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Já, há algum tempo, reconfigurando abordagens teóricas, da forma pessoal de enfrentar um texto de grandes sábios, amplio o enfoque existencial num constante treino e esforços na direção da reformulação dos hábitos (ethos), na “cura das paixões”. Assim prossigo.
Inclusos tais treinos e esforços, pressupostos
os exercícios, retiro da releitura de um dos livros Pierre Hadot, hoje, sobre o que ele chamou de “exercícios espirituais”, e anoto a divisão dos “exercícios” estoicos em dois grupos:
- aqueles
que desenvolvem a consciência de si direcionados
a uma visão exata do mundo, da natureza e,
- aqueles
que são orientados para a paz e tranquilidade interior (Inner
Citadel).
Nesse sentido, acrescentando Epicteto, que nas Diatribes I.I.4
e no Encheiridion, recomenda os “exercícios” para o bom
uso das representações, que se examine sempre e as teste antes
de qualquer assentimento ou rejeição.
“Pois quando uma vez você concebe um desejo por dinheiro, se a razão for aplicada para trazer a você para a concepção de um mal, tanto as paixões se acalmam quanto o princípio governante [razão] é restaurado à sua autoridade original.”
Tal disciplina nos “exercícios” tem por meta equilibrar as emoções e, para Epicteto são fundamentalmente essenciais para a formação da alma.
“O homem que se exercita contra tais representações externas é o verdadeiro atleta em treino. [...] Grande é a luta, divina é a tarefa; o prêmio é um reino, liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας], paz e imperturbabilidade [Ἀταραξία ].”
E, reafirma ainda que é tarefa principal de quem pretenda reformular os hábitos:
“[...] se você tem uma febre da maneira certa, você desempenhará as coisas
esperadas do homem que tem uma febre. O que significa ter a febre da maneira
certa? Não culpar deus, ou homem, não ser esmagado pelo que acontece a você,
esperar a morte bravamente, e da maneira certa, fazer o que é imposto sobre
você.” (D III.X.12-13)
Dadas tais recomendações, é necessário, para Epicteto:
- a disciplina e a adoção desses “exercícios” na busca de euroia,
- a mudança dos hábitos a ponto de reformular a teoria em prática,
- reconhecer que é processo lento e exige persistência (perseverança).
“Primeiro digira seus princípios, e então você terá certeza de não vomitá-los. [...] Mas depois que você tenha digerido estes princípios, mostre-nos alguma mudança em seu princípio governante [razão] que é devido a eles.” (D III.XXII.3)
A proposta, portanto, é de alcançarmos o controle sobre nossos julgamentos, nossas escolhas (προαίρεσις) e assentimentos. Esforço válido e imprescindível! Diz Epicteto:
"Você vê, então, que é necessário para você vir a ser um frequentador das escolas, se você realmente deseja fazer um exame das decisões de sua própria vontade. E que este não é um trabalho para uma simples hora ou dia você sabe tão bem quanto eu.”
Assim, enquanto “medito andando”, tenho postado aqui, para mero registro pessoal, que depois desenvolvo e, talvez, um dia publique.
Pois, há alguns anos; já em plena guinada existencial decidi redirecionar o pensamento e abraçar projetos mais ousados, para mim, sem nenhuma pretensão de “mudar o mundo” ou alguém; e que, se for para empenhar-me em mudanças que sejam essas do ponto de vista pessoal.
E, tem sido fundamental, nesse sentido, focar em leituras que deem suporte às reflexões. Sendo de amplitudes variadas não as enumero aqui, tendo optado por escrever breves textos que ratifiquem o caminho que percorro e preparo as próximas etapas.
Entre os autores que tendo estudado, alguns já mencionados acima, Marcus Aurelius, nas Meditações, VII, 54, por exemplo, repete sempre a necessidade de concentração no que pensamos a cada momento, no que faço nesse momento, por exemplo, o que me possibilitaria uma visão clara de como as coisas se apresentam a mim, no momento presente e daí o direcionamento das minhas intenções para uma ação a realizar-se.
Tal “exercício” está ligado ao que encontramos em Epictetus “exercício da consciência de si", como um “exercício da atenção” a si mesmo.
Em D IV.XII, o capítulo inteiro, sobre a atenção (prosoché - περί προσοχῆς). E, em D. III. XVI.14-15 lemos as seguintes questões:
“como
lido com as representações externas [προσπιπτούσαις φαντασίαις] que recaem
sobre mim? De acordo com a natureza ou contrária a ela? Como responderia a
essas impressões? Como eu deveria ou como eu não deveria? Eu declaro para as
coisas que estão fora da esfera de minha proairesis que elas não significam
nada para mim?”
O principal objetivo, portanto, dos “exercícios” e da disciplina é buscar o bem viver, na busca de euroia.
Para Epictetus, a dificuldade em se atingir tal estágio
do bem viver se dá por que o próprio indivíduo não se empenha em
manter o estado de vigilância e atenção a si mesmo, nem se esforça a
executar “exercícios” para seu desenvolvimento moral.
Portanto, fica evidenciado que a proposta de Epictetus, Sêneca e, também, de Marcus Aurelius é a plena consciência de si. O modo de evitar as "paixões ruins" é o autoconhecimento.
______.
Para saber mais:
DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheiridion de Epicteto. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 2014.
EPICTETO. Entretiens. Livre I, II, III, IV.
Trad. Joseph Souilhé. Paris: Les Belles Lettres, 1956.
______. Epictetus Discourses. Book I. Trad. Dobbin. Oxford: Clarendon, 2008.
______. O Encheirídion de Epicteto. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2012. (Edição Bilíngue).
______. Testemunhos e Fragmentos. Trad.
Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão: EdiUFS, 2008.
EPICTETUS. The Discourses of Epictetus as
reported by Arrian; fragments; Encheiridion. Trad. Oldfather.
Harvard: Loeb, 1928. https://www.loebclassics.com/
HADOT, Pierre. The inner citadel: the meditations
of Marcus Aurelius. London: Harvard University Press, 2001.
______. A filosofia como maneira de viver: entrevistas
de Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson. (Trad. Lara Christina de Malimpensa).
São Paulo: É Realizações, 2016
______. Exercícios sspirituais e filosofia
antiga. Trad. Flavio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. Prefácio de
Davidson, Arnold. São Paulo: É Realizações, 2014.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Abril
Cultural, 1973.
SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 2014
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