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“Torna
meu pensamento capaz de se adaptar seja ao que for que venha a acontecer” (EPICTETO,
Diatribes, II, 2, 21)
Antes de começar a pensar, ressalte-se que "adaptar-me" aqui não é sinônimo de conivência com absurdos, como se há de perceber abaixo.
Li, certa vez, não me lembro onde, algo sobre a Filosofia estoica ser uma doutrina da coerência consigo mesmo. A Razão perfeita que eles buscam ou defendem é a mesma papa pensar a comunidade dos humanos Seria a Razão a que rege o “mundo dos homens”, da mesma maneira, a que rege o homem considerado individualmente.
Li, certa vez, não me lembro onde, algo sobre a Filosofia estoica ser uma doutrina da coerência consigo mesmo. A Razão perfeita que eles buscam ou defendem é a mesma papa pensar a comunidade dos humanos Seria a Razão a que rege o “mundo dos homens”, da mesma maneira, a que rege o homem considerado individualmente.
Nessa maneira de ver as coisas, em que o homem procura seu “local of control”, sua “inner citadel”, está o cerne da razão mesma.
Inegável que todo o homem tem um conhecimento natural de realidade essencial, sente a aspiração pelo Bem, felicidade e a paz de espírito.
É comum a todo homem o esforço na busca do Bem e em evitar o mal.
Nesse sentido é que os estoicos propunham o conceito de epiméleia (cuidado de si) e o conceito de oikeíosis (apropriação de si). Ao que se pretenda aventurar pelo caminho da filosofia, no que se refere ao aprofundamento dessa busca, diz Epicteo nas (Diatribes, I, 22, 9-15):
“Que é, então, a educação
filosófica? É aprender a aplicar nossas prenoções naturais aos casos
particulares de uma maneira conforme com a natureza; é em seguida, discernir,
em meio aos seres, aquilo que depende de nós e aquilo que não depende. Depende
de nós: a pessoa e todos os seus atos; não depende de nós: o corpo, as partes
do corpo, aquilo que nós possuímos, os parentes, os irmãos, as crianças, a
pátria, em uma palavra aqueles com quem nós vivemos. Em que então devemos
colocar nosso bem? A que tipo de
realidade aplicaremos este nome? Àquelas que dependem de nós. - “Quê! Então não
é um bem a saúde, a integridade do corpo, a vida? Não? Nem mesmo as crianças,
os parentes ou a pátria? Quem poderia crer?” – Transportemos então para esses
últimos objetos a denominação de bens. Então é possível ser feliz se injuriado
e privado dos bens? – “Isso não é possível”. – E, ter com aqueles que vivem
perto de vós as relações que devem existir? E como isso seria possível? Porque eu
sou levado pela natureza a considerar meu interesse. Se for meu interesse ter
um campo; é também meu interesse pegar aquele do vizinho; se for meu interesse
ter uma veste, é também meu interesse roubá-lo de uma casa de banhos. Daí, as
guerras, as dissensões, as tiranias, os complôs.”
O “coração” do homem, segundo o Epicteto,
pode ser posto nas coisas que não dependem de nós, e é disso que resulta a
visão de que o mundo é um horror, um “inferno” (segundo alguns).
Ora, sendo um estoico Epicteto
orienta sobre a maneira de nos posicionarmos em relação ao mundo, à natureza.
Se está chovendo, faz calor, faz frio mas eu desejava outra coisa, não a que
está acontecendo, não devo me perturbar. Realmente, difícil entrar no ritmo
dessa disciplina, mas é procedimento da educação filosófica estoica.
Disso reflitamos sobre se não é fundamental,
ainda na perspectiva da educação filosófica estoica, colocarmos nosso “coração”
nas coisas que dependem mesmo de nós. Desenvolvermos, e insistindo que não é
fácil, uma adaptação, com o tempo, às circunstâncias.
“Eis como nós representamos
a tarefa do filósofo. Falta ainda procurar realizá-la. Vemos que alguém se
torna carpinteiro graças a um aprendizado, piloto graças a um aprendizado. Não
é portanto claro que também nesse caso não basta querer ser alguém de bem, mas
é necessário um aprendizado? Nós procuramos qual é esse aprendizado. Os
filósofos dizem que é preciso começar por isto:
Existe um Deus, ele exerce sua Providência sobre todo o Universo (hoti
esti théos kaí pronoeî ton hólon), e não
é possível esconder dele, não somente suas ações como também seus próprios
pensamentos e desejos. (EPICTETO, Diatribes, II, 14, 9-12).”
À medida que estudo as obras dos estoicos,
sobre os quais anoto aqui nessa página os resultados de pesquisa, fica claro para
mim: há no interior do ser humano, aquilo que levou Piere Hadot a chamar de “cidadela
interior”, que acima ressaltei com “local of control” e “coração” do homem.
Onde está seu "coração" aí estará o homem. Portanto, é necessário aferirmos
nossas escolhas (proaíresis - προαίρεσις).
