Relia, há pouco: "Nas sombras do
amanhã", de Johan Huizinga; pensando na "enfermidade espiritual de
nosso tempo".
A isso somei (trecho abaixo) uma
lembrança, de um post que um amigo prof. Humberto
Schubert Coelho , publicou aqui em 07.03.2018, que à época chamei, por
minha conta e risco, de "diagnóstico do tempo presente". Quase nada
mudou, na verdade!
"Este
é um momento histórico em que nada de bom parece prosperar. Se não houver
baixaria, agressividade ou sarcasmo envolvido é quase certo que o discurso não
será ouvido. Instintivamente, queremos ceder e reagir em um padrão semelhante
ao que recebemos, mas nisso é que está todo o mérito da coisa: perseverar em
ambiente hostil, contra todas as chances. Se o plantio não der em nada, ainda
assim é um bom exercício."
Assim, reforçando a partir de trecho
do texto acima, resta-nos, no entanto, que a mudança seja em nós; cada um de
nós, e, continuarmos a: “[...] perseverar
em ambiente hostil, contra todas as chances. Se o plantio não der em nada,
ainda assim é um bom exercício."
Ou seja: valerá ainda a esperança,
sempre, pela semente que foi lançada em solo fértil!
Ademais, os temas são sempre
recorrentes aqui, até que nos aplicando, alcancemos, em definitivo, de forma
ampla o objetivo prático. Repito sempre as reflexões pessoais aqui, neste
Blog, até que a grande tarefa se realize.
Ainda, no sentido da citação acima,
acrescento para seguir refletindo "estoicamente", um trecho de texto
extraído de um livro de J. Huizinga sobre Ensinamento ou ... mero “encenamento”?
"(...)
Conhecimentos de todos os tipos, de uma quantidade e complexidade inéditas, são
levados até as massas, mas não digeridos de modo a aplicarem-se à vida. O
conhecimento não processado paralisa o discernimento e é um estorvo para a
verdadeira sabedoria. E em lugar de ensinamento temos mero “encenamento”. O trocadilho
é infame, mas infelizmente faz muito sentido." (HUIZINGA,
)
E, ainda, acrescentando das minhas leituras sobre estoicismo, um notório
princípio para prática de sua filosofia é um conjunto de três “exercícios
práticos”. Os objetivos estóicos estão, sempre ajustados de forma
a dar mais valor à ação do que às palavras. A maneira de agir de cada indivíduo
que pretenda ser um estóico é priorizada devido ao fato de que
verdadeiramente a ação mostra como uma pessoa realmente é. Daí a incessante
busca, realizando exercícios práticos no cotidiano para alcançar a eustatheia (tranquilidade)
e euthymia (crença em si). Aqui, só vou mostrar o
primeiro exercício que é proposto pelos estóicos como ponto de
partida para compreensão e prática de sua filosofia. Mas, são três exercícios
fáceis e possíveis de serem realizados em qualquer tempo.
Bastante interessante, para mim, e um
dos temas divulgados pelos estóicos: a reflexão matinal.
O estóico Marco Aurélio, por exemplo, em suas Meditações como estóico,
apresenta estes exercícios práticos que consistem sempre, como foi dito, em
práticas simples. Ao acordar, agradeça por que você acordou e terá
um novo dia com novas oportunidades pela frente. Segundo essa prática, o
exercício se daria dessa forma:
No momento em que
despertamos de uma noite sono, agradeçamos por ter acordado e por termos mais
uma oportunidade num novo dia. Em
seguida, tranquilamente sentemo-nos e pensemos no dia a se iniciar e como
pretendemos vivê-lo, sem ter aqui a pretensão de estabelecer longas metas,
planos.
Na verdade, o que
importa aqui é pensar a maneira como nós enfrentaremos nossos vícios e como
exercitaremos nossas virtudes. Algum conceito filosófico será exercitado e
aplicado; alguma habilidade intelectual, um idioma, um tema de uma determinada
área será posto em prática? Como faremos isso de forma efetiva? Como compor o
nosso dia, que estamos iniciando, de forma a incluirmos esses exercícios?
