Trata-se do problema central de saber, a partir do texto de Kant sobre questão da mentira. Kant a define como uma inverdade intencional que envolve questões tanto éticas como jurídicas, pois o ato de mentir além de tornar indigno quem o pratica ainda torna inútil a fonte do direito. Benjamim Constant em seu texto "Das reações políticas" criticou Kant por ter afirmado que a mentira, independente de qual seja, é inadmissível porque torna o homem indigno. Constant admite que o direito de mentir em determinados casos é legitimado, pois, segundo o filósofo, dizer a verdade só é, portanto, um dever em relação àqueles que têm direito à verdade. Ora, o dever é o que corresponde aos direitos de um outro, então, onde não há direitos não há deveres. Kant refuta Constant ao afirmar que seu posicionamento sobre um suposto direito de mentir, em primeiro lugar; se trata de uma fórmula pouco clara, na medida em que a verdade não é um bem ao qual o direito possa ser outorgado a alguém, mas negado a um outro; em segundo lugar, e sobretudo, porque o dever de veracidade não faz nenhuma distinção entre pessoas em relação às quais se tem esse dever, ou em relação às quais também se pudesse isentar dele, isso porque é um dever incondicional, válido em todas as circunstâncias. Pois, a mentira, enquanto violação do dever ético, é um ato indigno, que merece desprezo.
Portanto, para Kant, a questão da mentira é um problema moral, que envolve tanto a ética quanto o direito, onde não é possível um direito de mentir nem a sua legitimação. Pois, nenhuma inverdade intencional na manifestação do pensamento de alguém pode deixar de ser considerado como mentira porque um ato assim viola o direito de outros ao tornar inútil a fonte do direito, pois, sendo o princípio de verdade um dever “que deve ser considerado a base de todos os deveres a serem fundados sobre um contrato, e a lei desses deveres, desde que se lhe permita a menor exceção, torna-se vacilante e inútil.” (KANT, 2013, p. 74). Deste modo, a mentira por mais que seja bem intencionada não pode ser defendido por ser um ato indigno.
E, porque estou estudando e tentando aproximação entre Santo Agostinho e Immanuel Kant sobre o problema da mentira. Os dois estão entre os filósofos que consideram a mentira inadmissível em qualquer circunstância. Para isso, fiz releitura da questão na discussão entre Kant e Constant.
E, esta reflexão sobre a mentira continua a ser fundamental para a compreensão ética da verdade em tempos de “fake news” e “pós-verdade”.
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