E, é sempre bom lembrar:
“[1.1] Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστιν
ἐφ' ἡμῖν, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν. ἐφ' ἡμῖν μὲν
ὑπόληψις, ὁρμή, ὄρεξις, ἔκκλισις καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα ἡμέτερα ἔργα· οὐκ ἐφ' ἡμῖν δὲ
τὸ σῶμα, ἡ κτῆσις, δόξαι, ἀρχαὶ καὶ ἑνὶ λόγῳ ὅσα οὐχ ἡμέτερα ἔργα. [1.2] καὶ τὰ μὲν ἐφ' ἡμῖν ἐστι φύσει ἐλεύθερα, ἀκώλυτα,
παραπόδιστα, τὰ δὲ οὐκ ἐφ' ἡμῖν ἀσθενῆ,
δοῦλα, κωλυτά, ἀλλότρια. [1.3] μέμνησο οὖν, ὅτι, ἐὰν τὰ φύσει δοῦλα ἐλεύθερα οἰηθῇς
καὶ τὰ ἀλλότρια ἴδια, ἐμποδισθήσῃ, πενθήσεις, ταραχθήσῃ, μέμψῃ καὶ θεοὺς καὶ ἀνθρώπους,
ἐὰν δὲ τὸ σὸν μόνον οἰηθῇς σὸν εἶναι, τὸ δὲ ἀλλότριον, ὥσπερ ἐστίν, ἀλλότριον, οὐδείς σε ἀναγκάσει οὐδέποτε, οὐδείς σε κωλύσει,
οὐ μέμψῃ οὐδένα, οὐκ ἐγκαλέσεις τινί, ἄκων
πράξεις οὐδὲ ἕν, οὐδείς σε βλάψει, ἐχθρὸν οὐχ ἕξεις, οὐδὲ γὰρ βλαβερόν τι πείσῃ.
[1.4] τηλικούτων οὖν ἐφιέμενος μέμνησο, ὅτι οὐ δεῖ μετρίως κεκινημένον ἅπτεσθαι αὐτῶν, ἀλλὰ τὰ μὲν ἀφιέναι
παντελῶς, τὰ δ' ὑπερτίθεσθαι πρὸς τὸ παρόν. ἐὰν δὲ καὶ ταῦτ' ἐθέλῃς καὶ ἄρχειν
καὶ πλουτεῖν, τυχὸν μὲν οὐδ' αὐτῶν τούτων τεύξῃ διὰ τὸ καὶ τῶν προτέρων ἐφίεσθαι,
πάντως γε μὴν ἐκείνων ἀποτεύξη, δι' ὧν μόνων
ἐλευθερία καὶ εὐδαιμονία περιγίνεται. [1.5] εὐθὺς οὖν πάσῃ φαντασίᾳ τραχείᾳ μελέτα
ἐπιλέγειν ὅτι ‘φαντασία εἶ καὶ οὐ πάντως τὸ φαινόμενον’. ἔπειτα ἐξέταζε αὐτὴν καὶ δοκίμαζε τοῖς κανόσι
τούτοις οἷς ἔχεις, πρώτῳ δὲ τούτῳ καὶ μάλιστα,
πότερον περὶ τὰ ἐφ' ἡμῖν ἐστιν ἢ περὶ τὰ
οὐκ ἐφ' ἡμῖν· κἂν περί τι τῶν οὐκ ἐφ' ἡμῖν
ᾖ, πρόχειρον ἔστω τὸ διότι ‘οὐδὲν πρὸς ἐμέ’.”
[1.1] Das coisas existentes,
algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso,
o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos
nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo
quanto não seja ação nossa. [1.2] Por
natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves.
As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem.
[1.3] Lembra então que, se pensares livres as coisas escravas por natureza e
tuas as de outrem, tu te farás entraves, tu te afligirás, tu te inquietarás,
censurarás tanto os deuses como os homens. Mas se pensares teu unicamente o que
é teu, e o que é de outrem, como o é, de outrem, ninguém jamais te constrangerá,
ninguém te fará obstáculos, não censurarás ninguém, nem acusarás quem quer que
seja, de modo algum agirás constrangido, ninguém te causará dano, não terás
inimigos, pois não serás persuadido em relação a nada nocivo. [1.4] Então,
almejando coisas de tamanha importância, lembra que é preciso que não te
empenhes de modo comedido, mas que abandones completamente algumas coisas e,
por ora, deixes outras para depois. Mas se quiseres aquelas coisas e também ter
cargos e ser rico, talvez não obtenhas estas duas últimas, por também buscar as
primeiras, e absolutamente não atingirás aquelas coisas por meio das quais
unicamente resultam a liberdade e a felicidade. [1.5] Então pratica dizer
prontamente a toda representação bruta: “És representação e de modo algum
<és> o que se afigura”. Em seguida, examina-a e testaa com essas mesmas
regras que possuis, em primeiro lugar e principalmente se é sobre coisas que
são encargos nossos ou não. E caso esteja entre as coisas que não sejam
encargos nossos, tem à mão que: “Nada é para mim”. (EPICTETO. O Encheirídion, 2012)
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição
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e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de
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H. Rackham. Harvard: Loeb Classical Library, 1914.
______. Letters to Friends. Volume I:
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DESCARTES, René. As paixões da alma. São
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______. Testemunhos e Fragmentos. Trad. Aldo
Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
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de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa).
São Paulo: É Realizações, 2016.
______. Exercícios Espirituais e Filosofia
Antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de
Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril
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SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
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