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“[...] a alegria daqueles a quem os
homens chamam de feliz é fingida, enquanto sua tristeza é pesada e supurada, e
mais pesada, porque eles não podem, entretanto, exibir sua tristeza, mas devem
fingir o papel da felicidade no meio das aflições que devoram seus próprios
corações.” (SÊNECA, LXXX : 6)
Durante todo dia, todos
os dias, a meta a que tenho me dedicado a empreender é uma disciplina interior,
objetivo para quem se dedique a superar seus próprios conflitos.
Nesse sentido, portanto, recuperado,
em meio aos afazeres que se seguirão, pensando na reflexão matinal,
reli, mais uma vez, uma referência de Epicteto
a um certo “exercício”, típico da escola dos pitagóricos, em conformidade
com o que Hadot chama de “exercícios espirituais”, que também já registrei aqui, a partir da releitura
de um artigo e de uma apresentação do prof. Aldo Dinucci, num "Colóquio sobre Epicteto", em
que discute essa expressão, que deve entendida como “O primeiro e mais necessário tópico da filosofia: a " [...] aplicação
dos princípios [...]" (Encheirídion. LII:1).
Sempre retornando por
caminhos antes percorridos, e por ser tarefa ainda a realizar, prossigo com
mais uma reflexão. Partindo do Encherídion, temos que:
“Das
coisas existentes, algumas são encargos nossos1; outras não. São encargos
nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação
nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos
públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa.” (Encheirídion, 2012. I:1)
Nesse sentido, lendo pela
manhã sobre o tema, após grande e necessário intervalo por aqui, retomei esta
passagem das "Paixões da alma", de René Descartes:
“Mas,
como a maioria de nossos desejos se estende a coisas que não dependem de nós
nem todas de outrem, devemos exatamente distinguir nelas o que depende apenas
de nós, a fim de estender nosso desejo tão-somente a isso; e quanto ao mais,
embora devamos considerar sua ocorrência inteiramente fatal e imutável, a fim
de que nosso desejo não se ocupe de modo algum com isso, não devemos deixar de
considerar as razões que levam mais ou menos a esperá-la, a fim de que essas
razões sirvam para regular nossas ações” (Paixões da alma, 1983. § 146)
Somadas, portanto, o que
se posso extrair destas citações, fica mesmo, bem clara a tarefa do Prokopton; o de esforçar-se em superar
essa “dicotomia” íntima. E, nas “Paixões
da alma”, § 148, Descartes
propõe algo também, nesse sentido:
“Ora,
visto que essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por
conseguinte, muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com
elas, e das quais diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que
se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não
dispõem de poder algum para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a
alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por elas ofendido, conhecer com
isso a sua própria perfeição. E, para que a nossa alma tenha assim do que estar
contente, precisa apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja
vivido de tal maneira que sua consciência não possa censurá-lo de alguma vez
ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as melhores (que é o que
chamo aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão poderosa para
torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder
suficiente para perturbar a tranqüilidade de sua alma.”
Aliás, como já encontrei
e citei aqui, em outro texto, o professor Valério
Rohden, apresentou considerações sobre uma certa presença de elementos
“estoicos” na obra de Immanuel Kant,
a partir da leitura de Cícero. Aqui,
relendo René Descartes, especificamente, sobre o tema do “controle das paixões” também encontrei relações, que depois
verifiquei, outros já publicaram sobre esse tema também. Ora, tarefa a se
pensar, a desenvolver, mas que vou deixar para o próximo texto: uma análise
dessa questão, deste tema e o que se publicou, em relação a Kant e também Descartes.
“Mantenha-se forte!
Mantenha-se bem” (Sêneca)
______.
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