Para começar, seguindo Sellars, a partir de Epictetus, na descrição da filosofia nos seguintes termos:
A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, D. 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)”
"Tornar-se um estudante de filosofia na antiguidade não significava meramente aprender uma série de argumentos complexos ou o engajamento no debate intelectual. Antes, envolvia o engajamento em um processo de transformar o caráter (ethos) e a alma (psique), uma transformação que por sua vez transformaria o modo de vida (bios) do indivíduo." (SELLARS, 2003, p. 23)
Ainda segundo Sellars, Epictetus, por exemplo, descreve a filosofia da seguinte maneira:
A filosofia não promete obter qualquer coisa exterior para o homem, pois se o fizesse ela estaria admitindo algo que se encontra fora de seu material apropriado (hules). Pois assim como a madeira é o material (hule) do carpinteiro, e o bronze o do estatuário, também a própria vida de cada indivíduo (ho bios autou hekastou) é o material da arte de viver (tes peri bion technes). (EPICTETUS, Discursos 1.15.2, apud SELLARS, 2003, p. 56)
Então, em meio a tanta confusão, momentos de profunda tristeza, donde sempre nos recuperamos e nos colocamos a pensar no hábito a que tantos se deixam seduzir (eu mesmo me deixei levar noutro tempo): do pessimismo, por um lado e do extremo esforço em "mudar o mundo" por outro lado.
Ora, na empreitada a que me dedico há algum tempo, é fundamental esquecer pessimismos e o desejo de mudar o que nos é externo, que está fora do nosso alcance. Como tenho postado aqui, e pratico: "medito andando" e decidi, há alguns anos, aprofundar sistematicamente uma intensa busca por "eustatheia" (tranquilidade) e "euthymia" (crença em si). É projeto em andamento “há séculos” que às vezes por descuido, foi interrompido. Mas, retomando sigo o conselho sugerido pelos estoicos; mais especificamente Sêneca, Epictetus e Marco Aurélio; entre os que vou acrescentando à medida que sigo nos estudos sobre o tema!
Ao prokopton:
“Então, almejando coisas de tamanha importância, lembra que é preciso que não te empenhes de modo comedido, mas que abandones completamente algumas coisas e, por ora, deixes outras para depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter cargos e ser rico, talvez não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as primeiras, e absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais unicamente resultam a liberdade e a felicidade (EPICTETO. Encheiridion. I,4).”
Para as meditações de hoje, tomei como base parte da obra “Meditações“, do imperador Marco Aurélio; Livro IV : 24. Escritas em 167 d.C., Marco Aurélio (121-180), em 12 livros com máximas direcionadas a reflexões sobre o autoconhecimento; sobre crescimento pessoal, acrescentando excerto de Epicteto, Pierre Hadot, Donald Robertson.
“‘Ocupa-te com pouco’, diz alguém, ‘se queres ter bom ânimo’ Mas não seria melhor se ocupar das coisas necessárias e das quantas coisas que a razão do animal político por natureza escolhe? Pois assim não se obtém contentamento apenas a partir do ocupar-se belamente, mas também a partir do ocupar-se com pouco. Pois, sendo a maior parte do que falamos e do que nos ocupamos desnecessária, se alguém a eliminar, terá mais tempo livre e será mais tranquilo. Por essa razão, também é preciso, quanto a cada coisa, indagar -se: isso é necessário ou não? É preciso que ajas para eliminar não apenas o que é desnecessário, como também as representações desnecessárias. Pois assim não te dedicarás a inutilidades que decorrem de tais representações. (2023)"
E, ainda na esteira dos chamados “exercícios espirituais”, propostos por Hadot (2001), ligados ao que encontramos, em certa medida, com cuidado, na obra dos estoicos e de Epicteto: do “exercício da consciência de si", como um “exercício da atenção” a si mesmo. Em “Diatribes. Livro IV. XII), o capítulo inteiro é sobre a atenção (prosoché- περί προσοχῆς).
Foi neste sentido, minha “reflexão matinal” de hoje, que só anotei agora aqui no Blog. retomo ideias de um outro texto, que escrevi aqui no Blog. A anterior foi sobre a prosoché: uma “prática que silencia o ruído que existe dentro de nós”. Tantas "coisas podem nos distrair" Não são poucas as vezes em que nos deixamos arrastar pelo que já aconteceu num remoto passado ou por algo que não aconteceu ainda e, às vezes ne acontecerá. Prendemo-nos às "velhas memórias e experiências”.
Mais uma vez, reforçando para releitura e constantes "exercícios": se quisermos, portanto, mudar nossos “desejos”, devemos criar uma nova atmosfera interior. Como prioridade devemos encontrar um espaço de tranquilidade interior, aprendermos mais sobre nós mesmos. Isso exige de nós e inclui tentar reconhecer e compreender nossos limites.
