as diferentes escolas de pensamento ético ― de Platão ao cristianismo, de Kant ao utilitarismo ― reagiriam diante do desafio do anel.
Neste livro, o autor de Autoengano volta a encorajar o leitor a desconfiar de si mesmo e se questionar sobre suas atitudes enquanto espectador de sua própria vida em circunstâncias inusuais: o que você faria se o anel chegasse às suas mãos?”
3. Eis, portanto, bons textos sugeridos para reflexão sobre nossas atitudes.
A principal questão: o que nós faríamos se tivessemos um tal anel?
A nossa resposta nos colocaria em cheque sobre como agiríamos ou devessemos agir?
Ora, Giges se apossa de algo que não lhe pertence, em seguida, percebendo o repentino poder, se corrompe. Seu lado "ruim" vem à tona. Nas mesmas condições, faríamos diferente?
Com a "história" de Giges, refletiríamos sobre o que criticamos nos outros. Se já percebessemos tal "inclinação"; tentaríamos corrigir em nós?
No fim da obra, Platão diz que devemos ser justos, "com anel ou sem anel", que as nossas escolhas revelam o que há de obscuro no que somos (ou parecemos ser). Bom refletirmos sobre isso!
E é por isso, prosseguindo e aproximando da nossa pesquisa mais diretamente, anoto a partir da Crítica da razão prática e da Religião nos limites da simples razão:
A doutrina da Religião nos limites da simples razão.
A Dialética da razão prática pura em geral. O Sumo Bem.
Supressão crítica da antinomia da razão prática.
Os postulados da razão prática pura em geral.
“O ensino ético” e a “Ascese ética”
______.
GIANETTI, Eduardo. O anel de Giges. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KANT, Immanuel. Lições de ética. Trad. Bruno Cunha e Charles Fedhaus. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido A. de. São Paulo: Discurso editoria: Barcarola, 2009.
______. A metafísica dos costumes. Trad. Clélia Aparecida Martins. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
______. A religião nos limites da simples razão. Edições 70, Lisboa, 1992.
______. A religião nos limites da razão pura. Trad. Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2024.
______.Vorlesung über die philosophische Encyclopädie. In: Kant gesalmmelte Schriften, XXIX, Berlin, Akademie, 1980, pp. 8 e 12).
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética. Rio Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 30-32).
PLATÃO. Ménon. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2001.
______. República. 12. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001.
______. República. 3. ed. Belém, PA: EDUFPA. Trad. Carlos Alberto Nunes, 2000.
Vídeo "Anel de Giges": https://www.youtube.com/watch?v=QqB-s0nvdUs
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