Durante o dia, com
certeza, inúmeras dificuldades aparecerão e, serão necessárias profundas
reflexões sobre a forma como reagiremos a cada um.
Enfim, tomando o
texto de Epictetus utilizado
aqui para essa reflexão inicial, é fundamental, já praticando o
exercício estóico, reconhecermos que não podemos controlar nada além
dos nossos próprios pensamentos, nossas escolhas, vícios ou virtudes; nem tudo
distante disso estará sob nosso controle. O que nos acontece à nossa volta
serão eventos por nós percebidos que, no entanto, podemos optar por mantermos a
calma e a tranquilidade diante deles, serenamente e sem nos distanciarmos da
proposta inicial que pretendemos levar a cabo. Assim, portanto,
reflitamos:
“Em primeiro lugar, ao menos desde Sócrates, a
opção por um modo de vida não se situa no fim do processo da atividade
filosófica, como uma espécie de apêndice acessório, mas, bem ao contrário, na
origem, em uma complexa interação entre a reação crítica e outras atitudes
existenciais, a visão global de certa maneira de viver e de ver o mundo, e a
própria decisão voluntária; e essa opção determina até certo ponto a doutrina e
o modo de ensino dessa doutrina. O discurso filosófico tem sua origem,
portanto, em uma escolha de vida e em uma opção existencial, e não o contrário.
(...). Essa opção existencial implica, por seu turno, certa visão de mundo, e
será tarefa do discurso filosófico revelar e justificar racionalmente tanto
essa opção existencial como essa representação do mundo. (HADOT, 2014: 17 e 18)
A recomendação é excelente! Assim,
pela vontade, podemos dedicar bom tempo exercitando
o domínio das nossas opiniões, na “cura das paixões”; como li,
recentemente, sobre a piedade Epicteteana.
Uma tonalidade de alta confiança é percebida também nesse texto do
imperador-filósofo:
"Toma
conta de mim e atira-me para onde quiseres — porque, seja onde for, conservarei
a minha consciência tranquila, isto é, satisfeita, contanto que eu proceda em
conformidade com a minha natureza de homem. Valeria a pena que, por tão pouco,
a minha alma se considerasse infeliz, se tornasse inferior a si mesma, se
rebaixasse, se apaixonasse, se deixasse abater, se inquietasse? E que
encontrarás na vida a que mereça tanto?"
"[...]
Portanto, se coisa alguma sucede a cada ser senão o que é ordinário e natural,
por que motivo hás de indignar-te? Pois a natureza nada te deu que fosse
insuportável."
Aprendendo e aprofundando nos exercíci0os e tentavas. Aparando arestas, ainda.
Ora, enquanto faço mais uma pausa; preparo um cafezinho indispensável, reflito um pouco também sobre esta passagem do grande Plotino; da leitura do Enéadas. Sempre retomo esse trecho e tomo como minha esta reflexão. Diz muito sobre questões com que me envolvo! Estando por alguns dias sem acesso a redes sociais, sobrou-me um tempinho para colocar algumas atividades em ordem encerrando uma série de atividades hoje, para, em seguida retornar ao constante trabalho.
A beleza, entendida aqui como fonte da harmonia dos seres na obra de
Plotino, que a entendia como algo para além de produção meramente material;
estaria em nós como atividade espiritual
que impulsiona a sensibilidade, o pensamento e o desejo, sempre na direção
do Bem Supremo. A realização plena da própria escultura pede
um “fuga mundi”. E, nesse exercício o que se propõe não é um
desprezo das coisas do mundo, não!
É isto que tu viste, um comércio puro, um trato puro, sem nenhum
obstáculo à tua unificação, sem que nada estranho esteja mesclado interiormente
a ti mesmo? És tu todo inteiro uma luz verdadeira, não uma luz de dimensão e de
formas mensuráveis que pode diminuir ou aumentar indefinidamente em magnitude,
senão uma luz que carece em absoluto de medida, porque é superior a toda medida
e quantidade? Tu te vês neste estado?"
E, o dia só começou!
Pois, que seja mais um dia de muito trabalho, de correções de percurso, mesmo com dificuldades ... "Premeditatio Malorum". Em Paz!
______.
SUGESTÃO DE LEITURAS
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