E,
“[LII.1] Ὁ πρῶτος καὶ ἀναγκαιότατος τόπος ἐστὶν ἐν φιλοσοφίᾳ ὁ τῆς χρήσεως τῶν δογμάτων, οἷον τὸ μὴ ψεύδεσθαι· ὁ δεύτερος ὁ τῶν ἀποδείξεων, οἷον πόθεν ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι· τρίτος ὁ αὐτῶν τούτων βεβαιωτικὸς καὶ διαρθρωτικός, οἷον πόθεν ὅτι τοῦτο ἀπόδειξις; τί γάρ ἐστιν ἀπόδειξις, τί ἀκολουθία, τί μάχη, τί ἀληθές, τί ψεῦδος; [LII.2] οὐκοῦν ὁ μὲν τρίτος τόπος ἀναγκαῖος διὰ τὸν δεύτερον, ὁ δὲ δεύτερος διὰ τὸν πρῶτον· ὁ δὲ ἀναγκαιότατος καὶ ὅπου ἀναπαύεσθαι δεῖ, ὁ πρῶτος. ἡμεῖς δὲ ἔμπαλιν ποιοῦμεν· ἐν γὰρ τῷ τρίτῳ τόπῳ διατρίβομεν καὶ περὶ ἐκεῖνόν ἐστιν ἡμῖν ἡ πᾶσα σπουδή· τοῦ δὲ πρώτου παντελῶς ἀμελοῦμεν. τοιγαροῦν ψευδόμεθα μέν, πῶς δὲ ἀποδείκνυται ὅτι οὐ δεῖ ψεύδεσθαι, πρόχειρον ἔχομεν.”
“[LII.1] O primeiro e mais necessário tópico da filosofia é o da aplicação dos princípios, por exemplo: “Não sustentar falsidades”. O segundo é o das demonstrações, por exemplo: “Por que é preciso não sustentar falsidades?” O terceiro é o que é próprio para confirmar e articular os anteriores, por exemplo: “Por que isso é uma demonstração? O que é uma demonstração? O que é uma consequência? O que é uma contradição? O que é o verdadeiro? O que é o falso?” [LII.2] Portanto, o terceiro tópico é necessário em razão do segundo; e o segundo, em razão do primeiro – mas o primeiro é o mais necessário e onde é preciso se demorar. Porém, fazemos o contrário: pois no terceiro despendemos nosso tempo, e todo o nosso esforço é em relação a ele, mas do primeiro descuidamos por completo. Eis aí porque, por um lado, sustentamos falsidades e, por outro, temos à mão como se demonstra que não é apropriado sustentar falsidades”
Por isso, retornei, pela manhã, a uma outra reflexão a partir da obra de Pierre Hadot sobre a obra de Johan Wolfgang von Goethe na tradição dos “exercícios espirituais” na aplicação dos “princípios filosóficos” (Encheirídion, 51,1) e “princípios” em (Encheirídion, 52,1), na sua interpretação. Disso decorrem três práticas:
1. concentrar-se com intensidade no presente,
2. considerar as circunstâncias em conjunto.
3. cultivar a esperança.
Grande personagem da literatura alemã, Johann Wolfgang von Goethe tem por parte de Pierre Hadot uma obra dedicada ao seu pensamento. Ainda, na perspectiva do que tenho estudado aqui das suas obras, o que continua me interessando são os "exercícios espirituais", que desenvolveu a partir dos estoicos. Tem sido objetos de leitura, portanto, as obras dos dois autores. Destaco da sinopse abaixo, o fundamental; o estudo que Hadot faz da expressão estoica “Memento mori” e que Goethe reinterpreta com seu “Memento vivere”.
Sobre a obra:
“Um dos eruditos mais respeitados das últimas décadas comenta a atitude filosófica da figura máxima da cultura alemã. Pierre Hadot, estudioso a quem cabe o mérito de haver redescoberto o aspecto vivencial da filosofia clássica (conforme exposto em A Filosofia como Maneira de Viver e Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga), é autor também de comentários a pensadores modernos nos quais tal caráter é ainda perceptível. Os principais escritos desse gênero são Wittgenstein e os Limites da Linguagem e Não se Esqueça de Viver: Goethe e a tradição dos exercícios espirituais. Neste livro, o último que Hadot publicou em vida, o filósofo aborda – com o estilo profundo, elegante e agradável que sempre o acompanhou – três “exercícios espirituais” (ou seja, práticas de autodisciplina) que o literato alemão cultivou e que ilustram o seu lema, contrário ao Memento mori, “Não se esqueça do morrer”: Memento vivere, “Não se esqueça de viver”. As três práticas se reduzem a concentrar-se com intensidade no presente, considerar as circunstâncias em conjunto e cultivar a esperança. Além da investigação cuidadosa de como tais exercícios são sugeridos pela vida e pelos textos de Goethe [...]. Uma obra que faz valer o elogio que lhe viria a endereçar Luc Ferry: ‘Admirável’.”
(Grifos e destaques meus)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.
CÍCERO. De Finibus Bonorum et Malorum. Trad. H. Rackham, Cambridge: Harvard University Press, 1914.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DINUCCI, Aldo. Introdução ao Manual de Epicteto. 3ª ed, São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2012.
______; ______. A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV. Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
FERRY, Luc. Aprender a Viver: filosofia para os novos tempos. Trad. Véra Lucia dos Reis, Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
HADOT, Pierre. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque, Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações, Coleção Filosofia Atual, 2014.
______. Não se Esqueça de Viver: Goethe e a tradição dos exercícios espirituais. Malimpensa, [Lara Christina de], São Paulo: É Realizações, 2019.
__________. Elogio da Filosofia Antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira, São Paulo: Loyola, 2012.
______. The Inner Citadel: The Meditations of Marcus Aurelius. Trad. Michael Case, Massachusetts: Harvard University Press, 1998.
IRVINE, William B. A Guide to the Good Life: the ancient art of Stoic joy. New York: Oxford University Press, 2009.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1994.
______. Crítica da razão prática. Trad. Monique Hulshof. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
LONG, A.A. A stoic and Socratic guide to life. New York: Oxford University Press, 2007.
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