Ainda há pouco refletia
sobre alguns textos de autores estoicos sobre o tema da “morte”. Sem dúvidas há
especificidades estoicas às quais, desde que, ainda adolescente, comecei a
estudar não consegui aderir até hoje, claro.
Isso decorre
evidentemente do fato de que minha “Weltanschauung[1]”
adotada antes de ter acesso aos estoicos ainda permanece. Houve sempre, de
minha parte uma predileção especial aos textos e autores estoicos que
preservaram ou tentaram acomodar em seus textos certos aspectos “metafísicos”.
Li muito Sêneca, Cícero (que se aproximou do estoicismo) e Marco Aurélio com
essa perspectiva. Atualmente, sigo estudando os originais do Entretiens de Epicteto, que se distancia
bastante da metafísica; no entanto, traz o que tenho procurado entender como
uma “metodologia” para os estudos do estoicismo. Tenho aqui me apoiado em interpretações de
Pierre Hadot, no que ele chamou de “exercícios espirituais”. É neste sentido
que prossigo com a leitura da obra dos estoicos
Disso, tem se firmado o que desde o início me propus como meta, típica de quem se pretenda estudante das
propostas estoicas: a busca por serenidade.
Tarefa que exige no que entendo como “metodologia”: esforço e prática
constantes na intenção de cada vez mais internalizar convicções que eu possa agregar
à minha “Weltanschauung”.
Nesse caminho pretendo
aprofundar a compreensão de que a felicidade depende de uma escolha nossa, jamais de coisas
externas (nisso, é fundamental aderir à atenção (como nas Diatribes. Livro IV. XII, capítulo inteiro sobre a atenção
(prosoché- περί προσοχῆς), que nos deve
orientar na direção correta e nos faz estarmos atentos à “dicotomia do controle”.
Pois, é certo que haverá
o que lhe foge ao controle, como diz Epicteto, no Encherídion, I, 1. Mas isso é o que a vida exige de cada
um: o esforço, prática e “exercício” no que está sob seu controle:
o interior. O que é exterior
está para além do nosso controle.
Nos acontecimentos
externos, algo há que não está sob nosso controle, foge-nos totalmente.
Portanto, nas adversidades, por termos nos afastado da lei natural adotamos julgamentos
bastante equivocados sobre os eventos à nossa volta. Treino e esforço na
retomada da direção, de retorno à Lei,
nos darão bases mais sólidas para reformulação do nosso comportamento e, como
consequência, qualificaremos nossos hábitos (ethos).
Portanto, para tais
“exercícios” e “metodologia”, necessário se faz uma disciplina que tem por meta
equilibrar as emoções que, para Epicteto, por exemplo, é fundamentalmente
essencial para a formação da alma.
“O homem que se exercita contra tais
representações externas é o verdadeiro atleta em treino. [...] Grande é a luta,
divina é a tarefa; o prêmio é um reino, liberdade [ἐλευθερίας], serenidade [εὐροίας], paz [ataraxia
- ἀταραξία].”
E, é tarefa principal de
quem pretenda reformular os hábitos, por exemplo, reeducar-se na busca
do Bem que está ao alcance
de cada um, para que, daí descubra que tudo o que lhe sucede durante a vida não
é necessariamente um mal a paralisá-lo.
“...se
queres progredir, conforma-te em parecer insensato e tolo quanto às coisas
exteriores. Não pretendas saber coisa alguma.” (EPICTETO. Encheiridion. XIII).
E, como disse Marco
Aurélio:
“Ao
amanhecer, diga a si mesmo: hoje me depararei com um indiscreto, um ingrato, um
insolente, um desleal, um invejoso, um antissocial. Tudo isso lhes sucede por
sua ignorância do bem e do mal. Mas eu, que vi a natureza do bem, que é o
certo, e a do mal, que é o errado, e a da pessoa que comete a falta, que é afim
à minha, partícipe não do mesmo sangue ou semente, mas da mesma mente e da
mesma partícula divina, não posso sofrer danos de nenhum deles porque nenhum me
infectará com seu erro. Nem posso indispor-me com um semelhante ou odiá-lo,
porque nascemos para uma tarefa comum, como os pés, como as mãos, como as
pálpebras, como os maxilares superior e inferior. De modo que agir uns contra
os outros vai contra a natureza: e oposição são a ira e a rejeição. (MARCO
AURÉLIO. Meditações, II, 1)”
É, portanto, tarefa
pessoal e intransferível nos qualificar para mudança dos nossos hábitos.
Vejamos ainda o
que Sêneca escreveu no seu "De
tranquillitate animi" (14.2), já postado aqui num dia como esse:
"Vtique
animus ab omnibus externis in se reuocandus est: sibi confidat, se gaudeat, sua
suspiciat, recedat quantum potest ab alienis et se sibi adplicet, damna non
sentiat, etiam aduersa benigne interpretetur".
"Seja
como for, a alma deve recolher‐se em si mesma, deixando todas as coisas
externas: que ela confie em si, se alegre consigo, estime o que é seu, se
aparte o quanto pode do que é alheio, e se dedique a si mesma; que ela não
sinta as perdas e interprete com benevolência até mesmo as coisas
adversas".
Daí a imperativa
necessidade de cada um voltar-se para si e ser livre...
______.
ARRIANO FLÁVIO. O Encheirídion de Epicteto. Edição
Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos
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Fonte: http://plato.stanford.edu/entries/children/ .
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. 5. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 2014.
[1] Entendida
como um conjunto ordenado de valores. Uma maneira de compreender a época ou o
mundo em que se vive. Cosmovisão.
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